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Perto do top 50 e cheia de confiança, Bia acredita em ganhar um slam já

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Colunista do UOL

01/04/2022 04h00

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Alguns anos atrás, mesmo quando vivia um grande momento carreira, em 2017, Beatriz Haddad Maia adotava um discurso conservador e pouco ambicioso. Ainda que estivesse no top 60 do ranking mundial, falava que entrava em qualquer torneio sem grandes expectativas. Não se considerava - ou, pelo menos, não admitia em público - no mesmo nível da elite do tênis.

Cinco anos e uma suspensão por doping depois, a paulista de 25 anos adota uma postura bem diferente. Depois de sair da última posição no ranking para o atual 62º posto, somando vitórias sobre tenistas de peso como Karolina Pliskova, Sofia Kenin e Maria Sakkari, incluindo um vice na chave de duplas do Australian Open, a número 1 do Brasil está cheia de confiança e nem tenta esconder isso.

A nova Bia, que está jogando o melhor tênis da carreira e se considera uma Bia mais realista, pensa grande, quer conquistar coisas grandes e fala para quem quiser ouvir: hoje, ela acredita que pode entrar em um slam como Roland Garros e sair de lá com o título.

Na conversa de meia hora que tivemos na última terça-feira, em evento do Instituto Rede Tênis Brasil (IRTB), em São Paulo, Bia falou sobre suas chances de ganhar algo grande e muito mais. Falou sobre seus dilemas internos, sua luta constante para deixar no passado uma Bia conservadora e a evolução mental que afeta inclusive seu aproveitamento de primeiros serviços. Falou também sobre a parceria com o técnico Rafael Paciaroni, sobre como estuda suas atuações (e as adversárias), e sobre como já se sente na elite: "Meu tênis está ali entre as 30 melhores do mundo." Leiam!

O que te deixa mais orgulhosa na sua volta? O ranking, estar fisicamente bem, estar bem bem de cabeça, ter feito uma final de Slam? O quê?
Hoje o que eu estou mais orgulhosa é de estar há tanto tempo sem me lesionar. Isso, para mim, é o meu objetivo número um. E muito orgulhosa da entrega minha e da minha equipe porque pouca gente tem noção do nosso trabalho, mas é muita entrega desde cedo. Muitas horas de entrega fora da quadra, muitas horas dentro da quadra, e os resultados, eles não acontecem, né? Uma final de grand slam e as semanas que eu estou tendo, eles não aconteceriam se não tivesse toda essa entrega, então tenho muito orgulho das pessoas que trabalham comigo, da minha família que está comigo, e do que eu faço. Acho que eu tenho muita força interna e sou uma pessoa muito resiliente, e tenho muito orgulho disso. Então acho que meu orgulho seria estar saudável e essa gratidão por todo mundo.

Fala um pouco para mim sobre a sua mudança de raquete. Você jogava com a Clash, que não é uma raquete pensada para profissionais. Lembro que o Sylvio Bastos me contou isso, e eu perguntei 'mas a Bia não joga com ela?', e ele respondeu 'a Bia é louca'. E você agora trocou para a Blade. O que essa troca te deu? Foi sua a iniciativa de trocar?
Na verdade, meu contrato com a Head, ali depois da suspensão, terminou, e aí eu provei algumas raquetes da Wilson e gostei. A Clash eu me identifiquei desde o começo. Eles tinham uma com cabeça mais fina, uma com a cabeça um pouquinho mais grossa, e eu conseguia ter as especificações muito parecidas com a minha que eu jogava da Head.

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Imagem: Getty Images
Você jogava com a Radical, né?
Sim. Então, para mim, não era uma mudança drástica, e eu consegui colocar as especificações muito parecidas. Era uma Clash com as informações - com o balanço e o peso muito parecidos com o que eu jogava, e eu sou uma pessoa que, não só com a raquete, mas com o ambiente, com o clima, com bola, com piso de quadra, eu me adapto muito fácil. Essa é uma qualidade minha, eu não sou uma pessoa supersticiosa, eu não sou uma pessoa que tem algum tipo de dependência de alguma pessoa ou objeto, e eu sempre me adaptei. E a partir do momento que eu achei que a Clash estava soltando um pouquinho de mais [a bola], eu provei outra e também gostei. Ali, para a Austrália, eu estava com as duas raquetes. Eu recebi as raquetes novas, gostei delas e comecei a jogar, então com certeza foi algo que eu mudei para melhor e estou me sentindo muito bem.

