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Reflexões semissóbrias no pós-despedida de Roger Federer

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Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

25/09/2022 04h00

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Passada a metafórica ressaca da última partida de Roger Federer como tenista profissional, cabe fazer algumas observações sobre o que aconteceu na última sexta-feira, em Londres, no primeiro dia da Laver Cup.

Primeiro, evidentemente, é preciso tecer mais elogios ao suíço, o dono da festa. Por tudo que foi dito (e não dito) sobre sua lesão, é justo acreditar que Federer não tinha mais condições de competir dignamente. Não no nível que nos acostumamos a ver. Certamente, não no nível que ele mesmo gostaria.

A opção pelo adeus na Laver Cup, onde seria possível fazer só uma partida - e de duplas - mostrou-se uma ótima decisão. Federer pôde competir sem deixar suas limitações visíveis demais e, no fim, fez uma bela apresentação. Disparou aces, mostrou sua habilidade junto à rede e foi competitivo mesmo ao lado de um Rafa esforçado, mas também lesionado e destreinado.

Foi bacana, sobretudo, vê-lo feliz em quadra. Federer jogou a full, sim, mas não se pressionou para vencer como teria feito em outras ocasiões. Curtiu erros e acertos, riu e sorriu com Rafa e, no fim, recebeu a merecida homenagem. Como sempre escrevo, este tipo de evento, quando o atleta anuncia sua despedida antes de entrar em quadra, deixa de ser uma "mera" competição para ser uma celebração da carreira da pessoa. No caso de Roger, uma das maiores carreiras que o esporte (não só o tênis) já viu.

Com o microfone nas mãos, entre lágrimas e sorrisos, Federer foi igualmente brilhante. Agradeceu aos companheiros de time, mas sobretudo à família. Soltou uma frase linda sobre sua esposa, Mirka, que poderia tê-lo impedido de jogar muitos anos atrás, mas seguiu incentivando mesmo tendo quatro filhos para cuidar. Foi... especial (veja a cerimônia toda no vídeo abaixo).

Nadal: brilhante e no sacrifício

Rafael Nadal merece todos elogios possíveis. O espanhol voltou a lesionar o abdômen durante o US Open, estava em casa sem treinar e ainda acompanhava a reta final da gravidez de sua esposa, Xisca - que teve complicações algum tempo atrás, quando o marido estava em Nova York.

Ainda assim, quando soube da despedida, Rafa largou tudo por dois dias em Maiorca. Viajou na quinta-feira, jogou na sexta e voltou para casa no sábado. Mesmo sem a devida preparação, fez uma apresentação bastante digna e cheia de disposição, querendo a todo custo dar ao amigo uma vitória em sua última partida. E só não foi possível porque Jack Sock e Frances Tiafoe jogaram muito em pontos importantes (já chego nesse assunto).

Antes de voltar para casa, Rafa ainda deixou a frase mais marcante da noite: "Quando Roger deixa o circuito, uma parte importante da minha vida se vai também por causa de todos os momentos importantes da minha vida em que ele esteve ao meu lado ou diante de mim." Uma declaração de rara lucidez (veja a partir de 1'20" do vídeo abaixo).

É o reconhecimento de como uma grande rivalidade torna dois gigantes ainda maiores. Ver que os dois abraçaram essa rivalidade e, ao mesmo tempo, forjaram uma amizade baseada em respeito, admiração e carinho, é especial e serve - ou deveria servir - de ensinamento para todos fãs de esporte.

Djokovic: o coadjuvante perfeito

Não é segredo que a relação de Federer e Djokovic não é nada especial. Nunca foi. Desde que o suíço, lá atrás, reclamou dos abandonos do sérvio. Hoje, é o pai de Nole não colabora muito com a situação. Dito isso, Novak foi um coadjuvante incrível tanto na sexta, na beira da quadra, quanto no sábado, quando jogou e, depois, teve o microfone nas mãos.

Outro gigante do esporte, Djokovic reconhece a grandeza de Federer. Entendeu que era uma noite para celebrar o suíço. Não só não tentou roubar o show como exerceu lindamente seu papel como companheiro de time. Apareceu no banco, deu palpites táticos e, no fim da noite, ainda liderou o momento em que atletas dos dois times colocaram Federer nos ombros.

No sábado, depois de competir e anotar duas vitórias (em simples e duplas), teve a chance de falar ao público londrino, e sua declaração deixou cristalina sua visão sobre a noite anterior: "O que mais me emocionou foi ver seus filhos chegando e chorando. Foi um lindo momento, e foi legal ver os pais de Federer aqui em Londres e, claro, a família, Mirka, as crianças e todos que foram uma parte crucial de sua vida e carreira. Eu entendo e simpatizo porque entendo exatamente o que é necessário para estar no circuito por tanto tempo."

E completou: "Ele [Federer] falou lindamente ontem. Sua esposa, Mirka, e as pessoas próximas em sua vida permitiram que ele jogasse em um nível incrível por tantos anos. Estou falando demais, mas muito amor a Roger!" Perfeito.

Sock e Tiafoe: respeito merecido

A dupla americana, que "estragou" a festa, derrotando o time Fedal na última partida do suíço, jogou muito bem, sobretudo nos pontos importantes, tanto no tie-game de desempate do segundo set quanto na reta final do match tie-break. Nada a questionar. Sock continua um excelente duplista, e Tiafoe complementou bem o compatriota, com ótimas devoluções de saque e jogadas de efeito.

Há quem pense que os dois deveriam ter facilitado a vida de Roger e Rafa. Discordo fortemente. Acredito, inclusive, que a carreira de Federer merecia um encerramento assim, em uma partida realmente competitiva, com adversários jogando a full, inclusive salvando um match point antes do fim. As atuações de Jack e Frances devem ser vistas como prova de respeito não só a Federer, mas à Laver Cup, que nunca foi um evento de exibição.

Desde 2017, todos que estiveram na Laver Cup levaram o evento muito a sério. No dia que isso deixar de acontecer, se acontecer, estaremos vendo o começo do fim de um evento que nasceu bem, com um formato interessante e uma produção para TV de causar inveja a qualquer outro torneio do circuito.

Coisas que eu acho que acho:

- Daqui a 15 anos, talvez nem as famílias de Sock e Tiafoe lembrem que eles venceram a última partida profissional de Roger Federer. O resultado não atrapalhou em nada a festa.

- Já falei que a amizade de Federer e Nadal é linda de ver? Pois falo de novo. E repetirei quando o suíço aparecer para a despedida de Nadal. E muitas outras vezes, certamente.

- Som de hoje no meu Kuba Disco: "Run Into Trouble", produção do brasileiro Alok com os ingleses da banda Bastille. Porque "I run into trouble trying to let you go / cuz I still feel the high, the love, the vertigo."

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