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Bastidores do GP: Las Vegas não desapontou, mas também expôs feridas da F1

A Fórmula 1 bem que tentou de tudo para manter o nível de empolgação com a estreia do único GP da temporada que ela mesma promove, nas ruas de Las Vegas, mas, embora a corrida tenha sido movimentada e recuperou um fim de semana que parecia fadado ao fracasso após o primeiro dia de atividades de pista, uma série de fatores só contribuíram para escancarar o que não vai tão bem na categoria.

O paddock era um mar de gente muito cansada no meio de convidados que não sabiam muito bem do que se tratava tudo aquilo, enquanto especialmente quem esteve nas arquibancadas na quinta-feira saiu desapontado com o investimento alto.

A ideia de correr na rua principal de Las Vegas é ousada e pode muito bem ser um sucesso nos próximos anos. Mas foram alguns pontos na execução dessa ideia que contribuíram para a maré negativa que acabou vindo junto com a prova.

A festa de abertura até que foi bem recebida, foi muito bem produzida, sem grandes exageros. Mas mostrou como é difícil para a F1 dizer a cara que quer vender. Rap, rock antigo e novo, country, música eletrônica, pop. Tinha um pouco de tudo, e dava para notar a arquibancada só se enchendo na parte final. O motivo? Ingressos não tinham sido vendidos e estavam sendo distribuídos às pressas.

Festa de abertura da F1 em Las Vegas teve público modesto
Festa de abertura da F1 em Las Vegas teve público modesto Imagem: Julianne Cerasoli/UOL Esporte

Aí começam as questões de execução. Las Vegas foi vendida como um evento premium, com a média de preços mais alta da temporada. Os valores foram superestimados, muita coisa (incluindo hotéis) tiveram descontos de 50, 60% perto da data da prova em sites de revenda, e muito fã de F1 ficou de fora da festa. Havia pelo menos uma área VIP, dentro do pitlane, que estava às moscas minutos antes do início da classificação. Só no domingo foi diferente e, ainda que a lotação não tenha sido máxima, o saldo final foi de 315 mil torcedores.

Outros que juntaram as economias para ir foram tratados com desdém até mesmo por Toto Wolff, que se mostrou mais interessado nos números de audiência da primeira sessão de treinos livres na Europa do que nas pessoas que viram oito minutos de ação na pista após um bueiro quebrar, avariando três carros, e as pessoas foram convidadas a se retirarem (com vídeos e relatos de execução mais bruta dessa retirada), e ganharam um voucher para gastar na loja do evento. Isso, se tinham ingresso apenas para a quinta-feira. Quem tinha a entrada mais cara para os três dias ficou de fora.

Não surpreendentemente, 35 mil pessoas entraram em uma ação conjunta para ter algum tipo de ressarcimento. Enquanto a Ferrari contabilizou 1.5 milhão de dólares de danos descontando a unidade de potência, a Alpine teve 900 mil e a Alfa Romeo, 150 mil. Isso sem contar na história contada por Max Verstappen de que Carlos Sainz ficou alguns segundos sem sentir as pernas.

Investimento da própria F1 é alto

Os preços têm uma justificativa, que começa a explicar a fonte de alguns problemas. É difícil quantificar os gastos que a Liberty Media teve com essa corrida. O contrato da detentora dos direitos comerciais da F1 com a cidade de Las Vegas é de 10 anos a um custo inicial que seria 250 milhões de dólares (a Liberty confirma a cifra de "centenas de milhões de dólares" pela taxa de eventos paga à cidade). A Liberty comprou um terreno de 230 milhões para fazer o paddock, que custou mais de 250 milhões, e servirá para ativações da categoria entre uma corrida e outra, ou seja, vai continuar gerando receita.

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É claro que eles não tinham a meta de recuperar esse dinheiro em um ano. É um projeto de longo prazo. E o plano, segundo a CEO do GP de Las Vegas, Renee Wilm, é que a taxa paga à cidade seja eliminada, com a comprovação de que a F1 traz muito dinheiro a Las Vegas, como ocorre com outros eventos esportivos realizados por lá. A expectativa da F1 era de gerar 1.2 bilhão de dólares para a cidade no primeiro ano. Mas também é fato que as reclamações dos locais após um ano de transtornos para o trânsito nas principais vias seja um empecilho para isso ocorrer de imediato.

Cinco semanas com fusos diferentes e viagens longas

Há outros fatores complicadores. A prova tem que acontecer sempre no final de semana anterior ao feriado de Ação de Graças, o que é difícil de ser encaixado de maneira sustentável no calendário. Isso para o meio ambiente, dentro da meta de neutralização de carbono da categoria até 2030, e também para quem trabalha na F1.

As equipes voltaram para a Europa depois do GP de São Paulo, que foi o terceiro seguido, após as corridas de Austin, nos Estados Unidos, e do México. Há questões trabalhistas envolvidas, trabalho a ser feito na fábrica para a preparação das duas últimas corridas, e ninguém quer ficar tanto tempo longe das famílias depois de uma temporada tão longa.

Mas isso significou também mudar novamente de fuso horário. E depois fazer uma viagem longa para Las Vegas, inverter o fuso em 8 ou 9 horas, dependendo de onde é a sede da equipe na Europa, e ainda trabalhar do final da tarde até 4h da manhã. Tudo isso para sair no domingo de Las Vegas e ter de estar na quarta-feira em Abu Dhabi, com mais voos longos e 12h de diferença de fuso horário.

O quanto a F1 pode ser um show?

E ainda há a questão do espetáculo, duramente criticada por Max Verstappen. As pessoas até foram a Las Vegas, os cassinos faturaram alto. Mas nem todos compraram os ingressos (até pelo custo benefício duvidoso devido aos preços praticados). Primeiro, porque eles estavam muito mais caros do que em qualquer outro lugar. E também porque o evento foi forjado como se a ação de pista fosse o de menos.

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Tudo bem ter eventos que são mais voltados à experiência global, ter pistas de rua para facilitar o acesso de fãs que não se animariam tanto com GPs em pistas mais isoladas como Spa-Francorchamps ou o Red Bull Ring. Se o campeonato for tão longo quanto 24 corridas, ele tem de ser variado e atender a vários públicos.

A questão é que a ação de pista não pode desapontar. No final das contas, você paga caro para ver F1. Nesse quesito, a F1 acabou dando sorte, pois nessa época em que Las Vegas tem calendário para receber a F1 faz frio, e isso trouxe uma dificuldade a mais para os pilotos. O traçado em si não é dos mais desafiadores. É uma questão de prioridades que a categoria, que acabou assistindo a mais uma vitória de Max Verstappen, precisa rever.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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