Uma vez, você falou para mim que o German Gaich, seu técnico anterior, foi muito bom para organizar seu tênis. O que o Rafael Paciaroni, seu atual técnico, trouxe para o seu tênis agora?
A minha cabeça hoje funciona diferente de quando eu trabalhava com o German, né? O German era um cara que trabalhou a minha base muito na forma argentina. Uma base sólida, de um treinamento com um pouco mais de volume. Um cara que estava vivendo aquilo tudo pela primeira vez comigo, então era muita entrega e, ao mesmo tempo, muita coisa intuitiva, né? Eu acho que o número um do Rafa, que basicamente é a base do nosso trabalho, é a consciência. Ele me deixa consciente de tudo o que a gente vem construindo. Tanto dentro da quadra, na forma como eu quero jogar, na forma como eu enxergo as coisas. Eu sendo protagonista da minha opinião, de parar para pensar nas informações que eu recebi, refletir se aquilo ali realmente faz sentido pra mim e não somente receber aquela informação e executar, né? Eu fiz isso por muito tempo na minha carreira. Ele é um cara extremamente profissional e organizado, então isso é uma coisa que me dá muita confiança, porque uma pessoa organizada e profissional te dá muita tranquilidade, né? A gente conversa também sobre outros assuntos, não somente tênis, então eu me sinto um ser humano perto dele no sentido de que a gente passa muito tempo fora da quadra juntos. A gente tem um ambiente muito bacana, então ele é um cara muito fácil de lidar no dia-a-dia. E, tenisticamente, ele faz eu mesma refletir e buscar a melhor forma da Bia em cada dia, com aquilo que eu tenho pra aquele momento. Ele é um cara muito sincero, muito verdadeiro, então, se um dia eu não estiver 100%, eu estiver 80%, a gente senta, conversa, e a gente vai trabalhar em cima daqueles 80%. Com certeza, transparência, consciência e verdade seriam três palavras que eu falaria dele.

Vocês começaram a trabalhar juntos quando? Foi pelo IRTB ou por acaso?
Ele estava viajando com Matheus [Pucinelli] e com o João [Lucas Reis] em Portugal, no ano passado, eu estava jogando um torneio com a Ingrid [Martins], e a gente se cruzou em Porto. Teve um torneio que era feminino e masculino, ele estava com os meninos, e eu ia ter uma semana de treinamento. Depois, eu ia para a Ilha da Madeira jogar o último torneio, e eu cruzei com ele, com o [Rodrigo] Urso, que é meu preparador físico atual e eu também não conhecia. Eu estava dirigindo, voltando pra casa, para o apartamento em que a gente ia ficar, e aí me deu uma luz, eu falei: "Poxa, ele tá indo pra casa, talvez se ele for voltar pra São Paulo, eu vou perguntar se tem a possibilidade de ele ficar essas duas semanas com a gente. E até então a Ingrid não conhecia ele, e meu fisioterapeuta, que estava com a gente, também não. Só que eu já estava num momento que eu já estava há quatro semanas, e eu já estava sentindo que eu precisava começar a pelo menos receber uma informação ou me organizar ou buscar alguma coisa. Ali foi pontualmente para aquelas duas semanas. A gente foi e treinou, eu gostei bastante já desde o começo, e a gente ganhou o torneio seguinte juntos. E aí ele me apresentou o IRTB porque trabalhava lá, e a gente tentou ver alguma forma de funcionar e que eu pudesse fazer parte do projeto também. E foi onde tudo começou, na verdade. Acho que a vida, ela às vezes faz a gente estar no lugar certo para encontrar a pessoa certa, para talvez aquilo ali dar certo. Então foi muito bacana encontrar ele.

