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Bastidores da Arábia Saudita: afinal, a F1 chegou perto de cancelar o GP?

Fumaça sai de uma instalação de armazenamento de petróleo na cidade costeira de Jeddah, na Arábia Saudita - ANDREJ ISAKOVIC / AFP
Fumaça sai de uma instalação de armazenamento de petróleo na cidade costeira de Jeddah, na Arábia Saudita Imagem: ANDREJ ISAKOVIC / AFP

Colunista do UOL

28/03/2022 04h00

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Que a Fórmula 1 se colocou em uma armadilha ao abraçar causas humanitárias e pautas igualitárias ao mesmo tempo em que viu aumentar a dependência do dinheiro de países como a Arábia Saudita, tanto por conta do GP, quanto pelo patrocínio da Aramco, o maior da categoria, isso não havia dúvidas mesmo antes do ataque a um depósito da petrolífera a 12km da pista na sexta-feira em Jeddah.

O que se viu nas horas seguintes foi o questionamento sobre a possibilidade de seguir adiante com o evento em segurança inflamado justamente por esta armadilha e com outro ingrediente como pano de fundo: os pilotos consideram a pista perigosa e, mesmo com as mudanças feitas neste ano, são unânimes em dizer que nada mudou. Desde o ano passado, a avaliação geral é de que só se corre em Jeddah, pista que seria provisória, mas que vai ficar por pelo menos mais três anos no calendário porque o projeto de Qiddiya está atrasado, justamente devido à posição em que a F1 se colocou.

Os chefes da F1 e das equipes ouviram das autoridades locais que não se pode cobrir o país inteiro com defesas antimísseis, então a opção é por cobrir áreas habitadas. E a área atingida pelo ataque dos Houthis, um grupo do Iêmen apoiado pelo Irã e considerado terrorista pelos sauditas, que estão em conflito com os vizinhos desde 2014, não estava coberta pela defesa por estar fora da cidade.

reunião saudita - Clive Mason/Getty Images - Clive Mason/Getty Images
Lewis Hamilton, da Mercedes, ao lado de Stefano Domenicali, CEO da F1 Group, e Ross Brawn, diretor esportivo, após treino livre no GP da Arábia Saudita. 25/03/2022
Imagem: Clive Mason/Getty Images

Isso, no entanto, não foi suficiente para todos. Os pilotos se reuniram com os representantes da F1, FIA, das equipes e da organização e depois ficaram sozinhos, por horas, discutindo quais seriam as alternativas. Enquanto isso, a F1 fazia consultas a agências militares independentes, cruzando as informações.

Mesmo dentro das equipes, houve questionamentos. Na sexta-feira, os membros da Williams fizeram uma reunião de praxe que não costuma ser muito longa mas, desta vez, quando a chefia perguntou se alguém tinha alguma dúvida, algumas mãos se levantaram. A equipe tem membros que serviram ao exército, e eles queriam saber detalhes do esquema de segurança que os sauditas tinham montado.

Houve algum barulho da internet sobre a visibilidade que impediria que o helicóptero levantasse voo, algo que impediria a corrida de seguir adiante. No entanto, embora as imagens vindas do depósito em chamas dessem a impressão de que uma enorme cortina de fumaça cobria a cidade, em momento algum isso chegou perto do circuito. Ao fundo, era possível ver parte do céu alaranjado na noite de sexta, mas não havia sequer cheiro de fumaça no paddock e o céu amanheceu azul no sábado, com uma fina cortina de fumaça que se percebia no horizonte. Neste sentido, os fortes ventos na região ajudaram a jogar a fumaça para longe da pista.

A prova chegou a correr risco de cancelamento?

É fato que uma das opções levantadas pelos pilotos foi o que aconteceria se eles decidissem não correr. O que ficou claro após a reunião é que, embora nem todos concordassem com esta atitude, a reunião se alongou justamente porque eles queriam tomar uma decisão unânime.

Dentro da discussão, foram levantados pontos como se seria possível deixar o país rapidamente, uma vez que não há muitos voos disponíveis, e o que isso significaria para os membros da equipe, que não teriam escolha a não ser ficar para desmontar todo o equipamento e também esperar pelos voos já marcados. Neste sentido, diferentemente do que foi publicado por meios que não estavam presentes em Jeddah, várias fontes confirmaram à coluna que não houve qualquer ameaça por parte dos sauditas.

