Brasil está jogando no lixo quatro anos de divulgação internacional
Tenho um primo chamado Jorge.
Vive em Sintra, pertinho de Lisboa, é português, jogou basquete pelo Benfica.
Estive em sua casa em agosto. Enquanto assistíamos à semifinal da Copa do Mundo feminina, Austrália 1 x 3 Inglaterra, Jorge comentava como mudou sua rotina sobre assistir futebol em Portugal. Não apenas das mulheres, mas do Brasil.
"Há três anos, eu não sabia nem sequer os nomes das equipas. Hoje, conheço todos os jogadores do Botafogo", disse, na época em que o time de John Textor liderava o Brasileirão.
Ainda que muitos jornalistas no Brasil não percebam, a visibilidade do futebol de clubes daqui melhorou muito desde a assinatura do contrato para vendas dos direitos internacionais, durante a pandemia. O Brasileirão ainda passa como complemento de programação em países da elite dos clubes, como Inglaterra, Itália e Espanha. Mas é transmitido ao vivo em Portugal e alcançou mais de 100 países.
A 24 dias do início do Brasileirão, contrato encerrado com Zeus e 1190, empresas que negociaram esses direitos nos últimos quatro anos, há relatos de executivos de televisão do exterior querendo comprar o Brasileirão e sem ter com quem negociar.
Uma parte do problema é a divisão das ligas. Outra é a miopia.
Dirigentes de clubes argumentam que será pouco dinheiro se for efetivada a proposta de US$ 8,5 milhões feita pela 1190 em conjunto com a Zeus, para venda dos direitos de TV e de apostas.
É pouco dinheiro, mas e daí? Alguém se lembra como a Premier League começou a entrar no mercado sul-americano?
Os direitos de TV de Manchester United, Arsenal, Chelsea, Tottenham eram quase dados de graça. No início da década de 2000, ninguém sabia que o Liverpool tinha 18 títulos, que o Manchester United era Red Devils, que o Chelsea era da zona oeste de Londres, Arsenal e Tottenham tinha rivalidade por estarem no norte da capital inglesa, que os irmãos Gallagher brigavam entre si, mas se juntavam na torcida pelo Manchester City. A cultura se fez numa primeira temporada transmitida quase secretamente pela Band, em 1991/92.
E, sobretudo, depois de 2003. Um dia, José Trajano entrou na redação da ESPN ordenando: "PVC, descobre quantos jogos de Campeonato Inglês passam na Argentina." Com a informação apurada, entrou na sala de seu diretor e mandou comprar os direitos da Premier League, que chegavam quase de graça.
Tive o orgulho de comentar Campeonato Inglês, na ESPN e Fox Sports, entre 2003 e 2016. De espalhar um pouco dessa cultura, as histórias, a rivalidade, os ídolos. Hoje, ninguém vive sem a Premier League em nenhum lugar do mundo.
Custa caro. Atualmente custa caro.
Há vinte anos, era baratinho e formou a cultura de uma geração.
Meu primo Jorge, português, benfiquista, aprendeu um pouco da história do futebol do Brasil, que ele desconhecia, apesar de ter tido parentes aqui por toda a sua vida. Agora, os clubes brasileiros querem simplesmente jogar no lixo esse embrião de trabalho de divulgação.
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