Como é a troca entre vocês? Você chegou e falou 'Eu quero jogar assim' ou é uma coisa mais 'como você acha que eu devo jogar?' ?
Ele sempre acreditou muito nas minhas qualidades. Ele é um cara que tem a visão dele, mas ele sempre deixou a minha primeira pessoa e o que eu sinto e o que eu acho, o que eu reflito, ser a decisão final. Eu acho que tudo que a gente aprende fora a gente traz para a quadra para a gente tomar a melhor decisão ali, em poucos segundos. O Rafa é um cara que me deixa muito à vontade e segura para tomar essas decisões, para ter certeza de que a gente está fazendo tudo certo e que naquele momento, naquele 30 iguais, você precisa ter pronto e saber o que é a tua essência, o que é a tua base, aquilo que te dá confiança nos momentos importantes. Então desde o começo ele sempre me ouviu muito, nunca impôs nada, nunca exigiu jogar de alguma forma. O que ele faz, sim, é eu refletir, eu enxergar o tênis de uma forma agressiva, com pensamento menos conservador, menos passivo, mais ativo. Ele desperta esse lado de buscar cada vez mais a rede, de buscar nos momentos de mais vantagem, fazer uma coisa diferente, surpreender. Por que não bloquear uma devolução, usar mais variações? Ele é um cara que, ao mesmo tempo, me escuta, mas me tira da minha zona de conforto.

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Imagem: Getty Images
Você chegou na parte da agressividade que eu queria chegar. Porque eu leio frases que estão nos releases e fico imaginando o que que você está pensando ali, e agora eu quero tirar essas dúvidas minhas. Tem uma frase em que antes de ir pra Austrália você fala: 'Acho que cada vez mais eu e a minha equipe estamos entendendo que é Bia contra Bia, não Bia contra as outras meninas.' Que parte é Bia contra Bia? Qual é a Bia boa, qual é a Bia ruim?
A Bia contra a Bia sou eu controlando aquilo que está no meu controle, sou eu sabendo que se eu sei que o meu toss está para a esquerda e meu saque está a 100 mph, eu sei que meu toss pode estar um pouco mais na frente, e eu posso sacar a 120 mph, né? Eu sei que quando eu estou mais acelerada, eu tenho que baixar e segurar, ir na toalha. Eu sei que quando está 6/2 e 2/0, por exemplo, é o momento de eu ir para cima, e não da outra jogar tênis, então tem muita coisa no jogo que está no nosso controle e que às vezes eu olho muito para o outro lado. Eu olho que eu estou jogando contra a Muguruza, eu olho que eu tô jogando contra a Pliskova, e naquele momento eu não tenho que fazer nada a mais do que eu já faço. Então, quando sou eu contra eu mesma, é chegar nesses momentos grandes, momentos que em algumas vezes que aconteceram na minha carreira eu olhei pra cima e não olhei para a frente? É eu realmente olhar para dentro, confiar e saber que as decisões que eu tomar, aquele tênis que eu jogo, se eu fizer o que eu tiver que fazer, o caminho é mais fácil, e eu posso ter mais chance de ganhar. Se eu entrar na quadra olhando para o outro lado, se eu entrar na quadra pensando no saque da Pliskova, ou no físico da Sakkari, eu não vou jogar contra elas, eu vou ficar naquela fantasia que a gente cria. Então eu contra eu mesma é isso: é eu cada vez mais ser convicta de mim, ser convicta do que eu quero para mim e de quem eu sou, não me espelhar e querer ser alguém que eu não sou. Então isso pra mim é eu contra mim mesmo.

Tem uma Bia que de vez em quando ainda desvia um pouquinho? Acho que foi isso que você falou esta semana agora, depois da derrota em Miami. Você falou que quando abriu ali a vantagem?
É, foi isso! 6/2, 2/0 e eu saquei a 100 mph! E ali estava no meu controle. O saque, a bola está na minha mão. O jogo estava na minha mão, e eu deixei escorregar. E eu acho que uma das coisas legais do meu trabalho até voltando a falar do Rafa, é a gente assumir que a gente é humano. Assumir as nossas fragilidades, assumir nossos erros, nosso medo para a gente se tornar mais forte, né? Assumir isso nos torna mais fortes. E não querer blindar isso porque senão o trabalho está sendo feito de olho fechado, né? Você não falar a verdade, você não ser verdadeira com você mesma e com as pessoas, você só se pressiona. Uma coisa que eu aprendi é tentar ser sincera e tentar ser verdadeira. Eu não tenho problema em falar que realmente eu fiquei ansiosa e que a minha cabeça foi para o futuro, e eu senti ali o momento, e a menina melhorou e depois foi mérito dela.

