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Rodrigo Coutinho

REPORTAGEM

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Conheça Jerson Testoni, o técnico mais longevo do Brasil nas Séries A e B

Colunista do UOL

29/04/2021 04h00

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Com a saída de Renato Gaúcho do comando do Grêmio, o futebol brasileiro tem agora um novo técnico com o trabalho mais duradouro se considerarmos as duas principais divisões. Ele é Jerson Testoni, que aos 40 anos de idade comanda o emergente Brusque em seu debute na Série B. Primeiro jogador negociado da história de 34 anos do clube do interior de Santa Catarina, ele, agora como treinador, contou ao blog um pouco sobre a sua forma de trabalhar.

Jerson era auxiliar permanente do Brusque quando foi convidado para ser técnico em outubro de 2019. De lá pra cá conseguiu resultados relevantes. Além do inédito acesso para a Série B em 2020, venceu a Copa de Santa Catarina no ano anterior, bateu o Avaí na Recopa Catarinense na temporada seguinte, e é o atual vice-campeão estadual. Chegou também na 4ª fase da Copa do Brasil 2020. Tudo isso com elenco e investimento bem modestos. Confira a entrevista com ele.

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Jerson Testoni comandando o Brusque em jogo válido pelo Catarinense 2021
Imagem: Lucas Gabriel Cardoso/Brusque FC

Recentemente você se tornou o técnico mais longevo do país e o que mais dirigiu o Brusque. Como se sente com isso e por que alcançou essas marcas?

JT: Me sinto muito feliz e orgulhoso. No futebol de hoje, ainda mais como treinador, é muito difícil chegar nessa marca. Sempre coloco que são vários fatores que fazem isso acontecer. A diretoria dando o suporte, o grupo de atletas que executa as ideias de jogo, a minha comissão técnica, o nosso torcedor. É algo especial ter o meu primeiro trabalho como treinador já sólido. A minha relação com a diretoria é de amizade também. Conheço todos desde a minha época como atleta. Eles trabalham com orçamento muito baixo, conseguem montar elencos sem grandes erros e não endividam o clube. Isso nos ajuda no desenvolvimento do trabalho.

Você acha que num clube com maior torcida e repercussão nacional teria esse respaldo?

JT: Acho que é preciso convicção no trabalho primeiramente. Sou jovem, mas me preparei muito para virar treinador. Fiz todo o processo nas escolinhas e divisões de base, além de buscar muito do conteúdo teórico disponível hoje. Consegui juntar a parte prática de atleta com isso. Independente do lugar você precisa estar preparado. Pode ser no Brusque, Corinthians, Palmeiras ou Flamengo. Quando estava na base sempre repetia que precisava me preparar porque um dia a oportunidade apareceria. E foi assim. Assumi o clube em último lugar e depois fomos campeões. De lá pra cá o Brusque sempre esteve na parte de cima da tabela. Hoje temos uma ideia definida de jogo. Tenho certeza de que coisas grandes ainda vão aparecer ali na frente.

Como gosta de montar suas equipes? Tem ideias que não mudam ou vai transformando-as de acordo com o cenário que tem na mão?

JT: A princípio tenho a minha periodização. Gosto de formar equipes ofensivas, mas você precisa entender o local em que trabalha. O modelo é formado a partir disso. Podemos pontuar equipes com modelos diferentes no futebol brasileiro. A origem do Brusque é jogar ofensivamente. Foi isso que procuramos colocar. Controlar sempre o jogo, pressionar ''muito alto'', trabalhar a reação após a perda da bola, mas pra isso é necessário ter as peças para encaixar. As sessões de treinamento e você conseguir vender essas ideias aos jogadores são coisas muito importantes. Desde que assumi o time falei para os atletas que faríamos uma equipe de coragem e que não jogaria só por uma bola. Nesse processo de um ano e meio tive que ser flexível em alguns momentos. Na Série C, por exemplo, relaxamos. Achamos que já estávamos classificados e tomamos um 8x1 do Volta Redonda. Tivemos problemas de Covid também. A partir daquele momento precisei mudar a minha ideia dentro do grupo para recuperar a parte psicológica. Não poderíamos levar gols e sair atrás no placar. Depois conseguimos o acesso para a Série B. Então no início da temporada tínhamos uma equipe mais ofensiva e depois montamos um time mais defensivo. É importante ter essa flexibilidade. Precisamos trabalhar em cima dos momentos do jogo. A ideia é principal é propor, mas não sabemos as adversidades que acontecerão. Temos que estar preparados para tudo.

Qual é a real projeção do Brusque na Série B desse ano? Há clubes com potencial de investimento muito maior, é possível sonhar com algo a mais ou será um campeonato de permanência na divisão?

JT: A princípio o objetivo é ficar na Série B. Sofremos um pouco com problemas de estrutura física. O clube sabe disso e está tentando melhorar. Não precisamos nem ir muito longe. O Avaí, que é do nosso estado e vai disputar a Série B, tem o orçamento muito maior. Mas sabemos que o futebol passa pelo encaixe da equipe. Confio muito no grupo que eu tenho. Temos uma equipe forte, classificamos na 1ª fase do Catarinense em segundo lugar. Vai ter jogo que tomaremos a iniciativa, principalmente jogando em casa. Fora do nosso mando vamos ser um pouco mais cautelosos. Se derem espaço buscaremos o nosso objetivo.

