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Rodrigo Coutinho

Diniz no São Paulo reforça a necessidade de tempo para trabalhar

Colunista do UOL

10/12/2020 13h43Atualizada em 10/12/2020 13h43

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Que Fernando Diniz preza a posse de bola e o ataque em suas equipes é de domínio público. Afinal de contas, desde o pequeno Audax, quando foi vice-campeão paulista, o treinador mostra de forma explícita os traços que pretende implementar nos times que comanda. No São Paulo, porém, depois de 14 meses de trabalho, os conceitos se desenvolveram de forma madura e norteiam o desenvolvimento tricolor em 2020.

Importante frisar também o encaixe entre as características dos jogadores e aquilo que Diniz pede ao responsável por cada função. Como citamos aqui mesmo no blog com Brenner, isso não é por acaso. O treinador tem méritos em saber escolher o atleta que mais se aproximará daquilo que quer, levando em consideração o momento técnico, e deixando de lado fatores externos.

Foto 1 - Heber Gomes/AGIF - Heber Gomes/AGIF
Brenner comemora com Fernando Diniz o gol marcado pelo São Paulo contra o Goiás
Imagem: Heber Gomes/AGIF

Pablo foi contratado por uma quantia considerável pelo São Paulo, mas hoje é reserva de uma dupla de ataque que até bem pouco tempo não era nada badalada. Arboleda, zagueiro de ofício e jogador da seleção equatoriana, ficou no banco para jogadores improvisados no setor e só retomou a vaga quando mostrou futebol pra isso. Hernanes e Tchê Tchê hoje não são titulares. Ou seja, joga quem estiver melhor e cumprirá a função, independente da hierarquia que representa.

Falar de tempo de trabalho para os treinadores é algo corriqueiro no Brasil. O amadorismo na gestão de futebol dos clubes é tamanho, que os cartolas não conseguem entender que um trabalho passa por processos de desenvolvimento e assimilação na relação entre treinador e atleta. Não dominam o cenário e tomam decisões precipitadas, alimentando a fome de boa parte da mídia, também incapaz de avaliar desempenho, e atendendo a demanda passional dos torcedores.

Estamos assistindo o amadurecimento desse processo no São Paulo, principalmente no âmbito ofensivo. Não há nenhuma novidade em cima do que Diniz tentou produzir no Audax, Fluminense ou Athlético Paranaense. As ideias são basicamente as mesmas, mas a execução ganhou potencial para dar ao São Paulo o heptacampeonato brasileiro.

Saída de Bola

O São Paulo tem duas formas estruturais de fazer a iniciação das suas jogadas. Em alguns momentos faz com três jogadores, com Luan entre os zagueiros. Em outros faz com quatro atletas. Com os dois volantes retornando na linha dos zagueiros, que abrem para os flancos. A proposta é sempre gerar superioridade numérica no primeiro momento de construção e qualificar o passe.

Os laterais então se projetam em amplitude e os meias retornam metros no campo para receber o passe curto. Luciano também volta e dá esse suporte. O que se precisa exaltar é a coragem para manter a ideia mesmo diante de marcações mais adiantadas por parte do rival. O treinador não gosta que o time busque a ligação direta para o ataque e motiva a saída curta mesmo depois de erros que geram gol ao oponente. Como vemos, sair como goleiro e trocar passes curtos desde o primeiro momento não é ''invenção'' e nem ''futebol moderno'' como algumas teses idiotas repetidas por aí. Há uma proposta por trás disso.

exemplo 1 - Rodrigo Coutinho - Rodrigo Coutinho
Como é o posicionamento do time do São Paulo em uma saída com três e Luan entre os zagueiros
Imagem: Rodrigo Coutinho

A questão do tempo do trabalho como ferramenta transformadora se vê bastante neste momento do jogo para o São Paulo. O time tem superado bem os adversários que se propõem a marcar mais em cima. Cometido menos erros do que há alguns meses. Evolução em cima da repetição de um exercício, de uma ideia. E ganho de confiança a partir daí.

exemplo 2 - Rodrigo Coutinho - Rodrigo Coutinho
Em alguns momentos, o São Paulo faz a saída de bola com quatro, e Dani Alves junto com Luan entre os zagueiros. Laterais sempre projetados
Imagem: Rodrigo Coutinho

Zona de articulação/construção

A proposta de gerar superioridade no setor da bola segue aqui. Os meias flutuam dos lados para o centro num primeiro momento, geram as linhas de passe no setor, e os laterais se projetam bem abertos. Gabriel Sara e Igor Gomes tem total liberdade de flutuação, assim como Daniel Alves e Luan para chegarem perto da área rival. A aproximação é indispensável para estabelecer a posse de bola na intermediária ofensiva.

Luciano é mais articulador do que Brenner. Então flutua entre as linhas de meio e defesa do adversário, ganha a companhia dos meias no setor e a partir dali eles se aproximam da bola, podendo cair pelo meio, pela esquerda ou direita, gerar a superioridade, trocar passes, e progredir no campo.

Definição das jogadas / Terço Final do Campo

O São Paulo é o segundo melhor ataque do Brasileirão. Um gol apenas atrás do Atlético Mineiro. O time consegue uma taxa de conversão das chances criadas jamais vista antes em qualquer equipe comandada por Fernando Diniz. Os mecanismos coletivos de movimentação perto da área rival ainda podem melhorar, mas as características individuais de Brenner e Luciano potencializam a finalização correta das jogadas.

exemplo 3 - Rodrigo Coutinho - Rodrigo Coutinho
Exemplo de tentativa de gerar superioridade no setor da bola. Sara e Igor Gomes juntos no mesmo setor. Lateral participando, volante, e um dos atacantes gerando as linhas de passe
Imagem: Rodrigo Coutinho

Ambos vivem ótimo momento finalizando, mostram tempo de bola e posicionamento na área acima da média para definir rápido os lances. Muitas das jogadas do Tricolor são terminadas pelos lados do campo, com um cruzamento rasteiro ou pelo alto, e a dupla fez diversos gols assim pelo São Paulo. Quando um dos dois não está em campo o time sente nesse aspecto.

São sete pontos de vantagem para o vice-líder e 14 rodadas pela frente. A vantagem é excelente e jamais vista neste Brasileirão 2020. O desempenho acompanha a realidade da tabela. Há espaço de melhoria em diversos pontos do time, mas hoje o Tricolor não tem dúvidas que valeu a pena dar tempo de trabalho a Fernando Diniz.