Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Gancho de Marcondes é alerta: faltam cobrança e autocrítica no tênis
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A Federação Internacional de Tênis (ITF) confirmou, nesta quarta-feira, a suspensão por três anos do tenista brasileiro Igor Marcondes, de 24 anos, atual número 265 do mundo e sexto mais bem ranqueado homem do país em simples. O paulista foi punido porque falhou três vezes ao informar sua localização no sistema Adams (Anti-Doping Administration & Management System). Quando alguém comete três erros no período de um ano, constitui-se uma infração prevista no regulamento antidopagem.
É uma punição rara no mundo porque trata-se de um sistema relativamente simples de usar. O atleta precisa informar sua localização durante uma hora do dia em cada dia. É necessário preencher o sistema com três meses de antecedência, mas é possível fazer alterações sem prazo mínimo. Ou seja, se surge uma viagem de última hora, é possível entrar no sistema hoje e informar onde você vai estar amanhã em um horário específico. A exigência existe para que a ITF possa realizar testes-surpresa e fora de competição, baseando-se no sistema para ir até o atleta sem aviso prévio.
Algumas coisas me preocupam no vídeo postado por Marcondes no Instagram (veja acima). Em um momento, o jovem fala que "por um erro bobo que cometi, são três anos". Em outro, diz que foi "pego de surpresa". Primeiro: não há nada de bobo em lidar com o regulamento antidoping. Esqueceu de atualizar o sistema uma vez? Ok, acontece. Duas vezes? Complica. Mas esquecer a terceira, depois de receber duas notificações anteriores? Não é um erro bobo, principalmente para quem já foi punido por doping (Marcondes cumpriu suspensão de nove meses em 2018 após testar positivo para hidroclorotiazida).
Também não cabe dizer que Marcondes foi surpreendido após duas notificações (a ITF descreve o processo inteiro aqui). De um atleta com histórico de suspensão por doping e duas notificações de falha ao informar sua localização, deveria esperar-se o estado de alerta máximo, e não foi o que aconteceu. Logo, a punição faz sentido.
A intenção deste texto aqui não é jogar Marcondes aos leões. Pelo contrário. O paulista e sua nova punição por doping são o resultado de um ambiente que contribui para isso. Não é por acaso que o tênis brasileiro teve nove casos de doping nos últimos dez anos. Não é coincidência que o maior talento masculino do país tenha passado dois anos estacionado no ranking. Não foi um acidente que deixou o Brasil sem um menino sequer nas chaves juvenis dos últimos dois slams. O ambiente inteiro conspira contra. Falta autocrítica. Falta cobrança.
Sobram tapinhas nas costas, sobram posts de "brilhou, monstro", mas falta, no fim das contas, senso de profissionalismo por toda a parte. Não é nem questão de culpar a Confederação Brasileira de Tênis (CBT), embora ela tenha sua fatia nessa pizza. Falta muito e em muitos âmbitos.
Enquanto sobra a "cultura do atalho" (expressão brilhante que Chico Costa usou nesta entrevista aqui), falta ensinar ao jovem profissional que o esporte é sua profissão de fato. Que não basta entrar na quadra e ganhar jogo. Tênis forma caráter, como bem lembrou Rogerinho, mas para isso temos que deixar de lado o velho "ele tem só X anos, vai amadurecer", e abraçar com força o "leve a sério todos aspectos da sua profissão."
Temos técnicos que parecem mais interessados em manter seu emprego do que em ter conversas duras e necessárias com seus atletas; jornalistas que chamam de planejamento o ato de preencher uma ficha de inscrição; ex-tenistas que fazem malabarismos com números para tentar explicar o inexplicável; jovens que postam diariamente fotos de treino físico e aparecem absurdamente fora de forma no maior torneio do país; gente do meio incapaz de corrigir uma atleta que se dizia inocentada enquanto cumpria dez meses de suspensão por doping; comentaristas que puxam saco e mandam abraços em vez de colocarem o dedo na ferida; treinadores que criticam colegas de profissão, mas não mostram um pingo de disposição de compartilhar informação; jogadores que voltam de gancho por doping premiados com wild cards (Marcondes foi um deles!); e campeões de slam realizados, inteligentes e milionários que preferem o silêncio a qualquer cobrança construtiva (ainda que barulhenta).
