Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Laura Pigossi e o tripé de fé, trabalho e autoconhecimento
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Até a semana passada, Laura Pigossi não tinha no currículo uma vitória de nível WTA em simples. A paulista de 27 anos, aliás, nunca havia disputado uma chave principal em torneios desse nível fora do Brasil. Ocupava a 212ª posição no ranking mundial e vinha se recuperando aos poucos depois de abrir a temporada com cinco derrotas consecutivas.
Hoje, Laura é a #126 do mundo, o melhor ranking da vida. Vai poder disputar com mais frequência torneios desse nível, está garantida como cabeça de chave nos qualis dos slams e, com um pouco de sorte, pode até entrar nos quatro maiores torneios do planeta (Australian Open, Roland Garros, Wimbledon e US Open) sem precisar jogar o torneio de acesso.
O salto veio após uma campanha espetacular para seus padrões no WTA 250 de Bogotá. Após salvar um match point em sua estreia no qualifying, a paulista não só venceu sua primeira partida de nível WTA em chaves principais como foi mais longe. Nas quartas de final, bateu a ex-top 30 Dayana Yastremska após salvar mais três match points. Nas semis, superou a cabeça de chave 1, Maria Camila Osorio, #33 do mundo (que jogou lesionada, é verdade). Só na final é que Laura acabou superada pela veterana alemã Tatjana Maria (#237), que fez 6/3, 4/6 e 6/2 em uma partida cheia de drama e pontos intermináveis.
Como Laura conseguiu tanto no mesmo torneio em que a compatriota mais famosa Bia Haddad Maia era a cabeça de chave 2 e acabou tombando na segunda rodada? A explicação começa pelas peculiaridades do evento colombiano, jogado na altitude (2.640m acima do nível do mar), onde é mais difícil controlar a bolinha. É um WTA que costuma ser mais fraco do que a maioria e, portanto, pode proporcionar resultados inesperados.
Tênis é um esporte peculiar, individual e sem conversas com o técnico na beira da quadra. O atleta tem que trilhar seu caminho sozinho, e isso inclui encontrar um equilíbrio dos mais difíceis: acreditar que é possível superar obstáculos aparentemente intransponíveis e, ao mesmo tempo, conhecer suas qualidades e pontos fracos. Muito receio costuma ser ingrediente frequente nas derrotas. Confiança além da conta também resulta em tombos indesejados. Laura, em Bogotá, encontrou esse balanço.
Laura levou para a quadra a postura de sempre acreditar - a mesma que lhe acompanhou na campanha do bronze em Tóquio - mas entendeu que não podia passar do ponto. A vitória contra Yastremska foi o melhor exemplo. A brasileira sai de quadra dizendo que "a palavra-chave foi acreditar", mas também aponta que, ao começar o duelo, sabia que "o jogo seria os winners dela contra as minhas pernas, e eu ia ter que aceitar que ia tomar muito winner. Ela ia me fazer sentir que eu não ia conseguir comandar o jogo. Mas tudo bem, eu precisava aceitar isso para poder ganhar."
Laura jamais tentou entrar na pancadaria contra Yastremska. Fez o seu, foi recompensada com os três match points salvos e avançou. Na semi contra Osorio, fez o mesmo. Viu uma rival superior lesionada e entendeu que precisava tentar deslocá-la, mas sem ser kamikaze. Fez isso e conquistou mais uma vitória suada, ainda que em "apenas" dois sets, que lhe valeu a vaga na final.
Que ninguém espere que agora, como #126 do mundo, Laura comece a distribuir dezenas de aces ou disparar pancadas incontroláveis do fundo de quadra. Não foi isso que colocou a paulista entre as 130 melhores do mundo e não será isso que lhe fará dar outro salto. Não é sua essência. Hoje, Laura ergue-se sobre um tripé de fé, trabalho e autoconhecimento, e isso é mais do que a maioria do mundo do tênis pode afirmar. É um exemplo que cada jovem brasileira em começo de carreira pode olhar e aprender.
Parabéns e obrigado, Laura.
Coisas que eu acho que acho:
- Quando conversamos em dezembro, Laura falou sobre autoconhecimento e o tipo de tenista que tenta ser: "A maneira que eu treino e a maneira que meu treinador quer que eu jogue é assim: é muita intensidade, é sempre uma bola a mais, é esgotar as adversárias com essa intensidade e com esse físico. Você quer ganhar de mim? Tá bom, você vai ter que jogar três horas e meia. É isso que ele quer. Que eu seja aquela tenista que as pessoas olhem e falem 'vou jogar com ela? Putz! Posso ganhar, mas vou terminar morta.' Então esse é o jeito que ele quer que as pessoas me vejam."
- A entrevista inteira está aqui. Recomendo bastante a leitura!
- Som de hoje no meu Kuba Disco: Lose Yourself (Eminem)
- Esse texto deveria ter ido ao ar na manhã de segunda, mas alguns compromissos me impediram de publicá-lo antes. Nem sempre dá para escrever no momento mais adequado.
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