Acho muito legal isso. Acho que esse amadurecimento como pessoa ajuda muito o atleta, principalmente no tênis que tem essa coisa de precisar lidar com as suas dificuldades e encontrar soluções durante o jogo.
Eu não teria conseguido dar a volta por cima e fazer tudo o que eu fiz, principalmente depois da suspensão, se eu não tivesse me escutado, se eu não tivesse me blindado, se eu não tivesse cuidado de mim. Se eu ficasse escutando muito os outros e me espelhado e realmente ouvisse que eu não fosse capaz, ia ser impossível. Impossível se eu não olhasse pra dentro, então isso é algo pra mim que eu tenho muito certo.

Depois de ganhar da Sakkari, você fala 'tenho dois grandes objetivos este ano: um é ser mais agressiva e ir para a rede e jogar grande para ser uma jogadora grande'. Adorei essa frase. E na outra parte, você fala assim: 'o outro ponto é jogar cada vez mais contra a Bia e não contra quem está do outro lado da quadra.' Acho que você acabou de explicar isso, mas quando eu li, me preocupou porque passou a impressão de que quando você fala demais em você, deixa de lado a questão de ver o que a adversária está fazendo taticamente falando. Não é o caso, né?
Não, eu estudo os jogos e tenho tudo muito claro. Eu sei de tudo que faço na quadra, desde quando eu estou jogando curto, quando eu tenho que ir para a rede e eu não estou indo, quando eu tenho que usar mais a paralela e não estou usando... Às vezes eu não executo, às vezes eu não estou disciplinada taticamente, mas eu sei que eu não estou. É muito difícil eu não estar consciente. Eu tenho muita visão de jogo, e eu estudo muito antes dos jogos. Para mim, é que nem quando você vai para uma guerra. Se você não estudou o ambiente que está indo, você vai perder a guerra. É a mesma coisa num jogo de tênis, né? É igual à vida, então eu sempre me preocupei, sempre cuidei disso. É algo muito claro para mim que eu tenho que saber onde eu estou indo, sabe?

O que é esse estudo? É ver VT, é ver partida?
Tudo. A gente conhece muito as meninas porque a gente sempre treinou juntas. Hoje, na internet, você tem as estatísticas, você tem números, você tem vídeos, então consigo me assistir, consigo assistir às outras. Muitas vezes eu me assisto porque eu acredito muito que se eu faço a minha parte, é muito difícil para quem está do outro lado. Realmente, eu tenho muita qualidade, então cada vez mais eu tento olhar eu jogando e não elas, e aí eu pego ali dois-três pontos que eu acho importantes ou relevantes, converso com o Rafa, e a gente leva pra lá, mas o resto é sobre Bia.

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Imagem: Getty Images
Teve um release depois que você ganhou da Sofia Kenin em que você disse que não estava satisfeita porque você não jogou agressivamente como deveria ter jogado. E a minha questão é a seguinte: era um jogo que eu estava adorando você não estar atacando, porque ela estava errando demais, então 'ah, deixa ela se matar'. Mas também tem aquele jogo que você, de repente, para de atacar e outra menina começa a acertar. Foi o que aconteceu, por exemplo, ano passado, contra a Diane Parry. No terceiro, você teve uma quebra de frente, mas deixou ela atacar, e ela começou a acertar mais e fechou o jogo. Como que é essa análise? É difícil de fazer porque...
Ganhar com a outra errando, e também perder com a outra acertando porque você tá sendo mais sólida, mas ela tá vindo para cima.

