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Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

A regra é clara na F1? Lewis vence saindo da pista 29 vezes e prova que não

Hamilton resistiu à pressão de Verstappen nas últimas voltas para vencer o GP do Bahrein - Clive Mason - Formula 1/Formula 1 via Getty Images
Hamilton resistiu à pressão de Verstappen nas últimas voltas para vencer o GP do Bahrein Imagem: Clive Mason - Formula 1/Formula 1 via Getty Images

Colunista do UOL

01/04/2021 04h00

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Quando Max Verstappen teve que deixar Lewis Hamilton passar depois de superá-lo em uma luta pela liderança na primeira corrida do ano da Fórmula 1, a apenas quatro voltas para o final, nem todos os torcedores entenderam o que tinha acontecido. O holandês tinha saído com as quatro rodas da pista para completar a manobra e, por isso, a equipe o instruiu, a pedido da direção de prova, a deixar o inglês passar.

Até aí, tudo bem: é normal que uma ultrapassagem que usou a vantagem da área de escape asfaltada não valha. Mas os torcedores ficaram confusos quando um vídeo passou a circular nas mídias sociais, após a corrida, mostrando que o próprio Hamilton tinha passado por 29 vezes por fora da pista exatamente no mesmo local, na saída da curva 4, sem sofrer qualquer tipo de punição.

Teoricamente, ambos os casos cairiam dentro do artigo 27.3 do Regulamento Esportivo da F1, segundo o qual "os pilotos devem se esforçar para usar a pista em todos os momentos e não podem deixá-la deliberadamente e sem uma razão justificável (...). Se o carro sair da pista, o piloto pode voltar, contudo, isso só pode ser feito quando for seguro e sem que se ganhe uma vantagem duradoura."

Ou seja, em primeira análise, a manobra de ultrapassagem de Verstappen foi considerada uma vantagem duradoura e as 29 vezes em que Hamilton saiu da pista, não. Mas como isso é possível?

Como as pistas são diferentes entre si, a F1 adota uma espécie de adendo às regras para cada GP, que é publicado com o nome de "anotações do diretor de pista". Isso é feito para que as regras sejam aplicadas de uma maneira mais adequada ao circuito, levando em consideração não apenas o que o diretor de prova decide, mas também a opinião dos pilotos e dos diretores de corrida das equipes.

Por conta desse processo, não é raro que este documento passe por mudanças ao longo do final de semana. O diretor de corridas da F1 desde 2019, Michael Masi, faz sua primeira versão na quinta-feira anterior ao GP, e as normas são discutidas após os treinos livres, na sexta-feira à noite. E podem passar por alterações.

Neste documento, são discutidas regras específicas de cada pista, como onde os pilotos podem ensaiar largadas, as linhas de Safety Car e também onde a regra de limites de pista será aplicada com rigor.

Essa decisão tem a ver com o quanto que a direção de prova acredita que o piloto pode ganhar ao sair da pista naquele determinado trecho. E, no Bahrein, a curva 4 sempre foi um ponto polêmico. Na corrida do último fim de semana, ficou decidido que os limites de pista na curva 4 seriam policiados com firmeza na classificação - quem saísse da pista naquele trecho, teria a volta deletada - mas não na corrida. Ou seja, ganhar tempo de volta saindo da pista ali não seria considerado uma 'vantagem duradoura'.

Foi aí que Lewis Hamilton se aproveitou para criar uma linha completamente diferente, sabendo que, com base nas anotações do diretor de prova, isso era permitido na corrida. Vários carros saíram da pista naquele trecho diversas vezes, mas a maneira como Hamilton fez isso, consistentemente e indo parar bem distante da linha branca que delimita a pista, chamou a atenção de Masi, que pediu, por meio da equipe, que ele parasse de tomar aquela linha. Isso aconteceu depois da metade da corrida e irritou Hamilton, que questionou por que a regra estava sendo mudada no meio da prova.

Masi nega que este tenha sido o caso. O australiano disse que, embora os pilotos estivessem liberados para sair da pista ali, eles também estavam sendo monitorados em relação à vantagem que isso traria.

Regras não podem ser peça de Shakespeare, diz Wolff

Não é à toa que até mesmo os chefes de equipe estão confusos quanto à aplicação das regras. Não pelo lance de Verstappen, que foi bastante claro e não foi questionado nem pelo piloto, nem pelo chefe Christian Horner, mas sim como é possível liberar os pilotos para sair da pista e levar vantagem com isso e depois dizer que, ao mesmo tempo, eles estavam sendo monitorados justamente por ganharem vantagem.

"Assim que nós vimos que as Mercedes começaram a forçar o ritmo e a sair da pista ali, questionamos o diretor de prova se nós podíamos fazer o mesmo. Há uma vantagem de uns dois décimos ao usar aquela parte da pista, e eles estavam fazendo volta atrás de volta. Então Masi pediu que eles respeitassem os limites, caso contrário eles receberiam uma bandeira preta e branca (advertência por pilotagem fora das regras)."

É bom lembrar que, mesmo se as "anotações do diretor de pista" fossem rígidas quanto aos limites de pista na curva 4, Hamilton ou qualquer outro piloto não seria punido logo de cara. Os comissários observam se a regra é quebrada algumas vezes, e primeiro pedem para o piloto parar, para então dar uma bandeira preta e branca e, só depois, algum tipo de punição.

No Bahrein, como as "anotações do diretor de pista" não coibiam a saída de pista naquele trecho, Hamilton na verdade estranhou quando seu engenheiro pediu que ele mudasse sua trajetória. E até o chefe do inglês, Toto Wolff, após o piloto e sua equipe ganharem uma corrida em que eles não tinham o melhor carro, se disse confuso.

"No começo da prova, falaram que os limites de pista na curva 4 não seriam sancionados. E depois, durante a prova, de repente ouvimos que se nós continuássemos a sair da pista poderíamos ser punidos. É aquela coisa: se ele decide punir, acabou. Então precisamos ser consistentes na maneira como as mensagens estão sendo dadas. Elas precisam ser claras, não podem ser como uma peça de Shakespeare, que pode levar a várias interpretações."

Essa questão dos limites de pista vem dando dor de cabeça no automobilismo desde que, por questões de segurança, as áreas de escape asfaltadas substituíram as de brita. Assim, em determinados pontos, tornou-se vantajoso sair da pista para ganhar tempo.

Para tentar sanar isso, Masi introduziu na F1 sensores nas saídas de curvas problemáticas, que vinham gerando mais advertências e mais voltas deletadas, de forma automática. Mas, no Bahrein, ele parece ter cedido à pressão dos pilotos e equipes na reunião após os treinos livres. E a polêmica após a prova deixou claro que, se forem dadas brechas aos pilotos, elas serão aproveitadas.