E o calendário? Brusque fica a cerca de 100km de Florianópolis e teremos semanas com dois jogos na Série B, além de viagens longas. Como estão planejando isso? Haverá rodízio no time? Você tem liberdade para decidir?

JT: Aqui a diretoria não interfere em nada, graças a Deus. Todas as tomadas de decisão partem de mim. Nosso grupo é muito pequeno e eu trabalho sempre o jogo a jogo. A minha ideia é jogar com o que tiver de melhor sempre. Força máxima, até porque nós só temos a Série B no segundo semestre.

Como funciona a captação de jogadores no clube?

JT: Observamos muitos jogos. Estamos vendo todos os Campeonatos Estaduais e posso até dar o exemplo do Garcez, um dos nossos atacantes de lado de campo. Chegou no final do Estadual. Jogou a Série C, estava no Doce Mel, da Bahia, e foi indicado por um treinador daqui de Santa Catarina. A partir daí vamos ver se o atleta encaixa no meu modelo e buscamos informações sobre o comportamento dele. O percentual de erro aqui é muito baixo. Com o orçamento que temos não podemos errar. O mercado está inflacionado e é importante continuarmos montando boas equipes.

Como vê a formação de treinadores no Brasil? Acha os cursos disponíveis suficientes?

JT: Acredito que sim. Quando eu era atleta tinha dificuldade até de me expressar. Então tive que fazer todo esse processo. Vai muito do direcionamento que você busca dar na sua carreira. Apliquei muitos treinamentos na base que não deram certo. E outros eu faço até hoje no profissional. A questão da gestão de pessoas é importante, a leitura de jogo, a maneira de lidar com cada atleta... Isso vem com o tempo e é individual. Nem esperava tão cedo ganhar essa oportunidade como treinador. Acho que as licenças da CBF são importantes e ministradas por profissionais inteligentes. Também me formei em educação física, que é importante para debater os ciclos e microciclos de treinamento com a minha comissão técnica.

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Jerson Testoni é atualmente o técnico mais longevo entre as Séries A e B
Imagem: Lucas Gabriel Cardoso/Brusque FC

E a vinda de técnicos estrangeiros para o Brasil? Acha que acrescenta ao futebol jogado aqui ou tira o espaço dos brasileiros?

JT: Vejo de forma positiva. O nosso mercado estava um pouco acomodado. Com a chegada dos estrangeiros os profissionais buscaram se mexer também. Evoluir e não se acomodar. Todo treinador precisa estar atualizado. Vejo alguns mais antigos fazerem críticas a nomenclaturas utilizadas, mas isso faz parte da evolução. Não só do futebol. Os estrangeiros tiraram os técnicos brasileiros da zona de conforto. Claro que também não pode virar moda. Quando cai um treinador em qualquer clube do Brasil, já vemos a torcida e parte da imprensa dizendo que tem que contratar um estrangeiro. Como se não houvesse um brasileiro capacitado para o cargo, o que não é verdade. Isso é negativo. Tem que haver um equilíbrio.

Qual é o principal desafio de um técnico jovem hoje? É gerir o grupo, controlar o vestiário? Já teve problemas com algum jogador?

JT: Nunca tive problema com nenhum atleta. E já tomei decisões muito fortes. De tirar capitão do time e botar no banco de reservas. Tento comandar de forma natural. O treinador adquire liderança com conhecimento e domínio sobre o assunto, pela forma de aplicar treinamento, e a maneira de cobrar ou elogiar. Sou muito aberto a todos os jogadores. Sempre quando tomo decisões eu explico os motivos e deixo a minha sala aberta para que eles venham conversar. Com respeito não há problema nenhum. Olho no olho quando boto ou tiro do time. Trabalho com muita transparência.

O meia Thiago Alagoano vem jogando muito bem, assim como a dupla de zaga protegendo a área. Eles serão os destaques do time na Série B?

JT: Costumo valorizar o coletivo. Tento dar minutagem a todos eles e o trabalho tático é igual para titulares e reservas. Claro que o Thiago Alagoano chama muito a atenção por ser um meia que é artilheiro. Mas temos uma forma de jogar um pouco diferente daquilo que normalmente faz um camisa 10. Entra muito o que falei antes. O treinador precisa entender as características de cada atleta. Como vou fazer um time propor se não tenho uma dupla de zaga com iniciação de jogadas boa, se os volantes não têm esse passe mais qualificado e não chegam na frente? Meus dois zagueiros, o Ianson e o Alemão, vêm num momento muito bom. Meu volante, Zé Mateus, tem muita intensidade. O próprio Thiago Alagoano tem uma presença de área forte e é frio. O Garcez é um ''ponta do mercado''. ''Baixa'' bem as linhas, tem um lado individual forte no 1x1, boa bola aérea. Temos boas peças, mas o mais importante é o lado coletivo. Não se chega a nenhum lugar individualmente, por isso temos ido longe em todas as competições.