É! Porque acho que, de repente, o resultado até polui o julgamento da coisa...
Na verdade é porque assim: as pessoas fazem avaliação em cima de dois jogos, mas por exemplo, eu ganhei da Sofia Kenin, uma campeã de grand slam, mas aquele tênis que eu apresentei lá, eu nunca vou ganhar um grand slam. Eu vou ganhar da Sofia Kenin naquele dia, mas eu não estou me preparando pra ser 20 do mundo, pra ser 10 do mundo e pra talvez ganhar um grand slam. Quando eu jogo com a Parry passando bola, e ela vem pra cima, eu estou fazendo a mesma coisa, só que eu não estou me enganando porque a Sofia Kenin está errando e a Parry não está errando. Eu não quero ganhar de jogador errando, eu quero ganhar de jogadora porque eu estou indo lá, fazendo o meu tênis e jogando e propondo o jogo. Porque quando chegar na segunda rodada, eu vou ter que propor. Se eu chegar na terceira, eu vou ter que propor. Nas quartas, na semi e na final. Então pra mim é muito claro: ganha hoje no tênis quem é mais agressivo. Claro que não dá pra ser um kamikaze e chegar dando porrada em todas as bolas, mas é muito difícil uma pessoa conseguir se sustentar no topo? Eu tô falando do topo, não para manter onde eu estou hoje, não para manter top 100. Se eu quiser me manter no top 100, ser uma jogadora mais conservadora, mais sólida, tranquilo. Mas o meu sonho?

Você está pensando grande...
Eu penso grande! Eu penso que, puxa, para ganhar na mesma semana da Halep, da Pliskova, da Madison Keys, da Badosa, da Kasatkina, da Kenin, da Pliskova ou todas as Ovas, não dá pra jogar sendo conservadora, então o que eu penso é grande, por isso que eu faço isso.

Sobre o seu saque: no ano passado, você jogou quase sempre com uma porcentagem muito alta de primeiro serviço, mas não ganhando tantos pontos com o saque. Ganhava nos ralis, mas não ganhava ponto de graça. E comparando essa porcentagem com o top 50, a sua porcentagem de colocar a bola em jogo era mais alta, mas você ganhava menos pontos. Acho que ficava em 50-60%, quando a maioria do top 30 ficava na casa dos 60-70%. Isso era pensado por você? Você não queria sacar tão forte?
Não, ano passado meu saque estava bem abaixo do que está este ano.

Mas por quê?
Eu melhorei muito tecnicamente. Eu não sacava kick. Hoje, eu saco muito kick. Hoje, eu tenho a opção de slice. Hoje, o meu chapado, se eu quiser sacar a 185 kmh, eu saco. Então tecnicamente eu estou muito melhor, e a minha mentalidade com o saque está muito melhor. Antes eu lidava com a dupla falta? Pra mim, dar uma dupla falta, às vezes duas duplas falta, era um terror, então eu jogava com o primeiro para não dar dupla falta. Só que para eu fazer coisa grande, eu tenho que ganhar ponto com o saque. Hoje você olha os grandes sacadores... Cara, eles pregam o saque. Por mais que eles deem uma ou duas duplas faltas, eles ganham quatro pontos com o saque, então a conta é muito melhor. Então a dupla falta parou de me assustar. Eu dou dupla falta, então tudo bem, dupla falta. Aí eu vou lá e ganho dois pontos com o saque. Então a conta é muito melhor quando você muda essa mentalidade, que é uma das coisas que o Rafa trabalha comigo, a mentalidade de sacadora. Que eu vejo no circuito que quem hoje saca tem muita vantagem.

Inclusive este ano esses números seus de porcentagem estão invertendo e ficando mais parecidos com os das tops. Sua porcentagem de primeiro saque está mais baixa, só que você está ganhando mais pontos.
Estou ganhando mais pontos com o saque. Essa é a ideia mesmo, ser mais agressiva com o saque.

