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Gil de Ferran deixou rastro de competência e generosidade por onde passou

Não é à toa que o mundo do automobilismo recebeu com muita consternação a notícia da morte repentina do ex-piloto e hoje conselheiro da McLaren, Gil de Ferran. O brasileiro de 56 anos deixou sua marca de generosidade e competência tanto no automobilismo norte-americano, com a conquista de dois títulos da CART e a vitória nas 500 Milhas de Indianápolis, quanto no europeu, com uma carreira vitoriosa na base nos anos 1990 e passagens como dirigente na Fórmula 1.

Eu o conheci em 2018, quando ele foi trazido por Zak Brown à McLaren como um diretor técnico com um olho na Fórmula 1, e outro na construção de uma equipe da própria McLaren na Indy.

Aquele era um momento muito delicado para a equipe nas pistas, e uma das funções de Gil foi servir como uma espécie de tutor para Fernando Alonso, que na época tinha o projeto de vencer as 500 Milhas de Indianápolis. Lembro que o espanhol não conhecia muito bem Gil na primeira vez que lhe foi perguntado sobre seu papel. Pouco tempo depois, ele era só elogios ao brasileiro, mesmo não tendo se classificado para a prova.

Fernando Alonso e Gil de Ferran durante as 500 milhas de Indianapolis em 2017
Fernando Alonso e Gil de Ferran durante as 500 milhas de Indianapolis em 2017 Imagem: James Black/Icon Sportswire via Getty Images

E isso foi algo que Gil viveu algumas vezes. Foram vários os pilotos, principalmente os brasileiros que correram na Indy depois dele, que o citavam como um grande mentor.

E não era preciso passar muito tempo com ele para entender o porquê. Gil era mais de ouvir do que de falar. Não gostava muito de aparecer, de ficar dando entrevistas, mas estava sempre disposto a conversar, explicar o que estava acontecendo dentro da equipe McLaren, de ajudar.

Um exemplo da preferência de não fazer muito alarde é o fato de Gil de Ferran ter sido um dos idealizadores, ao lado de Alejandro Agag, da categoria Extreme E, que leva SUVs elétricas para correr em lugares em que é possível ver sinais claros de problemas ambientais causados pela ação do homem. A ideia surgiu de uma conversa entre os dois e se tornou uma categoria que atraiu inclusive equipes com investimento de Lewis Hamilton e Nico Rosberg.

Nessa volta de Gil aos paddocks da F1 neste ano, agora como consultor da McLaren, depois de assistir o início do programa da equipe na Indy, ele parecia estar bastante contente com o caminho da equipe, rasgando elogios principalmente ao chefe da equipe, Andrea Stella. E estava orgulhoso das conquistas da filha Anna, que se apresentou como DJ no grid de algumas corridas neste ano.

Gil estava correndo com o filho Luke na Flórida quando se sentiu mal, parou o carro, e aparentemente teve um infarto fulminante. Ele tinha completado 56 anos no final de novembro, e deixa dois filhos e a esposa Angela.

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Ele nasceu em Paris, na França, país de seu pai, mas foi para o Brasil aos 4 anos com a família. Luc de Ferran seria um dos grandes engenheiros da indústria automotiva do Brasil, e abriu as portas para que seu filho entrasse no automobilismo.

Foi campeão brasileiro de Fórmula Ford em 1987 e só então largou o curso de engenharia mecânica para buscar a carreira de piloto na Europa. Com a conquista do campeonato da F3 Inglesa de 1992, teve a chance de fazer um teste com a Williams com a qual Nigel Mansell foi campeão na F1 naquele ano, e foi inclusive mais rápido que Alain Prost, que usava o carro de 1993, com o qual também foi campeão.

De Ferran foi para a F3000, equivalente à F2 hoje, e ainda conseguiu outro teste com uma equipe de F1, que foi desastroso. Desconfortável no carro e cheio de câimbras, ele pediu para sair do cockpit e acabou batendo a cabeça e sofrendo um corte que acabou com seu teste.

O alto investimento pedido pelas equipes de F1 por uma vaga acabou fazendo com que Gil cruzasse o Atlântico e fosse correr na CART, na época da cisão da Indycar em duas categorias. Foi vice com a Walker em 1997 e depois bicampeão com a Penske em 2000 e 2001. O time americano foi para a IRL, que tinha no calendário as 500 Milhas, no ano seguinte, e Gil de Ferran venceu a prova em 2003 e foi vice-campeão da categoria naquele ano.

Em 2005, ele cruzou o Atlântico mais uma vez, para ser diretor esportivo da equipe BAR Honda, inclusive sendo importante para a contratação de Rubens Barrichello pelo time. Depois voltou para os EUA, teve sua própria equipe na ALMS e na Indy. Juntando a experiência como piloto, o conhecimento técnico que sempre teve muito pela influência do pai, e os anos em que foi gestor e investidor, Gil de Ferran foi um dos brasileiros com atuação mais ampla no automobilismo mundial.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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