Pole Position

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Reportagem

Ela é responsável pelas largadas da F1 e quer testar o reflexo dos pilotos

A corrida está perto de começar, com engenheiros plugando seus computadores diretamente aos carros conferindo os últimos parâmetros, mecânicos se certificando que a temperatura de tudo está correta, pilotos conversando com seus engenheiros de pista para acertar os últimos detalhes, chefes testando os rádios e um gigantesco sistema tecnológico que transfere dados da pista para a fábrica, onde há mais algumas dezenas de pessoas processando tudo para que as decisões sejam as mais precisas possíveis.

Subo uma escadinha, perto do alambrado que divide a pista e os boxes, até uma pequena torre, em que parece que estou nos anos 1990. Ou antes até. O painel parece vindo de um filme de Guerra nas Estrelas, o monitor só tem informações bem simples e sem o capricho do que é visto na transmissão. E Rebecca Lee está no controle de tudo pois, em alguns minutos, ela vai dar a largada para o GP.

Equipamentos usados para o procedimento de largada na Fórmula 1
Equipamentos usados para o procedimento de largada na Fórmula 1 Imagem: Julianne Cerasoli/UOL Esporte

"A gente não precisa mais do que isso. Se dá certo há tantos anos, por que mudar? Tenho tudo o que preciso aqui", diz a britânica, que começou dando as largadas para as corridas das categorias de base da Fórmula 1 em 2022 ao mesmo tempo em que se tornou uma espécie de assistente de Christian Bryll, que passou a ser o responsável pelas largadas da F1 em 2019, após a morte repentina do lendário diretor de provas da F1, Charlie Whiting, que acumulava várias funções, incluindo dar as largadas. Quando Christian deixou a FIA, em setembro do ano passado, ela assumiu seu posto.

A função existe uma frieza que Rebecca demonstra de sobra, e ela acredita que é por isso que tudo aconteceu tão rápido. "Adoro situações de estresse porque minhas performances são melhores", diz ela já longe do ?posto de controle?, em entrevista exclusiva ao UOL Esporte. "É uma posição em que o diretor de prova tem que confiar muito em você, então tive que trabalhar minha relação com eles."

Nós estamos no circuito de Imola, em que o tal "cubículo" é parcialmente aberto e você sente no peito a passagem dos carros especialmente quando eles fecham a primeira volta da corrida. "Mas esse aqui não é ruim, só não fica em um ângulo muito bom para ver todos os carros e não dá para ver a primeira curva. Em Silverstone, você fica bem alto e é muito exposto aos elementos. Aí já não é tão tranquilo", ela me avisa.

Largada da F1 é mais humana do que você imagina

Visão do posto em que é dada a largada para a F1 e categorias de base
Visão do posto em que é dada a largada para a F1 e categorias de base Imagem: Julianne Cerasoli/UOL Esporte

Todo o procedimento de largada é muito mais humano do que é de se imaginar. Com meia hora para o início da corrida, os carros não podem mais estar no pitlane e têm de alinhar no grid. E Lee inicia o sistema para que as equipes recebam alertas sonoros e visuais contando o tempo até o início do evento. Com cinco minutos para o início da volta de apresentação, apenas membros das equipes podem estar juntos aos carros, e eles têm de sair até 15 segundos antes.

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Rebecca dá o sinal para a volta de apresentação e espera os carros voltarem. Ali, a atenção é máxima. Os carros voltam a alinhar no grid e ela observa os sinais luminosos que os fiscais de pista acionam ao lado de cada carro.

"Eles também servem para que o piloto de trás veja se está tudo bem, porque se houver algum problema no grid a luz individual daquele piloto vai ficar piscando. Então, se um carro morrer no grid, esse sistema vai atuando em cascata da posição dele para trás para avisar os pilotos."

Um motor morrer é a grande fonte de preocupação de Rebecca nesse instante, já que alguém não conseguir largar gera um risco enorme de colisão. Mesmo que, hoje em dia, até os carros da F2 tenham um sistema que evita que o carro fique sem potência por muito tempo.

