Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Alcaraz: ambição e humildade, inconsciência consciente
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Brasil, noite de 19 de fevereiro. Um jovem espanhol de 18 anos derrotou um rival experiente no saibro e conquistou o segundo título da sua carreira. Um garoto humilde, trabalhador e com grandes aspirações no tênis. Já havia derrotado rivais grandes - tinha no currículo quatro vitórias sobre adversários no top 10, era uma das maiores promessas do tênis e já havia quem falasse em um futuro como número 1 do mundo. Hoje, 16 anos depois daquela conquista no Sauípe, esse espanhol é o maior campeão de slams da história do tênis masculino.
O segundo título de Carlos Alcaraz também veio no Brasil, em fevereiro (no dia 20!), aos 18 anos e justamente quando o garotão somou sua quarta vitória sobre um top 10. Coincidências deliciosas que o mundo do tênis proporciona. Alcaraz também é trabalhador, humilde e visto como uma das maiores promessas do esporte. Não são poucos que veem nele potencial para ser número 1 do mundo.
Questão de tempo para Alcaraz vencer 22 slams e bater o recorde que hoje pertence a Rafael Nadal, certo? Longe disso. A semelhança, apesar de saborosa, é pouco mais do que isso: uma coincidência, ainda que mostre que certas características ajudam a formar campeões. O ponto deste texto aqui não é comparar ambos, mas comentar as qualidades de Alcaraz que ficaram cristalinas para quem esteve no Rio Open na semana passada - e algumas delas, sim, lembram Rafa Nadal. Outras, nem tanto. E todas elas ficam mais fáceis ainda de entender ouvindo o último episódio do podcast oficial do Rio Open, que este jornalista produz e apresenta (link no fim do texto).
Comecemos pelo que Alcaraz disse depois do título. Duas frases em especial merecem destaque. Primeiro, foi direto quando indagado sobre suas ambições: "Ser número 1 do mundo, campeão de grand slams e vencedor de medalhas olímpicas. Sou um rapaz que pensa grande." Pode até soar arrogante para quem não viu (ou ouviu) a declaração. Não foi o caso. Nem de longe. E isso ficou mais claro ainda quando Carlos foi indagado sobre as expectativas altas em relação a seu futuro no tênis: "Agradeço que as pessoas vejam que eu possa ser o melhor do mundo, mas minha equipe e eu sabemos o quão difícil é. Tenho Juan Carlos [Ferrero], que já foi número 1 do mundo e pode me dizer o quão difícil e sacrificante é. Até o momento, estou no caminho correto e se não me desviar dessa caminho e continuar fazendo as coisas certas, terei oportunidades. Não é garantido que serei número 1 do mundo, mas terei oportunidades."
Resumindo? Ousado, mas consciente. A mistura perfeita de ambição e humildade.
Diego Schwartzman, o vice campeão do Rio Open, também disse coisas interessantes sobre Alcaraz. Falou do frescor do espanhol e de sua inconsciência na hora de disputar pontos grandes. "Sua idade, seu frescor, um pouco de inconsciência na hora de jogar momentos importantes lhe dá uma vantagem."
O que o argentino quer dizer é que Alcaraz não sente os nervos nos pontos importantes por estar há pouco tempo no circuito quanto, mas esse "frescor" citado por Schwartzman também se nota fora da quadra. Foi o que Fernando Meligeni me disse no podcast, mencionando outro lado da coisa.
"Ele continua sendo aquele garotão que você vê jogando um Banana Bowl. Andando na piscina e não fugindo dos fãs. Quando todo mundo tomava café no lugar reservado aos atletas, ele tomava junto com os hóspedes. Não rejeitou nenhuma foto. Você pode olhar isso como 'nossa, que cara humilde'. Eu olho isso como 'nossa, como ele ainda não foi corrompido pelo circuito.' (risos) Mas ele tem uma coisa que é uma grande vantagem, que é um grande exemplo: Ele tem o Ferrero do lado. Ele pegou o melhor cara para poder ajudá-lo e mostrar o caminho. Ele investiu para ter um cara desses do lado. Ele tem várias coisas que chamam muita atenção, por isso que todo mundo fala que ele vai ser número 1 do mundo."
Sobre a chance de Alcaraz chegar ao topo, Fino ressaltou outra característica louvável do espanhol: "Ele está na elite da elite da elite, e ele trata a elite da elite da elite do jeito que ela tem que ser tratada. É uma briga que a gente tem muitas vezes no tênis brasileiro. Às vezes, parece que a gente desrespeita a dificuldade. Pô, você está no circuito que tem Federer, Djokovic, Nadal, Medvedev... Se você não fizer 150% das suas coisas, você não tem chance nenhuma. E ele tem essa consciência. O Ferrero colocou essa consciência nele, mas, acima do Ferrero, ele fez esse chip. Você pode colocar no garoto, mas é ele que tem que querer. Isso, para mim, que é incrível."
Coisas que eu acho que acho:
- O último episódio do podcast do Rio Open está no player acima. Tem áudio das entrevistas de Alcaraz, Schwartzman e Bruno Soares, além de um papo com Fernando Meligeni sobre as muitas qualidades do espanhol. Recomendo muito que ouçam.
- Alcaraz encantou pela simplicidade fora da quadra. Como Meligeni bem disse, andou pelo hotel e pelo Jockey como se fosse mais um na multidão. Talvez o pouco tempo de circuito tenha mesmo influência nisso, mas tem muito de sua personalidade aí. Conhecemos bem tenistas que fizeram muito menos que Alcaraz e desfilam pelos torneios como se fosse superastros de rock.
- A cena do tweet acima aconteceu por volta das 2h da manhã. Sabem quantos tenistas no circuito saem assim de uma quadra nesse horário? E com toda paciência do mundo para autógrafos e selfies? Muito poucos. Vida longa a este jovem Carlos Alcaraz.
- O podcast traz ainda trechos da entrevista coletiva de Lui Carvalho, o diretor do Rio Open. Ele fala sobre as dificuldades de organizar o evento no meio de uma pandemia, a possibilidade de um WTA no Brasil organizado pela IMM, a vontade (que continua) do Rio Open de mudar para quadras duras y otras cositas más. Recomendo muito.
- Som de hoje no meu Edifier W830BT (o Kuba Disco ficou em casa): Gonna Fly Now (Bill Conti, na trilha de Rocky) - porque o DJ do Rio Open cravou essa em mais de um sentido no momento em que Alcaraz recebeu o troféu.
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