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Bastidores da Arábia Saudita: afinal, a F1 chegou perto de cancelar o GP?
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Que a Fórmula 1 se colocou em uma armadilha ao abraçar causas humanitárias e pautas igualitárias ao mesmo tempo em que viu aumentar a dependência do dinheiro de países como a Arábia Saudita, tanto por conta do GP, quanto pelo patrocínio da Aramco, o maior da categoria, isso não havia dúvidas mesmo antes do ataque a um depósito da petrolífera a 12km da pista na sexta-feira em Jeddah.
O que se viu nas horas seguintes foi o questionamento sobre a possibilidade de seguir adiante com o evento em segurança inflamado justamente por esta armadilha e com outro ingrediente como pano de fundo: os pilotos consideram a pista perigosa e, mesmo com as mudanças feitas neste ano, são unânimes em dizer que nada mudou. Desde o ano passado, a avaliação geral é de que só se corre em Jeddah, pista que seria provisória, mas que vai ficar por pelo menos mais três anos no calendário porque o projeto de Qiddiya está atrasado, justamente devido à posição em que a F1 se colocou.
Os chefes da F1 e das equipes ouviram das autoridades locais que não se pode cobrir o país inteiro com defesas antimísseis, então a opção é por cobrir áreas habitadas. E a área atingida pelo ataque dos Houthis, um grupo do Iêmen apoiado pelo Irã e considerado terrorista pelos sauditas, que estão em conflito com os vizinhos desde 2014, não estava coberta pela defesa por estar fora da cidade.
Isso, no entanto, não foi suficiente para todos. Os pilotos se reuniram com os representantes da F1, FIA, das equipes e da organização e depois ficaram sozinhos, por horas, discutindo quais seriam as alternativas. Enquanto isso, a F1 fazia consultas a agências militares independentes, cruzando as informações.
Mesmo dentro das equipes, houve questionamentos. Na sexta-feira, os membros da Williams fizeram uma reunião de praxe que não costuma ser muito longa mas, desta vez, quando a chefia perguntou se alguém tinha alguma dúvida, algumas mãos se levantaram. A equipe tem membros que serviram ao exército, e eles queriam saber detalhes do esquema de segurança que os sauditas tinham montado.
Houve algum barulho da internet sobre a visibilidade que impediria que o helicóptero levantasse voo, algo que impediria a corrida de seguir adiante. No entanto, embora as imagens vindas do depósito em chamas dessem a impressão de que uma enorme cortina de fumaça cobria a cidade, em momento algum isso chegou perto do circuito. Ao fundo, era possível ver parte do céu alaranjado na noite de sexta, mas não havia sequer cheiro de fumaça no paddock e o céu amanheceu azul no sábado, com uma fina cortina de fumaça que se percebia no horizonte. Neste sentido, os fortes ventos na região ajudaram a jogar a fumaça para longe da pista.
A prova chegou a correr risco de cancelamento?
É fato que uma das opções levantadas pelos pilotos foi o que aconteceria se eles decidissem não correr. O que ficou claro após a reunião é que, embora nem todos concordassem com esta atitude, a reunião se alongou justamente porque eles queriam tomar uma decisão unânime.
Dentro da discussão, foram levantados pontos como se seria possível deixar o país rapidamente, uma vez que não há muitos voos disponíveis, e o que isso significaria para os membros da equipe, que não teriam escolha a não ser ficar para desmontar todo o equipamento e também esperar pelos voos já marcados. Neste sentido, diferentemente do que foi publicado por meios que não estavam presentes em Jeddah, várias fontes confirmaram à coluna que não houve qualquer ameaça por parte dos sauditas.
Embora o governo seja autoritário e tenha cometido diversas atrocidades bastante documentadas, a Fórmula 1 faz parte de um investimento importante para eles para promover uma imagem diferente do país e atrair grandes eventos, uma vez que a Arábia Saudita projeta como será sua economia sem a dependência total do petróleo no futuro. Além do patrocínio da própria categoria, eles também têm relação com várias equipes e, inclusive, não descartam adquirir um time em um futuro próximo. A Liberty Media, inclusive, já teria sondado os sauditas para comprarem os direitos comerciais da categoria em si.
Voltando à reunião dos pilotos, houve, sim, um momento mais crítico, quando os chefes de equipe voltaram à sala e o tom da conversa ficou visivelmente mais ríspido. Foi neste momento que os próprios organizadores começaram a se preparar para o cenário de cancelamento justamente pela resistência dos pilotos. No entanto, como afirmou Otmar Szafnauer à coluna ainda na sexta-feira à noite, tudo foi resolvido quando "as informações chegaram de um lado ao outro". Se tais informações eram somente relacionadas à segurança ou também contextualizar a situação aos pilotos, os chefes não quiseram comentar e os pilotos deram poucos detalhes sobre a reunião, que durou até mais de 2h da manhã de sábado.
Há informações desencontradas a respeito de quais eram os mais preocupados, mas o que foi possível observar na reunião era Pierre Gasly e Lewis Hamilton falando bastante, e George Russell liderando o encontro pela posição de presidente da associação de pilotos, na ausência de Sebastian Vettel. O alemão, contudo, estava em contato com os pilotos por telefone.
O caso de Vettel já tinha gerado muita especulação, pois sabe-se que ele não está confortável com a parceria de sua equipe, a Aston Martin, com os sauditas da Aramco, e vinha evitando falar sobre o assunto. Vettel, de fato, testou positivo para covid antes de ficar fora do GP de abertura da temporada no Bahrein, mas a maneira como a equipe anunciou que ele não estaria na segunda etapa, sem citar o vírus, só alimentou a teoria de que ambas as partes decidiram que era melhor esperar até o GP da Austrália para que ele voltasse ao cockpit do carro já totalmente recuperado e em forma.
Leclerc de classe econômica
Os pilotos já sabiam bem da falta de voos para Jeddah na chegada. A dobradinha Bahrein- Arábia Saudita significou que muitos optaram pelo voo direto na quarta-feira, que tinha quase lotação máxima de membros da F1. Tanto, que enquanto chefes de equipe como Guenther Steiner e Mike Krack estavam na executiva, teve piloto que teve de ir de econômica. Foi a minha surpresa quando vi Charles Leclerc e seu treinador sentados ao meu lado.
Notei que o vencedor da primeira corrida do ano ainda estava usando a fitinha do Senhor do Bonfim que sua assessora Mia Djacic, que é suíça mas tem parentes no Brasil, deu para ele antes do GP de São Paulo. Leclerc levou muito a sério a superstição e, espera a fitinha cair sem contar para absolutamente ninguém o que pediu. Vendo que a fita já parecia bem gasta, disse a Leclerc que, se ele pediu o campeonato, tem grandes chances de vê-la cair nos próximos meses, pelo estado que ficou em tão pouco tempo. "Não vou falar o que eu pedi? mas você acha mesmo que está quase caindo?", disse o monegasco, entregando um pouco o jogo.
Ele disse que não é muito supersticioso, mas não acha que o pedido ao Senhor do Bonfim pode atrapalhá-lo de qualquer maneira. Com a vitória de Max Verstappen em uma disputa bonita e apertada na Arábia Saudita, pelo menos os mais vaidosos na equipe de Leclerc, a Ferrari, respiraram aliviados: havia uma promessa dentro da equipe de raspar o cabelo caso o time conseguisse começar o campeonato com duas dobradinhas seguidas.
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