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Uma coisa que você falava já no ano passado era que você sabia o que precisava melhorar e que estava trabalhando pra isso. E hoje, o que você quer melhorar mais?
Hoje, o que eu quero melhorar é enfrentar o meu conservadorismo. É chegar nos momentos que o jogo pedir, que eu estiver no placar e que eu souber que ali o meu emocional está tomando conta, é ser racional, enfrentar o momento que eu pensar um pouco mais passiva, um pouco mais emotiva, e fazer o que eu tenho que fazer. É sair da quadra com aquela sensação de que 'cara, o que estava no meu controle, eu deixei tudo na quadra'. Então é mental mesmo. E cada vez mais buscando a bola, né? Quando eu apoio e pego a bola, hoje eu tenho muita qualidade. Minha bola não deve a nenhuma bola de nenhuma outra menina. Não sei quais delas pegariam até mais forte ou teriam mais qualidade e mais armas de jogo. Além de tudo, eu sou canhota. Então eu colocaria mais essa condução mental mesmo.

Tecnicamente, você se sente no nível top já?
Eu sempre posso melhorar, mas eu me vejo tecnicamente e tenisticamente... O meu tênis está ali nas 30 melhores do mundo. A minha cabeça e a minha condução mental vão me levar aonde eu conduzir elas, né? Então, tenisticamente eu vejo eu fazendo coisas muito boas dentro da quadra, principalmente nos treinos. Eu ainda não joguei o que eu treinei, né? Agora, a minha intenção é jogar o que eu venho treinando.

Eu lembro que alguns anos atrás você tinha um discurso muito de diminuir expectativa, de não puxar pressão pra você? Você mudou essa postura, ou eu estou enganado?
Não, hoje eu sou mais realista. Eu acho que você ser brasileiro, você já tem uma expectativa muito alta por ser Brasileiro, né? Por exemplo, em Miami eu joguei, joguei contra a Badosa, Joguei contra a Sabalenka, contra a própria Sakkari, e tinha muito mais gente torcendo pra mim naquele jogo. Então o brasileiro já cria uma expectativa muito grande em cima de mim, em cima de poucos jogadores que a gente teve no topo representando, né? É um país muito grande, é um país que depende muito de resultado, e sempre foi o ambiente que eu fui inserida. Eu cresci em São Paulo, eu cresci nos clubes, eu cresci com todo mundo me colocando como uma promessa do tênis feminino, então eu sempre tive muita expectativa e muita pressão dentro de mim, né? Então eu acho que era uma forma até de eu conseguir...

Se proteger?
Me proteger. Só que eu acho que você ser verdadeira, você ser sincera, você colocar o pé no chão e falar: 'Cara, onde eu tô? Realmente, hoje eu posso ganhar um 250, eu posso.' Então quando eu vou pra um 250, eu vou porque eu acredito que eu posso ganhar um 250. Então hoje se eu tiver saudável, se eu tiver com as coisas claras, se eu tiver com as pessoas certas, eu acredito no meu tênis, eu acredito nas coisas grandes que eu posso fazer. Não é a toa que eu estou tendo boas semanas, então quando eu falo de expectativa, quando eu falo de metas, eu tenho os pés no chão. O tênis é um esporte que depende de ponto, depende de ranking, depende do outro às vezes subir e descer, mas o que está no meu controle, aos poucos, eu tenho muita ciência: eu não me coloco nem acima nem abaixo. Hoje eu sou realista.

Hoje você acredita que pode entrar num slam, talvez em Roland Garros e ser campeã?
Eu acredito! O circuito, ele é muito aberto. Ele tem ali 20 meninas que são o primeiro pelotão, que são meninas que realmente tenisticamente e mentalmente elas são acima...

E até nesse nível tem oscilação.
Tem. Mas ali da 30 do mundo até a 80 do mundo, é muito, muito parecido. Tanto que agora, em Indian Wells, acho que das top tem duas cabeças só que estão nas oitavas de final. E muitas vezes você entra na quadra, tem uma 10 do mundo e uma 80 do mundo, e você às vezes não sabe quem é a 80 e quem é a 10. O nível é muito parecido, e isso me faz acreditar muito em mim, faz eu ter certeza de que eu estou fazendo coisas boas e que se eu seguir fazendo o meu trabalho, uma hora eu vou criar oportunidade para acontecer.

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