Parabéns, Fernanda Torres! E ao Brasil que jogava bola na Favela do Pinto
O Globo de Ouro é de Fernanda Torres! Parabéns a ela! É só dela!
Extensivamente, os parabéns vão a Marcelo Rubens Paiva, autor do livro "Ainda Estou Aqui", muito a Walter Salles, que levou com brilho a história ao cinema, a Selton Mello, a Dan Stulbach, a Valentina Herszage, a Verinha, tão carioca da decada de 1960. Fernanda Torres já contou ter sido um pouco Verinha, pelas décadas de 1970 e 1980.
Sua mãe, Fernanda Montenegro, talvez tivesse tanto medo de uma abordagem policial no túnel Rebouças, como Eunice tinha na época da abordagem a Verinha, mostrada no início do filme.
É incrível que tanta gente não saiba quem foi Rubens Paiva e sua luta pela Democracia desde o primeiro dia, o 1o de abril de 1964, quando manifestou-se em Brasília contra o golpe militar e, por isso, foi mandado ao exilio na Iugoslávia e França.
Uma passagem do livro "Ainda Estou Aqui" mistura a tragédia da ditadura e dos desaparecidos, com uma realidade ainda presente no Brasil de hoje. Marcelo Rubens Paiva jogava bola com os meninos moradores da favela da Praia do Pinto. Num dia de 1969, os meninos apareceram em sua casa, no Leblon, sujos pela fumaça do incêndio que tomou toda a comunidade.
A Favela da Praia do Pinto existia onde hoje está o condomínio Selva de Pedra, no Leblon. Foi incendiada e, durante cinco dias de incêncio, os moradores reclamaram a ausência de socorro do Corpo de Bombeiros.
O incêndio pode ser sido proposital (pode?). A desocupação era parte do plano governamental de retirada da população de baixa renda da zona sul para as comunidades Cidade de Deus e Vila Kennedy, na zona oeste.
Aos 70 anos, conta Marcelo Rubens Paiva em seu livro "Ainda Estou Aqui", Eunice decidiu voltar a morar no Rio e no Leblon Comprou um apartamento no 17o andar, no condomínio Selva de Pedra, nomeado assim em referência à novela de Janete Clair, de 1972. Foi morar justamente onde viviam os meninos que jogavam bola, muitas vezes, com Marcelo Rubens Paiva.
O autor escreve: "Justamente no condomínio em que praticamente só morava milico, construídos sobre os escombros da favela do Pinto, incendiada em 1969. Imaginei encontrar majores e capitães na reserva pelos elevadores. Imaginei que se cumprimentariam com educação. Sim, foi o que aconteceu."
Eunice cumprimentava os militares, que compraram seus apartamentos no Selva de Pedra com parcelas de seus soldos, levemente descontadas em suaves e longas prestações. A comunidade virou condomínio e passou a ser ocupada por muitos militares, cumprimentados por Eunice com um sorriso educado de quem diz: "Ainda estou aqui!"
O plano de desocupação das comunidades da zona sul foi traçado ainda no governo Carlos Lacerda e executado a partir da gestão Negrão de Lima, eleito governador pelo PSD, em 1965. Um ano depois do golpe, o fato de Negrão de Lima ser apoiador de Juscelino Kubitschek irritou os militares que baixaram o Ato Institucional Número 2 (AI-2). O decreto acabou com o pluri partidarismo e com as eleições para cargos executivos, que só voltariam com o pleito para governador em 1982.
O Selva de Pedra está lá até hoje, bem atrás do Clube de Regatas do Flamengo, circundado pelas ruas Afrânio de Melo Franco, Fadel Fadel, Humberto de Campos e Gilberto Cardoso.
Fernanda Torres cresceu a algumas quadras dali, em Ipanema, onde hoje existe a praça Fernando Torres, homenagem a seu pai. Fernanda Montenegro, que interpretou a última fase da vida de Eunice Paiva, nasceu em 16 de outubro de 1929, três semanas antes de Eunice, dois meses mais cedo do que Rubens. Também brilhou em "Ainda estou aqui", não tanto quanto sua filha, só que dizendo tudo, sem dizer nem sequer uma palavra.
Como os meninos da favela do Pinto jamais puderam falar como se sentiram ao serem transferidos do Leblon, possivelmente para a Vila Kennedy.
Fernanda Torres, e seu Globo de Ouro, assim como Vinicius Júnior, e sua luta anti-racismo, representam o Brasil que sonha em ser de todos. Como sonhou na época da Bossa Nova, Cinema Novo e Brasil campeão do mundo.
Até o dia do discurso de Rubens Paiva. Palavras que ainda estão aqui.
Por um mês, o Brasil respira ares de renovação.
Fernanda Torres Globo de Ouro,
Vinicius Júnior, The Best, anti-racismo.
Feliz 2025!
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