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Não dá para ver Stroll com os mesmos olhos após a luta para voltar ao grid

O canadense Lance Stroll na chegada ao circuito do Bahrein nesta quinta-feira - Aston Martin
O canadense Lance Stroll na chegada ao circuito do Bahrein nesta quinta-feira Imagem: Aston Martin

Colunista do UOL

10/03/2023 04h00

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É justo dizer que Lance Stroll mudou a percepção que o paddock da F1 tinha dele com a determinação que mostrou para estar na primeira etapa da temporada, no último final de semana, no Bahrein, duas semanas depois de sofrer fraturas nos punhos e no hálux (popular dedão do pé). E logo em um momento importante em sua carreira na Fórmula 1, quando tudo indica que terá um carro que pode brigar por pódios, pelo menos, em algumas pistas.

Enquanto víamos os sinais claros de que Stroll não estava confortável ao longo do final de semana, precisando inclusive da ajuda de mecânicos para sair do carro, comprovando seu esforço para correr, fui perguntando a diversas pessoas no paddock qual seria a motivação dele. A resposta era, invariavelmente, a mesma: "deve ser o pai que está obrigando-o".

Depois de saber toda a história, que Stroll contou apenas depois de conquistar o sexto lugar na prova e ser importante para a estratégia do companheiro Fernando Alonso, que foi terceiro, é difícil sustentar isso.

Stroll teve um acidente de bicicleta no dia 18 de fevereiro, exatos 15 dias antes do GP do Bahrein. No punho direito, uma fratura e deslocamento, que tiveram de ser corrigidos com uma cirurgia e a colocação de dois pinos. No punho esquerdo, outra fratura, e uma fratura parcial na mão. No pé direito, mais uma fratura, no hálux.

O primeiro diagnóstico foi de que Lance perderia as duas primeiras corridas. A cirurgia aconteceu na segunda-feira, 48h após o acidente. O Dr. Javier Mir, conhecido no mundo da MotoGP, fez o procedimento e tinha um prognóstico mais positivo: ele poderia estar de volta na segunda corrida e, se trabalhasse duro, tinha uma pequena chance de correr no Bahrein. Era dessa esperança que o canadense precisava para se aplicar na recuperação.

"O progresso inicial foi pequeno, precisava de ajuda até para fazer coisas simples em casa. Mas estava melhorando dia a dia e, quando tirei a imobilização no dia 4, passou a haver uma chance de correr no Bahrein."

Mas foi só durante a semana do GP que Stroll disse que realmente se viu correndo na etapa de abertura. Quando testou no simulador da Aston Martin em Silverstone na quarta-feira e logo viajou ao Bahrein. Quinta-feira de manhã estava na pista passando pela avaliação médica e pelo difícil teste de sair do carro em menos de 5s, pelo qual todos têm de passar no início da temporada.

Aprovado, foi para a pista na sexta-feira, tentando aprender sobre o carro que nunca tinha pilotado ao mesmo tempo em que preservava o punho. Foi ganhando confiança e colocou o carro no Q3 na classificação, contrariando, também, as previsões. E repetiu o feito na corrida.

Não que tenha sido fácil. Ele foi otimista na freada na primeira volta, quase tirou o companheiro Alonso da prova, e sentiu no punho o impacto do toque. "Ele queimava, eu meio que deixei uma lágrima cair, mas segui em frente".

Mas de onde vem toda essa desconfiança a respeito da motivação de Stroll? Seria preconceito com a força de vontade de um filho de bilionário? Não é isso. Lance não demonstra emoção nenhuma, e por isso passa por desinteressado. Lembro da primeira vez que ele pontuou, no GP do Canadá de 2017. Fiz uma pergunta e ele respondeu com um grunhido. A assessora de imprensa que seu pai Lawrence Stroll tinha contratado justamente para lhe ajudar na comunicação, a experiente Ann Bradshaw, deu um chacoalhão nele. "Vamos lá, Lance, finalmente uma pergunta positiva. Dá para responder?"

Ele não mudou muito de lá para cá. E olha que subiu ao pódio três vezes sem ter carro vencedor nas mãos, já mostrou que não é um "zero à esquerda". E o contraste com o pai, que tem uma presença muito mais intensa e está sempre exigindo o melhor de todos ao seu redor, ainda ajuda na impressão de que quem quer muito vencer na F1 não é exatamente Lance.

Mas Lawrence também protege muito o filho. Pouca gente sabe, mas ele costuma estar bastante atento a questões de segurança e chama atenção para isso nas reuniões entre os poderosos da F1. E não forçaria Lance a fazer algo que não fosse seguro.

Foi Lance quem quis correr no Bahrein, focou no objetivo e conquistou. Talvez tenhamos aprendido que o ar desinteressado é só um jeito de se blindar.