Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Naomi Osaka testa sua força com boicote a entrevistas em Roland Garros
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"Espero que vocês estejam bem, estou escrevendo isto para dizer que não vou dar nenhuma entrevista durante Roland Garros. Frequentemente sinto que pessoas não têm consideração pela saúde mental de atletas, e isso parece muito verdadeiro sempre que vejo uma entrevista coletiva ou participo de uma. Ficamos lá e ouvimos perguntas que já foram feitas várias vezes ou perguntas que colocam dúvidas em nossas mentes, e não vou me sujeitar a pessoas que duvidam de mim. Já vi muitos clipes de atletas desabando após derrotas na sala de coletivas e sei que vocês também. Acredito que a situação toda é chutar um pessoa quando ela está abatida e não entendo a motivação. Eu não dar entrevistas não é nada pessoal com o torneio e alguns jornalistas que me entrevistam desde que eu era jovem, então tenho uma relação amigável com a maioria deles. Porém, se as organizações acham que podem continuar dizendo "dê entrevista ou seja multada" e continuar a ignorar a saúde mental dos atletas que são a peça central de sua cooperação, então eu só posso rir. De qualquer modo, espero que o valor considerável no qual eu for multada por isto vá para uma instituição de caridade que trabalhe com saúde mental."
A declaração acima foi postada por Naomi Osaka em sua conta no Instagram junto com dois vídeos. Um deles mostra Richard Williams, pai das irmãs Serena e Venus, esbravejando com um jornalista que entrevistava Venus e perguntava sobre os motivos de sua enorme autoconfiança. O outro registra o famoso momento em que Marshawn Lynch, então atleta do Seattle Seahawks, da NFL, comparece ao media day do Super Bowl apenas para evitar uma multa. A todas perguntas, ele responde com "estou aqui para não ser multado."
Osaka levanta uma questão interessante - a necessidade de entrevistas coletivas a cada partida - mas o faz de uma maneira pobre, com generalizações superficiais e equivocadas, e adotando uma linha de raciocínio que, nem em seu post, parece fazer sentido. Analisemos por partes...
"Ficamos lá e ouvimos perguntas que já foram feitas várias vezes ou perguntas que colocam dúvidas em nossas mentes, e não vou me sujeitar a pessoas que duvidam de mim."
Sim, é muito verdade que, sobretudo em slams, há perguntas repetidas. Isso desagrada, inclusive, a quem cobre tênis com frequência porque no tempo limitado para as coletivas, uma questão assim tira a vez de alguém que poderia abordar um tema diferente. É preciso entender, porém, por que isso acontece. Slams têm alcance muito maior que os torneios "normais" do circuito como os 250, 500 e até os 1000. Há mais jornalistas e, principalmente, jornalistas que não acompanham tênis o ano inteiro. É normal e, por um lado, é bom que seja assim. São essas pessoas que levam o esporte e os atletas para, digamos, "fora da bolha" tenística. Naomi tem uma equipe grande e deveria ter sido mais bem orientada sobre isso. Ou, quem sabe, ela foi orientada e não se importa? Não cabe entrar nessa suposição neste momento.
Não entendo a que tipo de abordagem Osaka se refere quando diz "perguntas que colocam dúvidas em nossas mentes". Já vi e li milhares (sem exagero) de coletivas de tenistas e não me lembro de casos óbvios em que jornalistas tentem plantar dúvidas na mente deste ou daquele atleta. De modo geral, atletas entendem de onde vêm as perguntas e têm o direito de responder ou não. Os casos de bate-boca e incômodos são muito poucos, mas geralmente são os que viralizam, o que pode passar uma impressão estatisticamente errada da coisa. O maior problema, a meu ver, é generalizar a coisa. Dizer "não vou me sujeitar a pessoas que dividam de mim" é justamente isso. É deixar de falar com todos jornalistas porque ela, Naomi, acredita que alguns duvidam dela. Espera-se mais de um atleta de elite e supostamente bem orientado. E aqui entre nós: se alguém duvida de Osaka em Roland Garros baseando-se no histórico da japonesa no saibro... Não vou discordar.
"Já vi muitos clipes de atletas desabando após derrotas na sala de coletivas e sei que vocês também. Acredito que a situação toda é chutar um pessoa quando ela está abatida e não entendo a motivação."