O sistema inteiro está contaminado, e ninguém faz muito para mudar o cenário. As críticas são feitas aos sussurros, nas catacumbas, nos rain delays da vida. Em público? Com um microfone na frente? De jeito nenhum! O egoísmo impera. Afinal, quem merece crítica hoje pode ser a galinha dos ovos de ouro do amanhã. E assim caminha o tênis brasileiro, naquele me-engana-que-eu-gosto que lembra o carioca de rede social: Arpoador no fim de tarde, fotinho do pôr do sol, hashtag-cidade-maravilhosa, hashtag-eu-moro-onde-os-outros-fazem-turismo. Às 22h, fura sinal vermelho com medo de assalto e "tá tudo bem, cidade grande é assim mesmo".
Pais, técnicos, tenistas profissionais, ex-tenistas, patrocinadores, imprensa... Todos têm seu papel nessa engrenagem. Se o treinador deixa de fazer parte de seu papel, todos perdem. Se o patrocinador deixa de cobrar, perde-se mais um pouco. Se a imprensa não escreve, mais um pouco se vai. Mas tudo bem. A gente faz malabarismo com um número aqui, se apega a uma campanha nas duplas ali e comemora a nossa top 10 que foi formada nos Estados Unidos porque, afinal, ela nasceu no mesmo país que a gente. No fim das contas, fica sempre tudo ótimo no churrascão da firma.
Obviamente, não há nada de revelador neste texto, caro leitor. Entre as pessoas que frequentam e/ou fazem o tênis brasileiro, nenhum dos parágrafos acima soará bombástico. A grande maioria sabe o que acontece e seus porquês. A questão que deixo é um tanto simples: é mais fácil continuar com os tapinhas nas costas e os "vamo lá, monstro!" das redes sociais? Ou cada um fazer uma autocrítica minimamente razoável e pensar no que precisa mudar? Vocês sabem a resposta, e ela não é animadora.
Coisas que eu acho que acho:
- Pra não esquecer, os casos recentes de doping no tênis brasileiro são:
09.12 - Romboli (furosemida e hidroclorotiazida) - 8 meses e meio
02.16 - Demoliner (hidroclorotiazida) - 3 meses
06.16 - Américo Lanzoni (norandrosterona) - 3 anos e 9 meses
06.16 - Yuri Andrade (metandienona e clembuterol) - 3 anos e 9 meses
07.18 - Bellucci doping (hidroclorotiazida) - 5 meses
09.18 - Marcondes (hidroclorotiazida) - 9 meses
07.19 - Bia Haddad (SARM S-22 e SARM LGD-4033) - 10 meses
11.19 - Camila Bossi (SARM S-22) - 6 meses (juvenil de 16 anos)
03.22 - Marcondes (whereabouts) - 3 anos (reincidente)
- Após a publicação deste texto, recebi dois lembretes que faço questão de incluir aqui. Aos nove casos de doping, é preciso adicionar que João Souza foi banido do esporte por envolvimento em um caso de manipulação de resultados. Seu ex-técnico Pertti Vesantera foi suspenso por três anos por quebrar regras do programa anticorrupção do tênis. Em outro caso, Diego Matos também foi banido do tênis por envolvimento em "múltiplos casos de manipulação de resultados". Obrigado ao jornalista Rubens Lisboa e ao leitor Hilmar Santos pelas lembranças.
- Ainda sobre Marcondes, mas não só sobre ele: quando um diretor de torneio dá um convite a um atleta que volta de punição por doping, a mensagem é clara. "Está tudo bem, você não fez nada de errado, toma aqui seu prêmio."
- Pouco mais de dois anos atrás, critiquei o Rio Open por aceitar fazer uma entrevista pós-jogo com o vencedor da partida sentado no banco - em vez de colocar-se de pé, no meio da quadra, onde a maior parte do público poderia vê-lo. Aquele vencedor foi Thiago Wild. Escrevi naquele dia que "a falta de ídolos faz com que muitos tenistas promissores sejam paparicados cedo demais - muitas vezes, por muito pouco." Todos sabemos o que aconteceu com o paranaense nos últimos dois anos. A Austrália mostra como se faz.
- Som de hoje no meu Kuba Disco: "The Writing on the Wall" (Iron Maiden)
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