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Como novato na F1 fez empréstimo para salvar carreira e parou nos tribunais

O holandês Nyck de Vries, que vai andar com o carro da Aston Martin na sexta-feira de Monza  - LAT Images
O holandês Nyck de Vries, que vai andar com o carro da Aston Martin na sexta-feira de Monza Imagem: LAT Images

Colunista do UOL

09/02/2023 04h00

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O caso de justiça em que o holandês Nyck de Vries se envolveu antes mesmo de sua estreia na Fórmula 1 como titular da AlphaTauri nesta temporada mostra bem a realidade dos jovens pilotos que buscam se firmar nas categorias de base para chegar ao topo do automobilismo. O piloto, que acabou conseguindo sua chance na F1 apenas aos 28 anos, teve de recorrer a um empréstimo e desistir de metade de tudo o que ganhou desde então para salvar sua carreira quando ainda estava na Fórmula 2.

De Vries ficou por anos no radar da Fórmula 1, sem conseguir uma chance como titular. Ele assinou com a McLaren ainda em 2010, quando estava no kart, para fazer parte do mesmo programa de desenvolvimento que revelou Lewis Hamilton, e chegou a ser piloto McLaren e piloto Audi ao mesmo tempo.

Enquanto isso, ia correndo por boas equipes e colecionando bons resultados nas categorias de base. Campeão da Fórmula Renault 2.0, terceiro na 3.5 no ano seguinte, sexto como estreante na GP3 (hoje F3), De Vries chegou na F2 em 2017 e se dividiu entre duas equipes menores. Para conseguir lutar pelo título, ele teria de correr por um dos times com maior estrutura e, como de praxe no automobilismo, isso significaria trazer uma maior quantidade em dinheiro.

Para De Vries, isso significava levantar 500 mil euros (quase 2.8 milhões de reais) para ter uma vaga na Prema.

História de De Vries mostra realidade da base da Fórmula 1

Esse tipo de negociação é normal. Tanto para vagas nas equipes, como por um lugar nas academias de jovens pilotos de F1. E é por isso que fica sempre difícil tentar separar aqueles que são pilotos "por mérito" e "pagantes". Todos são avaliados como um pacote, juntando o que trazem em termos de desempenho e em termos de patrocínio. E, do lado do piloto, ele sabe que uma vaga numa equipe maior vai custar mais caro, mas aumenta a chance de ele ter bons resultados e atrair patrocinadores melhores.

De Vries sabia que sua carreira corria risco se ele ficasse um segundo ano no meio do pelotão da F2, e decidiu tomar um empréstimo com um milionário do ramo imobiliário holandês, Jeroen Schothorst.

A empresa de Schothorst, Investrand, lhe deu 250 mil euros para que ele conseguisse a vaga da Prema. O mais interessante eram as condições do empréstimo: os juros seriam de 3% ao ano, o que não parece muito olhando a taxa básica de juros no Brasil, mas é uma quantia considerável na Europa, De Vries teria de dar automaticamente metade do que ganhasse em atividades relacionadas à F1 mas, se não conseguisse uma vaga como titular até o final de 2022, não teria de pagar Schothorst de volta.

De Vries foi quarto colocado na F2 em 2018, mudou para a ART e foi finalmente campeão em 2019. Mas o holandês não encontrou vaga de titular na F1 e assinou com a Mercedes para ser reserva.

Essa conexão manteve o piloto no radar da F1, permitiu que ele fizesse alguns testes e se tornasse uma opção interessante quando a categoria passou a adotar a obrigatoriedade de testes para jovens ao longo da temporada. Desde o ano passado, todos os pilotos têm de ceder seu carro pelo menos por uma sessão de treinos livres. E De Vries andou pela Mercedes e por duas de suas clientes, Williams e Aston Martin.

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Depois de ser campeão na F2, De Vries foi campeão da Fórmula E pela Mercedes
Imagem: Sam Bagnall/Fórmula E

GP da Itália mudou trajetória de De Vries. E o levou aos tribunais

Mas foi após a sólida performance do GP da Itália, quando o holandês foi chamado às pressas já no sábado para substituir Alex Albon, que sofreu uma apendicite, que fez com que ele se tornasse o queridinho do mercado de pilotos. De Vries pontuou com a equipe que foi a última no campeonato e logo depois fechou com a AlphaTauri.

Foi esta corrida com a Williams que fez Schothorst entrar na Justiça. Para ele, isso significava que De Vries tinha conseguido sua vaga antes do final de 2022 e, assim sendo, teria de pagar os 250 mil euros corrigidos pelos 3% ao ano. Além disso, o milionário dizia que o piloto tinha escondido informações sobre suas negociações.

A Justiça holandesa decidiu que De Vries não só não tinha feito nada de errado, como também fez todos os pagamentos da maneira como o contrato foi acordado. Até o final de 2021, ele pagou pouco menos de 115 mil euros (638 mil reais) para Schothorst, e pagou em duas parcelas outros 75 mil euros (416 mil reais) ano passado. Essa quantia era referente à metade dos 150 mil euros (832 mil reais) que ele recebeu como piloto reserva da Mercedes em 2022.

Sobre a titularidade na F1, ficou decidido que o GP da Itália não poderia ser considerado, e que ele só conseguiu a vaga em 2023, mesmo com a assinatura do acordo sendo feita no ano anterior.

Agora, De Vries pode finalmente focar em sua estreia como titular na F1 pela AlphaTauri. O holandês já testou com um carro de 2021 em janeiro em Imola, e estará em Nova York para o lançamento da pintura do carro novo neste sábado. A equipe ainda deve fazer outro teste, já com o carro de 2023, antes da pré-temporada, que terá apenas três dias neste ano. O GP do Bahrein, que abre o campeonato, será disputado dia 5 de março.