Topo

Saque e Voleio

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Djokovic disse que não é antivax, mas ainda se mostra anticiência

Novak Djokovic dá entrevista à BBC em Belgrado - Reprodução/YouTube
Novak Djokovic dá entrevista à BBC em Belgrado Imagem: Reprodução/YouTube

Colunista do UOL

16/02/2022 12h59

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Em uma badalada entrevista para a BBC, Novak Djokovic afirmou que não é contra vacinação. O número 1 do mundo enfatizou, com todas as palavras, que "nunca fui contra vacinação", mas não usou tantas palavras assim para justificar por que não se vacinou contra covid durante uma pandemia.

"Eu nunca fui contra vacinação. Eu entendo que, globalmente, todo mundo esteja se esforçando para lidar com esse vírus e vejo, com esperança, um fim em breve para esse vírus. E a vacinação é provavelmente o maior esforço nesse sentido, com metade do planeta vacinada. Eu respeito isso inteiramente, mas eu sempre representei e apoiei a liberdade de escolher o que colocar no corpo. Para mim, essa é a essência do princípio de entender o que está certo ou errado para você. Eu, como atleta profissional, sempre analisei cautelosamente tudo que entra, desde suplementos, comida, a água que bebo, bebidas esportivas, tudo que entra no meu corpo como combustível. Baseado na informação que tive, decidi não tomar a vacina."

A chave na frase acima, que só vem no finzinho da suposta justificativa de Djokovic, é o momento em que ele diz "baseado na informação que tive". Que informação é essa? Por que não dizer? Por que, talvez, seria confrontado pelo jornalista? E por que o jornalista não perguntou que informação seria essa?

A maneira que a BBC optou para tratar a entrevista faz Djokovic soar como um mártir. "O homem que vai sacrificar sua carreira em nome da liberdade de escolher o que colocar no seu corpo". Isso tem lá sua razão de ser numa época em que atletas escolhem como serão entrevistados (vide os casos Djokovic-L'Équipe, em que o veículo francês estava proibido de perguntar sobre vacinação e o caso L'Équipe-Peng, com perguntas pré-aprovadas por autoridades chinesas). Tudo é feito de acordo com o que o famoso deseja.

No entanto, a própria BBC (e aqui há muito mérito em nome da informação) publica em seu site, na mesma página com a chamada para a reportagem com o sérvio, números relevantes e um argumento interessante do jornalista Fergus Walsh, editor médico do canal: "É difícil saber o que mais Novak Djokovic precisa ou quer saber. Ele diz que não tem informação suficiente sobre 'a vacina' como se houvesse apenas um tipo. Há muitos."

No fim das contas, a entrevista pouco esclarece a posição de Djokovic além do trecho em que ele se diz a favor da "liberdade de escolha", o que, sejamos sinceros, não é muito. Ser livre para escolher, afinal, não é o mesmo que não querer se vacinar. Eu tenho a mesma liberdade, optei pela vacina e posso explicar os porquês da minha escolha. Por que Djokovic não faz o mesmo? Que "informação" é essa que faz o número 1 do mundo seguir sem se vacinar contra covid? Ele não disse, e a BBC, aparentemente, não perguntou (ou, se perguntou, não incluiu na edição final - mas é difícil acreditar que um trecho assim seria cortado sem aprovação de Djokovic).

Fica mais difícil ainda de entender - ou defender - Djokovic quando lembramos que trata-se da mesma pessoa que, durante a pandemia, revelou ser consumidor de líquidos como "Golden Mind" e "Coated Silver". Este último é composto por nanopartículas de prata, água e polissacarídeos e promete que a prata, quando ingerida da forma correta, neutraliza vírus e fungos e fortalece o sistema de defesa do organismo. Será que há mais informação disponível sobre Coated Silver do que vacinas contra covid? Será mesmo que a prata é mais segura do que uma dose de Pfizer ou Janssen?

Resumo da história: a entrevista pode ter agradado aos fãs de Djokovic, que se agarram como podem a qualquer fiapo de argumento que possa ser usado a favor de seu ídolo - e, no momento, a "liberdade de escolha" faz esse papel. No entanto, a reportagem fez muito pouco para mudar a opinião de quem vê o número 1 do mundo como antivax ou anticiência. Novak não citou porquês, não se aprofundou na questão e não foi confrontado.

Coisas que eu acho que acho:

- O que a reportagem faz, de fato, é engrossar o coro do "Djokovic só não será o maior campeão de slams da história porque 'defendeu liberdades individuais'" e o "discurso do "eu contra o mundo'". O vitimismo sempre foi, de fato, uma das especialidades dos fanáticos pelo sérvio.

- Alguém mais notou que Djokovic, que declara residência em Monte Carlo, deu a entrevista em Belgrado? Certamente, aproveitou uma visita à família para conversar com a BBC. Ou não?

.

Quer saber mais? Conheça o programa de financiamento coletivo do Saque e Voleio e torne-se um apoiador. Com pelo menos R$ 15 mensais, apoiadores têm acesso a conteúdo exclusivo (newsletter, podcast e Saque e Voleio TV), lives restritas a apoiadores, além de ingresso em grupo de bate-papo no Telegram, participação no Circuito dos Palpitões e promoções imperdíveis.

Acompanhe o Saque e Voleio no Twitter, no Facebook e no Instagram.