O Brasil não tem pior seleção da história, mas seu pior nível de cidadania
O Brasil perdeu três vezes em sequência pela terceira vez em sua história.
As séries anteriores aconteceram em 1920, dois anos antes de ser campeão sul-americano.
E em 1989, cinco antes de ganhar o tetra mundial.
Sinais de que três derrotas consecutivas não representam o fim dos tempos. Podem significar o reinício.
Muito pior é notar a sequência de vexames silenciosos.
Em julho, a Polícia Militar de São Paulo errou estratégia de chegada e saída das torcidas no Allianz Parque, o que permitiu uma guerra de garrafas entre uniformizadas. Um estilhaço levou a estudante Gabriela Anelli, de 23 anos, à morte.
No mesmo mês, a PM do governador Tarcísio de Freitas produziu o episódio conhecido como Chacina do Guarujá. Em outubro, um disparo de bala de borracha da Polícia Militar matou o são-paulino Rafael dos Santos Tercilio Garcia, durante a festa de comemoração do título da Copa do Brasil. Não havia conflito de torcedores, apenas festividades.
No Rio de Janeiro, a guerra tráfico-milícia, reiniciada pela tomada da Gardênia Azul pela Cidade de Deus, em janeiro, é parte do cardápio dos homicídios de três médicos na Barra da Tijuca, por engano dos bandidos que os confundiram com milicianos.
Em novembro, a Polícia Militar fracassou na missão de evitar brigas entre torcedores do Boca Juniors e do Fluminense e foi acusada, pela imprensa de Buenos Aires, de agredir argentinos indistintamente na praia de Copacabana.
Muito parecido com o que aconteceu no Maracanã.
Há acusações de racismo contra policiais. Em vez de voz de prisão, cassetetes. No intervalo entre os dois episódios, uma fã morreu de parada cardiorrespiratória no estádio Nilton Santos, durante o show da cantora Taylor Swift, onde era proibido entrar com garrafas de água.
A seleção brasileira não é a pior da história, embora seja muito mais fácil gritar que sim do que se lembrar de outros momentos ruins.
O Brasil vive um de seus piores momentos em termos de cidadania. Do Ministério Público, que solicita a emissão de ingressos em papel e forma filas desumanas e inexplicáveis, ao taxista que se recusa a levar passageiros ligando o taxímetro e cobra mais de R$ 200, para sair do Maracanã à rodoviária — trajeto de R$ 40, no máximo.
O mesmo aconteceu no Morumbi depois de São Paulo 1 x 1 Flamengo, final da Copa do Brasil.
A crise da seleção é muito mais simples e fácil de solucionar. Baseia-se em três razões fundamentais: 1. o desleixo da CBF, que permitiu dois técnicos interinos em um ano; 2. a renovação apressada que obriga ter lideranças na faixa de 22 anos, como Rodrygo, Martinelli, André e Vinicius Júnior; 3. a dificuldade de adaptação ao sistema de Fernando Diniz.
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Quero receberEntre 1987 e 1989, o Brasil levou 4 x 0 do Chile e da Dinamarca. O time no fiasco de Copenhague tinha Acácio, Paulo Roberto, André Cruz, Ricardo Gomes e Branco; Bernardo, Cristóvão, Geovane e Valdo; Gérson e Bismarck. Na mesma série da derrota para os dinamarqueses, o Brasil levou 2 x 1 da Suécia e 1 x 0 da Turquia, que não jogava Copa do Mundo desde 1954.
A seleção tem jogadores jovens e talentosos, precisa de um trabalho sólido e contínuo, para sair de sua crise.
Nosso maior vexame, infelizmente, não é o da seleção brasileira.
É o do dia a dia.
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