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Queda para além do top 200 é o melhor que pode acontecer a Thiago Wild

Fotojump
Imagem: Fotojump

Colunista do UOL

24/02/2022 18h09

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No dia 2 de março de 2020, impulsionado pelo título do ATP 250 de Santiago, Thiago Wild saltou para o 113º posto no ranking da ATP. Era a melhor posição na carreira do adolescente de 19 anos, que acabava de se tornar o mais jovem brasileiro a vencer um torneio dessa categoria.

O paranaense passou os últimos dois anos perto do top 100, auxiliado pelo timing do congelamento de pontos (que mantém 250 pontos na conta de Wild até hoje), e teve boas chances para subir ainda mais no ranking, mas fez muito pouco desde aquele março de 2020. Hoje, a eliminação no ATP de Santiago, diante do alemão Yannick Hanfmann (#115), por 6/1 e 6/3, decretou a inevitável queda do brasileiro. Na semana que vem, Wild estará fora do top 200.

Thiago foi um dos tenistas que lidaram muito mal com a pandemia. Vinha de boas atuações em Santiago (embora a chave não estivesse nada forte, e o principal nome, Cristian Garín, jogou lesionado) e na Copa Davis, mas o circuito foi interrompido por cinco meses, e o paranaense não foi mais o mesmo. Depois de uma final no Challenger de Aix En Provence, em setembro de 2020, sofreu 11 revezes seguidos. No último ano, perdeu jogos ganháveis e passou tempo demais em quadra reclamando de si mesmo, dos outros (num torneio, pediu até que desligassem uma geladeira porque o brilho lhe atrapalhava; em outro, reclamou de latidos de cachorros no clube) e descontando a raiva em suas raquetes em vez de buscar soluções que não exigissem espancar a bolinha com mais força do que o adversário.

Os relatos de pessoas próximas - inclusive os de sua ex-namorada, Thayane Lima - não são nada bons. Thiago perdeu o foco, deixou de trabalhar como antes e fez um segundo semestre de 2021 como um trem descarrilhado. Em julho, citou um incômodo no quadril para não ir aos Jogos Olímpicos de Tóquio, mas competiu no circuito no mesmo período. Em agosto, ficou fora do quali do US Open por causa de uma pubalgia. Em novembro, abandonou o Challenger de Campinas sentindo cãibras no corpo todo após um set jogado. Acumulou derrotas para rivais de ranking muito inferior como Facundo Acosta (#349), Kaichi Uchida (#319) e Mariano Navone (#582). No Australian Open deste ano, um novo problema físico provocou outro abandono.

Fora de quadra, a vida de Thiago foi parar nas páginas policiais. Sua ex-namorada, Thayane Lima, fez seguidos relatos em suas redes sociais, dizendo viver em um relacionamento abusivo com o tenista. Ela conta, inclusive, que o paranaense chegou a traí-la com acompanhantes de luxo em São Paulo quando dizia estar na cidade para tratar a pubalgia. Em outubro, Thiago Wild foi indiciado por delitos de injúria, vias de fato e violência psicológica contra a mulher.

No meio do tênis, já há uma sensação de desconfiança sobre se Wild será o atleta que parecia destinado a ser. Conversei com muitas pessoas durante o Rio Open, e a impressão da maioria é que a confiança absurda que Thiago mostrava em seu tênis se transformou em arrogância; que Thiago não respeitou a dificuldade do circuito; e que seu comportamento fora de quadra precisa mudar urgentemente para salvar a carreira que o próprio Thiago acha que pode ter.

A queda no ranking, portanto, pode ser justamente o que o ego de Wild precisa para iniciar uma recuperação. Não receber um convite do Rio Open, o maior torneio do país, foi um sinal de que talento puro e um título isolado dois anos atrás não bastam. Ver "seu" convite dado a Felipe Meligeni, mais de 50 posições atrás no ranking, deve ter incomodado. A perda do patrocínio da Asics, idem. O meio do tênis comenta que Thiago se acha melhor do que muitos tenistas que estão à sua frente no ranking. O tempo está passando, e ainda falta provar. Que essa queda seja a motivação que Thiago ainda parece precisar.

Coisas que eu acho que acho:

- Infelizmente, a mais recente entrevista de Wild ao Podcast Tenisbrasil não é muito animadora para quem escuta. O paranaense diz que "preciso aprender com os erros que cometi ano passado", mas não especifica quais; fala que fez "algumas mudanças dentro da minha equipe", mas só explica uma delas (que agora seu pai começará a trabalhar com ele); e repete que precisa "focar em melhorar seu nível" e sentir-se bem na quadra, o que também diz muito pouco.

- Sobre os problemas físicos, Wild disse que o quadril está "basicamente zero já", ou seja, bem o bastante fisicamente.

- Sobre o comportamento, uma declaração me preocupa: "Acho que eu lido bem com essas críticas. Não é uma coisa que eu gosto, ser chamado de 'o mimadinho', 'o arrogante' porque todo mundo gosta de me chamar assim, apesar de eu não achar que sou uma pessoa tão ruim como todo mundo fala. Se as pessoas quisessem me conhecer, poderiam ter uma opinião diferente, apesar de... Eu não vou ser o tipo de pessoa que vai querer mostrar que a opinião dela sobre mim está errada. Se ela estiver não estiver aberta a querer saber por si só, quem sou eu para mostrar que ela está errada?"

- Thiago fala isso como se fosse o tenista mais acessível do circuito. Várias pessoas se queixam (e eu já vi isso em torneios) que que ele nem sequer dá bom dia/boa tarde por onde passa. E mais: sua agente, Micky Lawler, da Octagon, não respondeu nenhuma das mensagens que enviei quando perguntei se Thiago se posicionaria após os relatos de sua ex-namorada. Nenhuma. Nem para responder "Thiago não vai falar." Ou seja, não é tão fácil assim "querer saber" sobre o paranaense como ele diz ao podcast.

- Para encerrar: é óbvio que o talento não deixou Wild. Mesmo nesta quinta-feira, em uma apresentação quase nada brilhante, o brasileiro deu flashes do tenista que pode ser. A sequência final do primeiro set, quando jogou solto (perdendo por 5/0), e o winner de bate-pronto no último game foram belos momentos. No nível ATP, contudo, é preciso mais. Mais físico, mais consistência, mais busca por soluções que vão além de winners lindos num tênis de baixa porcentagem.

- Som de hoje no meu Kuba Disco: Heat Waves (Glass Animals).

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