Topo

Saque e Voleio

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O delicioso Igocentrismo do circuito feminino

Reuters
Imagem: Reuters

Colunista do UOL

07/06/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

No último domingo, enquanto lia perguntas enviadas pelos apoiadores do blog, esbarrei na seguinte questão enviada pelo Johnny Garbin, leitor de longa data:

"O que uma tenista adversária precisa ser/ter pra conseguir derrotar a Iga!?"

Obviamente, não há nada de errado com a pergunta, mas enquanto fazia uma listinha mental de requisitos, me peguei pensando em 15/16 anos atrás, quando comecei a cobrir tênis pelo diário "Lance!". Numa segunda-feira qualquer, um editor me pediu que falasse com quatro ou cinco especialistas ou ex-tenistas e perguntasse o seguinte: "O que é preciso para derrotar Roger Federer?"

Estávamos, é claro, no auge da Era Federer, em 2006, aquela temporada obscena em que o suíço venceu 92 jogos e sofreu apenas cinco derrotas. Conquistou três slams (12 títulos no total) e só não fechou o Grand Slam de calendário porque havia um certo espanhol em ascensão e que se mostrava um tanto difícil de bater em Roland Garros. E fizemos, nas rodinhas de bate-papo, essa pergunta pelo menos 12 vezes. Como bater Roger Federer?

Iga não está nesse patamar (ainda?), evidentemente. Sim, a polonesa já é a número 1 do mundo e venceu 35 partidas em sequência, ganhando quatro WTAs 1000 (Doha, Indian Wells, Miami e Roma), um 500 (Stuttgart) e, agora, um slam (Roland Garros). No tênis feminino, o número 35 significa a maior sequência de vitórias do século (igualando Venus Williams em 2000). Porém, por mais absurdo que soe, ainda é cedo, e Iga precisa de muito mais para se estabelecer na mesma prateleira de Federer - ou, no caso do tênis feminino, Serena Williams. Não a Serena dos últimos cinco anos, mas "aquela" Serena.

Depois que a americana conquistou o Australian Open grávida da filha Alexis Olympia e afastou-se das quadras para dar à luz, o circuito feminino passou por períodos diferentes, mas sem hegemonia. Em 2017, Angelique Kerber, Karolina Pliskova, Garbiñe Muguruza e Simona Halep estiveram no topo do ranking. Em 2018, Caroline Wozniacki também ocupou o trono rapidinho antes de devolvê-lo à romena. Em 2019, veio Naomi Osaka, que parecia rumar para ser uma força dominante, mas motivos dentro e fora de quadra impediram isso. Ashleigh Barty foi número 1 também em 2019, atravessou a pandemia e ficou lá até abril deste ano, quando resolveu se aposentar como dona dos títulos de Wimbledon e do Australian Open. Sem Barty, a liderança do ranking foi herdada por Iga.

Eis, portanto, a maior das ironias: a número 1 que não chegou lá ultrapassando alguém é a que mais faz por merecer a posição desde o domínio de Serena. Desde que foi colocada no topo, Swiatek não perdeu um jogo sequer. Não perdeu nenhum set nas finais que disputou. Confirmou um favoritismo gigante em Roland Garros quase sem dar sinais de ansiedade, nervosismo ou peso sobre os ombros. Isso tudo ainda não coloca Iga no nível das gigantes, mas certamente a coloca em uma prateleira bastante acima de suas contemporâneas.

A parte mais saborosa de acompanhar o domínio de Iga é ver sua simplicidade, tanto na quadra quanto nas salas de entrevistas, nas sessões de fotos e nos bastidores das gravações para todo tipo de produção (divirta-se com o vídeo abaixo). A jovem de 21 anos é querida pelas colegas de circuito e, como escrevi no texto de ontem sobre o Nadalismo, segue à risca a fórmula do sucesso de seu ídolo: trabalho duro, força mental e respeito às adversárias, aos árbitros e aos fãs.

Dentro da quadra, sua versatilidade é igualmente deliciosa. Diferentemente de quando venceu Roland Garros em 2020, hoje Iga tem bola para enfrentar o porradobol das melhores porradeiras do circuito, mas seu tênis tem muito mais: spin, curtinhas, anguladas, slices, ataque, defesa, mudanças de direção, etc. Embora nem sempre precise usá-los, Iga tem plano B, C e D.

O mais encantador para mim, porém, é ver que seus golpes sempre têm propósito. Iga não bate na bola por bater - nem pelo prazer de bater mais forte que as oponentes. Quando ela está em quadra, é fácil notar sua intenção, seja construir um ponto ou destruí-lo. Cada golpe tem um objetivo claro, e isso, demasiado simples em tese, não é tão comum no tênis (e não falo só do feminino). E é por isso, por tudo isso, que fazemos como o Johnny e nos perguntamos: "o que é preciso para derrotar Iga Swiatek?"

Iga não é imbatível (como Federer nunca foi), mas vê-la construir seu caminho até as vitórias é saboroso (como sempre foi com Federer). E enquanto suas contemporâneas têm problemas para conquistar grandes resultados em sequência, a tendência é que, mesmo ao fim da série atual, o circuito feminino continue sobre este período de Igocentrismo. Um delicioso Igocentrismo.

Coisas que eu acho que acho:

- A cobertura do bolo? O discurso de Iga citando a Ucrânia e a situação no país do Leste Europeu (veja acima). A polonesa foi aplaudida de pé e por mais tempo do qualquer um de seus pontos durante a final. Porque ainda há coisas muito mais importantes do que um torneio de tênis e um troféu.

- Som de hoje no meu Kuba Disco: I Ain't Worried, do OneRepublic, porque um pouquinho de pop americano não faz mal a ninguém e também porque "no stressing, just obsessing with sealing the deal / I'll take it in and let it go."

.

Quer saber mais? Conheça o programa de financiamento coletivo do Saque e Voleio e torne-se um apoiador. Com pelo menos R$ 15 mensais, apoiadores têm acesso a conteúdo exclusivo (newsletter, podcast e Saque e Voleio TV), lives restritas a apoiadores, além de ingresso em grupo de bate-papo no Telegram, participação no Circuito dos Palpitões e promoções imperdíveis como esta.

Acompanhe o Saque e Voleio no Twitter, no Facebook e no Instagram.