Embora o governo seja autoritário e tenha cometido diversas atrocidades bastante documentadas, a Fórmula 1 faz parte de um investimento importante para eles para promover uma imagem diferente do país e atrair grandes eventos, uma vez que a Arábia Saudita projeta como será sua economia sem a dependência total do petróleo no futuro. Além do patrocínio da própria categoria, eles também têm relação com várias equipes e, inclusive, não descartam adquirir um time em um futuro próximo. A Liberty Media, inclusive, já teria sondado os sauditas para comprarem os direitos comerciais da categoria em si.

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Os chefões da Haas, Guenther Steiner (esq.) e da Alpha Tauri Franz Tost (c) conversam com o presidente da FIA Mohammed Ben Sulayem após a reunião com chefes e pilotos de equipes após o 2º treino livre do GP da Arábia Saudita. 25/03/2022
Imagem: ANDREJ ISAKOVIC/AFP

Voltando à reunião dos pilotos, houve, sim, um momento mais crítico, quando os chefes de equipe voltaram à sala e o tom da conversa ficou visivelmente mais ríspido. Foi neste momento que os próprios organizadores começaram a se preparar para o cenário de cancelamento justamente pela resistência dos pilotos. No entanto, como afirmou Otmar Szafnauer à coluna ainda na sexta-feira à noite, tudo foi resolvido quando "as informações chegaram de um lado ao outro". Se tais informações eram somente relacionadas à segurança ou também contextualizar a situação aos pilotos, os chefes não quiseram comentar e os pilotos deram poucos detalhes sobre a reunião, que durou até mais de 2h da manhã de sábado.

Há informações desencontradas a respeito de quais eram os mais preocupados, mas o que foi possível observar na reunião era Pierre Gasly e Lewis Hamilton falando bastante, e George Russell liderando o encontro pela posição de presidente da associação de pilotos, na ausência de Sebastian Vettel. O alemão, contudo, estava em contato com os pilotos por telefone.

O caso de Vettel já tinha gerado muita especulação, pois sabe-se que ele não está confortável com a parceria de sua equipe, a Aston Martin, com os sauditas da Aramco, e vinha evitando falar sobre o assunto. Vettel, de fato, testou positivo para covid antes de ficar fora do GP de abertura da temporada no Bahrein, mas a maneira como a equipe anunciou que ele não estaria na segunda etapa, sem citar o vírus, só alimentou a teoria de que ambas as partes decidiram que era melhor esperar até o GP da Austrália para que ele voltasse ao cockpit do carro já totalmente recuperado e em forma.

Leclerc de classe econômica

Os pilotos já sabiam bem da falta de voos para Jeddah na chegada. A dobradinha Bahrein- Arábia Saudita significou que muitos optaram pelo voo direto na quarta-feira, que tinha quase lotação máxima de membros da F1. Tanto, que enquanto chefes de equipe como Guenther Steiner e Mike Krack estavam na executiva, teve piloto que teve de ir de econômica. Foi a minha surpresa quando vi Charles Leclerc e seu treinador sentados ao meu lado.

Notei que o vencedor da primeira corrida do ano ainda estava usando a fitinha do Senhor do Bonfim que sua assessora Mia Djacic, que é suíça mas tem parentes no Brasil, deu para ele antes do GP de São Paulo. Leclerc levou muito a sério a superstição e, espera a fitinha cair sem contar para absolutamente ninguém o que pediu. Vendo que a fita já parecia bem gasta, disse a Leclerc que, se ele pediu o campeonato, tem grandes chances de vê-la cair nos próximos meses, pelo estado que ficou em tão pouco tempo. "Não vou falar o que eu pedi? mas você acha mesmo que está quase caindo?", disse o monegasco, entregando um pouco o jogo.

Ele disse que não é muito supersticioso, mas não acha que o pedido ao Senhor do Bonfim pode atrapalhá-lo de qualquer maneira. Com a vitória de Max Verstappen em uma disputa bonita e apertada na Arábia Saudita, pelo menos os mais vaidosos na equipe de Leclerc, a Ferrari, respiraram aliviados: havia uma promessa dentro da equipe de raspar o cabelo caso o time conseguisse começar o campeonato com duas dobradinhas seguidas.