Topo

Pole Position

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Saída de Masi e criação do VAR da F1 mostram a cara da nova gestão da FIA

O australiano Michael Masi (de azul), diretor de corridas da FIA, durante inspeção antes do GP de São Paulo  - Beto Issa/GP de São Paulo
O australiano Michael Masi (de azul), diretor de corridas da FIA, durante inspeção antes do GP de São Paulo Imagem: Beto Issa/GP de São Paulo

Colunista do UOL

20/02/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

As mudanças que a Federação Internacional de Automobilismo anunciou, como resultado da análise dos eventos decisivos para o campeonato do ano passado da Fórmula 1, mostram uma clara intenção de seguir adiante e evitar que a categoria fique tão exposta a situações parecidas no futuro. Porém, restaram algumas perguntas sem resposta, alimentando dúvidas que não fazem bem ao esporte.

Ficamos sem saber o que se passou na sala do controle de corrida para que Michael Masi mudasse o procedimento durante o período de Safety Car, decidindo primeiramente que o GP de Abu Dhabi seria reiniciado sem que os retardatários ultrapassassem o líder, voltando atrás depois. Não sabemos por que ele escolheu uma solução que não está no regulamento, também, permitindo que só quem estava entre os rivais na luta pelo título saíssem do caminho, o que obrigou os comissários a recorrer a outro artigo das regras para indeferir o protesto da Mercedes.

Além disso, por mais que a trajetória inconsistente de Masi como diretor de prova da F1 aponte bem mais fortemente para uma falha do que para má fé, ficamos sem saber o quanto as pressões das equipes Mercedes e Red Bull influenciaram neste processo. Principalmente, o diálogo de Masi com o team manager do time do campeão Max Verstappen, em que Jonathan Wheatley propõe que os retardatários sejam tirados do caminho do caminho.

team manager red bull - Getty Images/Red Bull - Getty Images/Red Bull
Jonathan Wheatley é team manager da Red Bull, ou seja, a ponte entre a equipe e a FIA
Imagem: Getty Images/Red Bull

Talvez, inclusive, seja pior ainda saber que não há nada de incomum naquela conversa, lembrando que só começamos a ter acesso à comunicação entre as equipes e a direção de prova no início de 2021, e nos surpreendemos com muita coisa que ouvimos ao longo do ano, vide o diálogo com a Alpine no GP dos Estados Unidos ou com o mesmo Wheatley na Arábia Saudita. Falando com membros de outras equipes após aquela prova, todos me garantiram que trata-se de uma prática normal e que também acontecia na época de Charlie Whiting.

A diferença era que Whiting era mais incisivo em suas respostas e não voltava atrás, ao contrário do que Masi fez algumas vezes ao longo de seus três anos como diretor de prova, cargo que passou a ocupar sem o treinamento devido após a morte repentina de Whiting. Não ajudou o australiano, ainda, que estas conversas tenham passado a ser transmitidas ao público neste período.

Então a F1 acabou com um cenário em que um diretor de prova que tinha dificuldades para estabelecer sua autoridade tem de tomar uma decisão fundamental no campeonato mais disputado nos últimos tempos (dentro e fora das pistas). E com tudo sendo transmitido, inclusive, com a detentora dos direitos comerciais selecionando o que vai ao ar e o que não escutamos (o que, por si só, já gera outra camada de perguntas).

Pacote de mudanças da FIA dilui responsabilidades

Era uma receita explosiva. E as soluções apresentadas pelo presidente Ben Sulayem apontam não para explicar o que aconteceu ou mesmo para a FIA assumir qualquer responsabilidade. Mas, sim, para evitar que a F1 volte a estar naquela posição.

Para isso, a primeira solução era afastar Masi do cargo de diretor de prova. O australiano, que também é delegado de segurança, deve manter o cargo que é de muito prestígio, mas de menor visibilidade.

Para o seu lugar, não entra um, mas sim dois diretores de prova, que se revezarão e terão uma equipe de apoio que estará fora dos circuitos, com acesso a câmeras e outras informações. Com isso, a FIA ao mesmo tempo dilui a responsabilidade e responde ao pedido das equipes por uma estrutura mais "robusta", palavra que entrou em voga na F1 após Abu Dhabi, para a direção de prova.

Na verdade, a FIA já seguia esse caminho, pressionada há meses pelas equipes devido à falta de consistência. Niels Wittich atuava apoiando Masi em algumas corridas e sua ida definitiva para a F1 estava acertada, então a novidade é Eduardo Freitas. O português tem grande experiência no Mundial de Endurance, é alguém que tem o costume de ouvir e tem uma abordagem bem pragmática.

Ter dois diretores de prova revezando no mesmo cargo não parece ser o melhor em termos de consistência, mas a impressão que ficou é que a FIA entendeu que todo seu processo, primeiro, era falho, e, segundo, expunha muito uma única pessoa. Prova disso é a criação de um painel de profissionais atuando fora do circuito no que o presidente chamou de VAR.

Aqui cabe um parênteses que a F1 já tem seu VAR na prática há anos, nas mãos dos comissários de pista. Eles têm à disposição dados de vídeo e de telemetria, e podem verificar decisões passadas na mesma curva, ferindo o mesmo artigo no regulamento ou mesmo vendo o histórico do piloto. Mas eles só são acionados para julgar problemas apontados pelo diretor de prova, geralmente relacionados a questões de pilotagem. O novo sistema visa dar suporte ao diretor de prova globalmente, incluindo Safety Car, procedimento de largada, etc.

herbie blash - Paul Gilham/Getty Images - Paul Gilham/Getty Images
Herbie Blash, da FIA, inspeciona circuito do GP da Coreia do Sul em 2010
Imagem: Paul Gilham/Getty Images

Mas não há só más notícias. A volta de Herbie Blash como consultor é uma boa maneira de fazer a transição que faltou quando Whiting faleceu. Ele era seu substituto oficial, e a história dos dois remetia aos dias em que trabalhavam juntos na Brabham. Blash saiu da F1 no final de 2016, quando Whiting tinha um plano de sucessão que acabou não dando certo, depois que Laurent Mekies trocou a FIA pela Ferrari após cerca de um ano. Foi só então que Masi se juntou à FIA, tendo feito apenas nove corridas, sob a supervisão de Whiting, antes de assumir o cargo principal.

Um passo atrás em relação à transparência

Outro ponto de exposição eram os rádios, e as equipes também vinham reclamando disso antes de Abu Dhabi. Os team managers diziam que estavam até evitando falar para não serem "flagrados" pela transmissão da TV. Outros, desenvolveram técnicas como usar vários palavrões para evitar irem ao ar. A solução de Sulayem foi, novamente, blindar a F1, dizendo que as mensagens serão restritas e dando a entender que elas não serão mais transmitidas. A comunicação entre as equipes e o diretor de prova, de fato, é imprescindível. A cultura totalmente estabelecida na F1 de usar isso para tentar tirar vantagem, não.

Há outra questão ainda em aberto. Não dá para o regulamento dizer que o diretor de prova tem uma autoridade derrogatória, ou seja, que se sobrepõe a outras regras, a respeito de alguns procedimentos, como Safety Car e a largada da corrida. Afinal, as equipes definem suas estratégias e tomam suas decisões baseadas no regulamento, então ele tem de ser seguido à risca. A FIA ainda não anunciou como serão as mudanças no procedimento de SC descrito no regulamento, mas pelo menos essa parte parece estar sendo tratada de maneira mais objetiva. No mais, a impressão que ficou é que a FIA quis mais acalmar os ânimos do que realmente esclarecer o que aconteceu em Abu Dhabi.