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Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Red Bull terá motores Honda na F1 mesmo após saída da montadora. Mas como?

Verstappen aponta logo da Honda em primeira vitória com o motor japonês, em 2019 - Andrej ISAKOVIC / AFP
Verstappen aponta logo da Honda em primeira vitória com o motor japonês, em 2019 Imagem: Andrej ISAKOVIC / AFP

Colunista do UOL

15/02/2021 09h23

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A Red Bull fez nesta segunda-feira (15) o esperado anúncio de que continuará usando os motores Honda em suas duas equipes - a própria Red Bull e a AlphaTauri - até o final de 2024, ou seja, três anos depois da saída dos japoneses da Fórmula 1, confirmada ano passado e que vai acontecer após o final da temporada 2021. Mas como uma marca de bebidas energéticas espera competir de igual para igual com Mercedes, Renault e Ferrari sem ter a apoio de alguma gigante automobilística? A decisão é resultado direto de uma vitória da Red Bull na última reunião do Conselho da F1, na semana passada, que determinou o congelamento do desenvolvimento dos motores, e pode se tornar uma estratégia a longo prazo ou mesmo uma porta de entrada interessante para outra montadora na categoria.

A Red Bull chegou na Fórmula 1 como equipe em 2005, assumindo o espólio da Jaguar e depois da Minardi para fundar a Toro Rosso, que se tornou AlphaTauri ano passado. As equipes são fruto da estratégia de marketing global da empresa, que se notabilizou por usar pouca propaganda tradicional e bancar operações esportivas (times ou eventos) para ganhar mais exposição. Assim, para a Red Bull, estar na F1 só faz sentido se a equipe andar na frente pois, assim, a exposição da marca é maior.

A equipe aproveitou a extensa mudança de regulamento de 2009 para dar esse salto e lutar por títulos, sendo vice-campeã naquele ano e ganhando quatro campeonatos seguidos entre 2010 e 2013. Naquela época, o carro era o grande diferencial porque os motores V8 eram equalizados e tinham o desenvolvimento congelado, então a estratégia vencedora da Red Bull foi contratar o renomado projetista Adrian Newey e focar no desenvolvimento aerodinâmico.

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Engenheiros da Honda e da Red Bull estudam dados durante GP de Portugal de F1 de 2020
Imagem: Mark Thompson/Getty Images

Red Bull sabe que não pode ser cliente das rivais

Em 2014, entretanto, a F1 passou por outra mudança grande de regulamento, desta vez focada nos motores, que passaram a ser os V6 turbo híbridos. A partir daí, as chamadas unidades de potência se tornaram um diferencial importante de performance, e a Red Bull, cliente da Renault, não conseguiu repetir o mesmo desempenho da Mercedes, que desenvolve seus motores especificamente para atender ao que o carro de seu time de fábrica demanda - e vice-versa. Além disso, o motor Mercedes tinha uma arquitetura diferente em sua primeira versão, era muito melhor que a dos outros, e isso permitiu que os alemães dominassem a F1, com sete títulos desde então.

Ficou claro para a Red Bull que eles teriam de conseguir um tratamento de time de fábrica para pensar em título. Com a Renault, isso não seria possível, porque os franceses voltaram a ter sua própria equipe em 2016, então eles iniciaram uma parceria com a Honda em 2019. Os japoneses vinham em franca ascensão e a parceria parecia caminhar bem até que a cúpula decidiu que o investimento de centenas de milhões de dólares na F1 tinha chegado ao limite do que a tecnologia usada atualmente poderia gerar em termos de conhecimento técnico para a montadora. Em um anúncio feito em outubro de 2020 e que surpreendeu até os funcionários do programa de F1 da Honda, eles decidiram deixar a categoria no final de 2021.

Desde então, a Red Bull deixou claro qual era sua estratégia principal: buscar consenso para adiantar o congelamento do desenvolvimento dos motores em um ano (de 2023 para 2022) para que pudesse apenas continuar com o motor da Honda sem ter de assumir o investimento gigantesco de atualizar o produto. Paralelamente às conversas políticas, a equipe já iniciava a adaptação de uma parte de sua fábrica em Milton Keynes, na Inglaterra, que está sendo chamada de prédio 8 por enquanto, para se tornar o local onde a operação dos motores será feita a partir de 2022.

red bull - Red Bull Content Pool - Red Bull Content Pool
Fábrica da Red Bull, em Milton Keynes, na Inglaterra
Imagem: Red Bull Content Pool

Novo motor Honda é carta debaixo da manga

A decisão de pressionar pelo congelamento do desenvolvimento dos motores e, assim, continuar independente das rivais tem muito a ver com o otimismo com que a Honda trata a unidade de potência que vão estrear neste ano. Na verdade, a operação é intimamente ligada ao desejo dos japoneses de investir tudo o que já estava previsto no orçamento de 2021, mesmo sabendo que não vão continuar na Fórmula 1.

O motor que Red Bull e AlphaTauri vão usar a partir da primeira etapa deste ano, o GP do Bahrein, dia 28 de março, era a evolução prevista para estrear só em 2022, em conjunto com o novo carro (em decorrência de outra mudança extensa de regras). Depois da decisão da montadora de sair da F1, a divisão esportiva da Honda passou a trabalhar a toque de caixa para conseguir adiantar o desenvolvimento desta unidade de potência, que traria ganhos significativos. Como a Honda já evoluiu muito nos últimos anos e hoje está perto da Mercedes em termos de desempenho, a Red Bull espera que este novo motor possa, finalmente, nivelar a performance. E, depois disso, no início de 2022 os motores estarão congelados e a equipe teria um bom equipamento para tentar voltar a disputar títulos, novamente usando o novo regulamento (outra vez, mais focado nos carros, como em 2009).

E o que acontece depois que o congelamento dos motores acaba?

Vencida a primeira batalha de adiantar o congelamento do desenvolvimento, agora a Red Bull vai focar em adaptar o prédio 8 da melhor forma possível e entender qual o melhor caminho para depois que o congelamento acabar, em 2025. São duas possibilidades: ao anunciar que continuará usando a tecnologia da Honda após 2021, a Red Bull divulgou a criação de sua divisão de motores, a Red Bull Powertrains, que inicialmente vai gerir essa manutenção dos motores Honda, mas que pode, no futuro, fabricar o próprio equipamento para a F1. Esse é o projeto do consultor Helmut Marko, mas ele depende diretamente do quão complexo será o motor adotado pela categoria a partir de 2025, algo que ainda não foi decidido.

A Red Bull deve pressionar para que o novo motor seja o mais simples possível, apostando em algum tipo de combustível ecológico, como hidrogênio, por exemplo, ao invés de tecnologias de aproveitamento de energia complicadas como as usadas na unidade de potência atual. Assim, a estrutura para o desenvolvimento dessa nova tecnologia não seria tão grande e a própria Red Bull Powetrains poderia assumir o projeto.

Outra possibilidade é que a Red Bull atraia outra montadora para a Fórmula 1, para fornecer o equipamento e tratar a equipe como time de fábrica. E, quem sabe, no futuro, até possa comprá-la. Sabe-se que a Volkswagen há anos senta na mesa de negociações sobre os regulamentos de motores da categoria para avaliar se tem interesse em entrar, e a oportunidade de ouro para qualquer interessado é justamente quando há mudanças de regulamento com a de 2025, já que todos começam do zero. Mas, para isso, a F1 precisa entrar em um acordo sobre qual será sua próxima tecnologia, algo que não deve ser decidido nos próximos meses.