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Coutinho: Tri português na Libertadores nos diz muita coisa
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''É a primeira vez que entro em campo e sei tudo que tem de fazer. Como atacar, como defender, bola parada.''; '' O que ele me ensinou em termos de conhecimento do jogo foi brutal. Se consegui prolongar a minha carreira foi graças a ele''. As duas declarações foram dadas por jogadores brasileiros, Gustavo Scarpa e o zagueiro Luisão, já com alguns anos como profissionais e diversos treinadores no currículo. Eles se referiam a Abel Ferreira e Jorge Jesus. Os dois últimos campeões da Libertadores. Será que é obra do acaso?
Em primeiro lugar é preciso diferenciar Jorge Jesus e Abel Ferreira. A diferença de idade entre ambos marca naturalmente as gerações diferentes. As influências como treinador e atleta não são as mesmas, assim como a formação como técnico. Jesus sempre gosta de frisar como alicerçou o seu método de trabalho a partir da observação como atleta e criou exercícios de treino a partir de situações de jogo.
Estabeleceu essa forma de dirigir as equipes e foi responsável pela evolução de diversos jogadores nas últimas duas décadas, além de ter formado o melhor time em solo brasileiro recentemente. Até hoje a torcida do Flamengo é órfã de sua maneira de trabalhar. Não só na organização tática que deu ao time em todos os momentos do jogo, mas na cobrança incessante por melhora, em tirar o melhor de cada atleta.
Abel foi um lateral-direito de destaque nacional, mas já possui formação mais acadêmica. Bebeu na fonte que revelou uma série de bons treinadores lusitanos no atual século. No Braga, conseguia variar a forma de jogar da equipe e fixou o clube como o time de menos investimento que mais incomodava Benfica, Porto e Sporting. No Palmeiras, está na história como o maior vencedor de Taça Libertadores.
Ambos possuem defeitos, o que é natural em todos os profissionais, mas trouxeram algo necessário ao futebol brasileiro. Entender que o indivíduo, por melhor que ele seja, num esporte coletivo como o futebol, ficará sempre prejudicado se não estiver inserido em um contexto que lhe favoreça. Acabou a época em que o talento por si só definia campeonatos. Ele segue definindo jogos, mas numa ideia mais ampla, será sucumbido por quem se organizar melhor coletivamente.
É muito importante que esse debate seja cada vez mais levantado no Brasil. O país do talento e da maior quantidade de jogadores diferenciados na história do futebol, sempre se baseou nisso para se impor. Poucos foram os times mais bem estruturados coletivamente. Quando eles surgiram, ganharam alcunhas muito injustas, como o Brasil de 1994, dono da maior posse de bola e da maior produção de chances reais de gol daquela Copa, mas até hoje chamado de ''retranqueiro'' por muita gente.
Não se trata de relegar o talento individual a segundo plano. Treinadores que dominam todos os processos de organização nas diferentes fases de um jogo de futebol são importantes para justamente aumentar o poder de decisão desses talentos. As ações dentro de campo seguem sendo dos jogadores. Dar o melhor cenário para a qualidade aflorar e as decisões mais corretas serem tomadas é o grande ''pulo do gato'', e é responsabilidade dos treinadores.
Encontrar espaços em defesas fechadas, como foi a do Palmeiras contra o Flamengo, não é mais tão simples quanto numa época de longas perseguições individuais, de buracos naturais nos sistemas defensivos, e de um lado físico menos presente em campo. É necessário ter ocupação regular dos espaços, movimentos bem coordenados, variação de jogadas, compreensão do melhor cenário para atacar. Pontos que faltaram ao rubro-negro com Renato, como alertei diversas vezes aqui, mesmo em dias de vitórias e goleadas.
Se a bola de Michael, aos 42' do 2º tempo, entrasse, o campeão seria outro, mas a forma com que chegaria à conquista não. O talentoso Palmeiras de Abel Ferreira, mesmo com questionamentos necessários quanto a sua produção ofensiva e chegando muito perto de ser derrotado na etapa final, foi mais organizado que o talentosíssimo Flamengo. Até mesmo naquilo que menos lhe caracteriza, a produção em fase ofensiva, apresentou conteúdo mais elaborado.
Enquanto contabilizarmos placares e finalizações sem entender de que forma foram produzidos, contribuiremos para que o futebol brasileiro seja cada vez mais ''periférico'' em relação ao melhor nível dentro das quatro linhas. Que cada vez mais ''Abeis'' e ''Jorges''venham ao Brasil. Precisamos melhorar a formação de todos que trabalham no esporte aqui. De treinadores a torcedores, passando por jornalistas, cartolas e jogadores.
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