Sim, todos já viram clipes de atletas chorando após derrotas. Acho válido questionar o formato de entrevistas e, especialmente, sua obrigatoriedade para os derrotados. Não me incomodaria se um atleta não quisesse falar após um revés. Acho até que ajudaria a separar os bons dos maus perdedores. Em tempo: não me lembro de um atleta chorar por causa de uma pergunta mais agressiva ou fora de tom. Nos casos que lembro, foi o ato de repassar a derrota e as situações de jogo que levou às lágrimas.
Sobre a motivação para a imposição das coletivas, isso me parece óbvio: muitos querem ouvir também do perdedor seus motivos e justificativas. E a maioria dos tenistas faz isso com profissionalismo e educação. Há quem eventualmente evite coletivas, preferindo as multas - Venus Williams conhece bem essa rota - e há quem dê respostas grosseiras. Também há jornalistas que erram no tom. O que acho errado, repito, é generalizar. De qualquer lado.
"Eu não dar entrevistas não é nada pessoal com o torneio e alguns jornalistas que me entrevistam desde que eu era jovem, então tenho uma relação amigável com a maioria deles. Porém, se as organizações acham que podem continuar dizendo 'dê entrevista ou seja multada' e continuar a ignorar a saúde mental dos atletas que são a peça central de sua cooperação, então eu só posso rir."
A opção de Osaka por não dar entrevistas pode não ser pessoal, mas vai prejudicar tanto o torneio quanto o trabalho das pessoas com quem ela tem uma relação amigável - especialmente se ela fizer uma boa campanha nas próximas duas semanas. O lado bom da coisa toda, apesar dos argumentos mal fundamentados, é questionar a compulsoriedade da coisa. Haveria outras maneiras de fazê-lo, mas Naomi escolheu o caminho mais curto, que não é necessariamente o melhor ou mais diplomático.
A decisão de Osaka não deixa de ser um teste de sua força. Contra o "establishment" das coletivas obrigatórias, quem faz a carga é a atual vencedora do Laureus de Esportista do Ano e atleta mulher mais bem paga do mundo (nos últimos 12 meses, ela ganhou US$ 55,2 milhões entre prêmios em dinheiro e contratos publicitários, segundo o site Sportico). É uma voz que, mesmo sem dar coletivas, chega estourando tímpanos.
Coisas que eu acho que acho:
- Se ainda não ficou claro, repito: acho que Osaka levanta uma questão interessante, mas com argumentos errados e péssimas generalizações. Eu esperava mais. Talvez o errado seja eu.
- Eu acharia igualmente interessante se, em vez de coletivas, atletas conversassem diretamente com os fãs depois de cada jogo. Mudaria radicalmente essa comunicação e acabaria com a mamatinha dos jornalistas que viajam pra slam só pra dar a cara em meia dúzia de coletivas. Levaria a informação a mais gente e com mais velocidade, tirando o quase monopólio de veículos de imprensa que podem bancar as viagens de seus jornalistas.
- Além disso, esse contato direto entre tenista e "seguidores" pós jogo ajudaria os fãs em um sentido importante: ficaria muito mais fácil identificar aqueles que realmente dão a cara nos momentos ruins e se posicionam publicamente sobre determinados assuntos. Até porque o não-posicionamento também é uma posição. E, como escrevi acima, separaria os bons dos maus perdedores.
- Espero que não seja o caso, mas se a ideia de Osaka é tornar-se uma reclusa que só aparece em público para competir e participar de ações publicitárias, ela corre o risco de se tornar uma celebridade superficial que vende produtos por sua habilidade esportiva, mas sem algo relevante a dizer na maioria do tempo. Seria um enorme tiro no pé.
- Dois últimos 15 posts de Osaka em sua conta no Instagram, oito são mensagens publicitárias. Três são sobre tênis. Um é sobre uma derrota.
- Sobre o vídeo da entrevista de Venus (no Instagram), há um tremendo equívoco tanto do Sr. Williams quanto de Osaka. O jornalista, ao insistir no assunto da autoconfiança de Venus, quer dar um tom dramático a coisa - e não colocar dúvida ou prejudicar a saúde mental da menina. Podemos questionar o estilo (eu mesmo acho um porre esse tipo de entrevista esportesepetacularesco superdramático em que o jornalista insiste até o entrevistado chorar), mas não distorcer tanto assim o que estava sendo feito. Repito: é o tipo de coisa que um atleta bem orientado entende. Talvez Osaka não tenha consultado ninguém. Talvez sua parcialidade no assunto tenha afetado sua interpretação da cena. De qualquer modo, ela passou do ponto ali.
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