Com todos os sinais dos fiscais de pista confirmando que não há problemas no grid, mais uma ação humana: um fiscal de pista vai passar no fim do grid com uma bandeira verde, o que é o último sinal para que Rebecca inicie a sequência de luzes vermelhas, que é automática.

Aí vem a parte mais divertida para ela, que tem de apertar novamente o botão para que a última luz vermelha se apague, o que é o sinal para os pilotos de que eles podem largar.

"Preciso observar o grid e ter certeza de que não há nenhum problema, não consigo ver nenhum piloto tentando sinalizar para chamar a atenção, e então desligo as luzes. Mas você precisa dar uma variada, não pode deixá-los muito confortáveis estados."

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Largada da F1 já foi mais tecnológica

Não foi sempre assim e é interessante pensar como a F1 hoje tem aspectos mais humanos do que há pouco mais de 20 anos. Todo esse sistema de largada era computadorizado, assim como os sistemas de largada dos carros. O piloto só tinha que apertar um botão. Não demorou para as equipes conseguirem sincronizar seus sistemas e tornar as largadas perfeitas.

A partir dessa suspeita, esse sistema voltou a ser controlado por uma pessoa e, anos depois, foram sendo feitas uma série de mudanças para que o piloto tivesse uma participação muito maior em todo o processo.

Hoje, é inclusive proibido que o engenheiro instrua o piloto sobre a configuração que ele deve usar para a largada entre o início da volta de apresentação e a largada em si. Se ele sentiu que seu ensaio não foi bom, tem de encontrar sozinho uma solução, com os vários botões que tem à disposição no volante.

Da logística para ser uma mulher em posto de visibilidade na FIA

Rebecca Lee se prepara para iniciar o procedimento de largada na F1 em Imola
Rebecca Lee se prepara para iniciar o procedimento de largada na F1 em Imola Imagem: Julianne Cerasoli/UOL Esporte
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Rebecca Lee já trabalhava na Fórmula 1 antes de entrar na Federação Internacional de Automobilismo. "Nunca pensei que ia acabar nessa área, nunca tive interesse em automobilismo", diz Rebecca, que vem dos arredores de Newcastle, no norte da Inglaterra. Foi um emprego em uma empresa de logística e conformidade legal que ela começou a atender clientes na F1, incluindo equipes e a própria FIA.

Com isso, ela passou a ir a algumas corridas, estabeleceu contatos e percebeu que esse era exatamente o ambiente que buscava. "Você está sempre na correria, conhecendo novas pessoas, enfrentando novos desafios, cada hora faz algo diferente. Percebi que combinava com a minha personalidade."

Quando apareceu a vaga na FIA, ela se inscreveu e em pouco tempo conquistou seu espaço. E hoje é mais um exemplo de uma mudança pela qual a F1 vem passando nos últimos anos. Se, na última década, a presença feminina era mais representada pelas modelos que seguravam placas com os números dos pilotos e suas bandeiras, agora o cenário é bem diferente. A transmissão vai buscar imagens de mecânicas, engenheiras e, por que não, profissionais que trabalham para a federação, entendendo o aspecto positivo disso para uma audiência que cresceu muito nos últimos anos justamente pelo apelo maior junto ao público feminino e jovem.

Mas, ainda assim, trabalhar na F1 significa lidar com um mundo dominado por homens, algo que não incomoda Rebecca. "Sempre trabalhei em ambientes masculinos. Meu primeiro emprego foi administrar motoristas em um escritório de transporte, então me acostumei a ser a única mulher em várias situações. Sou muito grata a como eles me ajudaram a crescer como pessoa e, na F1, essa também é minha experiência."

Rebecca Lee terá bastante ação nas próximas semanas, já que a Fórmula 1 inicia neste domingo uma sequência de três corridas em finais de semanas seguidos. Além disso, ela dará as largadas para as corridas da F2 e da F3, que também terão etapas a Espanha, Áustria e Inglaterra.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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