Topo

Saque e Voleio

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Carlos Alcaraz decolou sem deixar terra firme

Reuters
Imagem: Reuters

Colunista do UOL

12/09/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Há algo de poético e profético ao lembrar da cerimônia de premiação do Rio Open, mais especificamente o momento em que o DJ escolheu Gonna Fly Now (o famoso tema de Rocky) para embalar o momento de coroação de Carlos Alcaraz na Cidade Maravilhosa. Até aquele domingo, então com 18 anos, o garotão tinha no currículo apenas um título de ATP 250. O Rio era somente seu primeiro 500.

Como diz a música, Carlitos voou desde então. No mês seguinte, em Miami, conquistou seu primeiro Masters 1000. Em abril, venceu o fortíssimo 500 de Barcelona. Em maio, bateu Nadal e Djokovic em dias consecutivos e levantou o troféu do Masters 1000 de Madri. Agora, três meses depois, vieram o US Open e a liderança do ranking de uma vez só. Aos 19 anos e 4 meses, é o número 1 do mundo mais jovem da história do tênis masculino.

Um número 1 que sempre sonhou com isso, mas que sobretudo nunca evitou falar isso publicamente. Jamais negou acreditar em seu potencial. E mais do que isso: sempre falou de seus sonhos e objetivos sem um pingo de arrogância ou soberba e com um sorriso no rosto. "[Quero] Ser número 1 do mundo, campeão de grand slams e vencedor de medalhas olímpicas. Sou um rapaz que pensa grande." Ouça abaixo, no episódio final da segunda temporada do Podcast Rio Open, esta e outras ótimas declarações daquele dia a partir da marca de 8'45".

Técnico e pai em sintonia

Fast forward para 11 de setembro de 2022, logo após a vitória sobre Casper Ruud em Flushing Meadows. Juan Carlos Ferrero, técnico de Alcaraz, entra na sala de coletivas. Duas declarações se destacam. Primeiro, o ex-rival de Guga declara que "[Alcaraz] é o que se mostra ser. Não tem segunda personalidade. Ele se mostra com muita personalidade quando escuta algo que não gosta - que quase sempre sou eu - mas aprende. Ele pode não gostar e reagir, mas aprende. Em quadra, muitas vezes vemos ele reagir a coisas que ele não gosta, mas reage. É um rapaz muito simples e humilde. Obviamente, é preciso trabalhar para que continue sendo assim porque essas mudanças tão radicais nunca são fáceis, mas eu, por ter passado por isso, acho que posso lhe aconselhar muito bem para que siga em frente. E, como sempre digo, tem uma família espetacular, que lhe ajuda muitíssimo a estar com os pés no chão. Seu pai, depois de acabar de ganhar o jogo, me disse 'agora temos que fazê-lo cumprir suas obrigações e ter os pés no chão'. Logo agora, depois de ser campeão. É muito significativo. O pai sabe perfeitamente o que é preciso fazer."

Só 60% do potencial

Ferrero também disse que Alcaraz ainda tem muito a melhorar e que hoje está em cerca de 60% do seu potencial. Onde estão os 40%? "Muitas coisas. A devolução tem que melhorar, o saque tem que melhorar, o backhand, em algumas ocasiões, também, a consistência... Tentar não se perder mentalmente em certos momentos, ainda que isso dure só um par de games, mas são pequenos detalhes que acho que enquanto um tenista não se aposenta, tem que tentar melhorar e reduzir os pontos fracos que todos jogadores temos. Ninguém é perfeito, e Carlos tampouco. Sempre terá seus pequenos fracos, que são os que ele realmente tem que saber e trabalhar."

'Estou com Juan Carlos'

Na coletiva imediatamente seguinte, perguntaram a Alcaraz sobre os tais 40%, e a resposta mostra a sintonia entre tenista e técnico: "Estou com Juan Carlos [concordando]. Ainda tenho muito a melhorar. O grand slam e o número 1 chegaram muito rápido, mas não quer dizer que vou estagnar e não haja o que melhorar. Como já disse em uma ocasião, o Big Three foi evoluindo ao longo dos anos. Sempre há algo a melhorar."

Em uma pergunta sobre uma comparação com o Big Three, Alcaraz listou o que precisa melhorar para chegar ao nível de Nadal, Djokovic e Federer: "Um monte! Mentalidade, tênis, físico... Tenho muito a melhorar em todas as partes. É preciso seguir evoluindo, não posso estagnar. Conseguir um slam e o número 1 não significa que eu possa ficar na zona de conforto, sem melhorar. Quanto mais você ganha, mais trabalho tem que fazer para se manter."

Coisas que eu acho que acho:

- Frases podem ser só palavras ao vento. Dependendo de quem as pronuncia, não dizem muito. No caso de Alcaraz e Ferrero, é difícil não levá-las a sério. Basta observar o que os dois fizeram juntos. Basta ver como alcançaram seus objetivos. Não consigo imaginar a dupla mudando seu jeito de pensar e/ou trabalhar. E isso deve assustar um bocado o resto do circuito.

- Minha maior curiosidade no momento é saber o quanto Alcaraz vai interferir na corrida de Rafael Nadal e Novak Djokovic, que brigam torneio a torneio pelo título de maior campeão de slams da história do tênis masculino. Será que o garotão vai derrubar seu compatriota ou o sérvio em alguns dos próximos slams?

- O ranking é o que é e não há por que contestar os méritos de Alcaraz ao alcançar posto de número 1 do mundo. No entanto, reforço aqui as palavras de João Victor Araripe, que escreveu aqui no Saque e Voleio na sexta-feira: Alcaraz no topo do ranking nesta segunda diz um bocado sobre o momento do Big 3 e como será o pós Nadal-Djokovic-Federer. Carlitos tem 6.740 pontos, menos do que Thiem, Zverev e Tsitsipas já somaram em certos momentos dos últimos anos. Nenhum deles, porém, foi número 1 do mundo justamente porque Djokovic e Nadal sempre se mantiveram com pontuação altíssima. Não é o caso hoje, e o pós-Big 3 deve colocar o tênis masculino de volta à "normalidade", com mais atletas brigando pelo título de slams e se revezando nas primeiras posições do ranking.

- A não ser, é claro, que Alcaraz se transforme em alguém muito acima do resto nos próximos anos (meses?), mas isso vai depender dos tais 40%...

- Som de hoje no meu Kuba Disco: Icarus, dos britânicos da Bastille, que fez um showzaço em São Paulo no último sábado. Porque "Icarus is flying too close to the sun, and Icarus' life it has only just begun." Soa propício, não?

.

Quer saber mais? Conheça o programa de financiamento coletivo do Saque e Voleio e torne-se um apoiador. Com pelo menos R$ 15 mensais, apoiadores têm acesso a conteúdo exclusivo, como podcast semanal, lives restritas a apoiadores, áudios exclusivos e de entrevistas coletivas pelo mundo, além de ingresso em grupo de bate-papo no Telegram, participação no Circuito dos Palpitões e promoções.

Acompanhe o Saque e Voleio no Twitter, no Facebook e no Instagram.