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Após prejuízo, Piqué abandona a Copa Davis - veja a timeline do fiasco

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Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

12/01/2023 19h32

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Em 2018, com o apoio do presidente da Federação Internacional de Tênis (ITF), David Haggerty, o ex-zagueiro do Barcelona Gerard Piqué e seu grupo Kosmos convenceram a assembleia geral da ITF a aprovar um pacotão de mudanças na Copa Davis que mudava radicalmente uma competição já carregava mais de 100 anos de história. Tudo em nome de um novo formato, supostamente mais rentável e que traria mais visibilidade ao evento. O preço dessa eleição? US$ 3 bilhões. Era esse o valor que o grupo Kosmos prometia investir ao longo de 25 anos na Copa Davis.

Nesta quinta-feira, menos de cinco anos - e apenas três edições completas - depois daquele fatídico dia, o grupo Kosmos anuncia sua saída da Copa Davis. Segundo o diário espanhol Marca, ITF e Kosmos não chegaram a um acordo para renegociar a taxa de US$ 40 milhões que a Federação Internacional exigia para que o grupo encabeçado por Piqué continuasse a controlar a Davis.

O que deu errado? Muita coisa, e é isto que este post vem relembrar. Desde uma mudança radical de formato, que reduziu drasticamente a chance de muitos países de verem ídolos estrangeiros de perto, a ajustes que nunca se mostraram eficientes o bastante. Isso sem mencionar uma padronização da fase final, agora disputada sempre em quadras duras e sede "neutra", o que vai de encontro a tudo que a Copa Davis sempre significou. Vejamos o passo a passo da coisa:

2019: a mudança radical

Em 2019, depois de uma fase classificatória com rodadas espalhadas pelo mundo (quase como no formato antigo), a nova Davis teve a fase decisiva jogada inteiramente na Caja Mágica, na Espanha, em quadra dura. Uma mudança que reduziu as chances dos países saibristas (embora Nadal tenha carregado seu país ao título).

Em vez de confrontos em melhor de cinco partidas - cada uma em melhor de cinco sets - a "nova Davis" passou a ter apenas três jogos por duelo na fase final. E apenas em melhor de três sets.

O argumento para convencer tantas federações a votar a favor dessa descaracterização da Copa Davis teve o dinheiro como tema central. A ITF se queixava da menor relevância do evento nos últimos anos. Os maiores nomes do tênis vinham jogando a Davis com menos frequência, e a entidade via uma perda de valor na marca. Ao fazer um evento de uma semana no fim do ano, a ITF acreditava que seria possível ter o mundo inteiro olhando para um lugar só, atraindo os grandes nomes novamente para a Copa Davis.

Em entrevista ao "New York Times", Haggerty disse que haveria um "investimento substancial" no desenvolvimento das associações nacionais (leia-se: federações e confederações, as responsáveis pela aprovação do plano, receberiam boladas), e isso, provavelmente, conquistou muitos votos a favor da mudança.

O que deu errado

Fora a Espanha levantando o troféu dentro de casa, o que alavancou os números de público e, consequentemente, de receitas, a fase final de 2019 foi um fiasco. Primeiro porque os 18 times foram divididos em grupos de três, e todo mundo sabe que grupos de três sempre provocam jogos irrelevantes, que não contam mais para a classificação final. Pois bem, isto aconteceu, mas não foi o pior. Como eram muitos jogos e apenas uma semana para realizá-los, a Davis espremeu tudo, e alguns confrontos terminaram sem público E de madrugada. Para piorar, apenas cinco top 10 disputaram a fase final nesse novo formato. A promessa de resgatar a elite não vingou.

Na época, as desculpas do Grupo Kosmos e da ITF foram muitas, sobretudo o calendário. Segundo eles, o ideal seria fazer essa fase final em setembro, e não em novembro, quando os tenistas estão esgotados - o que levanta a seguinte pergunta: se o problema principal era o calendário, será mesmo que precisava mudar o formato de maneira tão radical? O fiasco de 2019 deu uma resposta clara: não. A Davis foi descaracterizada, e os resultados financeiros não vieram.

2020: a pandemia pune

Ninguém mexe com uma competição centenária e sai impune. Piqué e seus asseclas acabaram prejudicados pela pandemia (como boa parte dos promotores de torneios). A competição de 2020 foi paralisada no meio do ano e só terminou em 2021. Como relatei na época, o cancelamento em 2020 foi uma medida para evitar prejuízos maiores. Naquela época, o jornal francês L'Équipe publicava que o Grupo Kosmos perdeu ? 50 milhões com a Davis em 2019 e perderia mais ? 18 milhões em 2020 (leia mais aqui).

Em 2021, a Davis veio com mais um formato diferente. No ano retrasado, houve três sedes na fase de grupos (ou seja: a ideia inicial de uma sede única já era vista internamente como um fracasso). A intenção com essas três sedes era ter mais público, encaixando um time local em cada palco (Espanha em Madri, Áustria em Innsbruck e Itália em Turim).

Não fez tanta diferença (em Innsbruck, por exemplo, havia lockdown, e os jogos foram disputados sem público). Desfalcada de Nadal, a Espanha foi eliminada pela Rússia na fase de grupos e ficou fora do mata-mata, jogado em Madri, novamente na Caja Mágica. Sem o time da casa na competição, os números de público foram ainda piores. Nessa época, já dava para sentir o desespero de Piqué e companhia.

2021: Abu Dhabi acena como salvadora

Nesse mesmo ano, foi cogitada a possibilidade salvar o evento, pagando a conta que Piqué - agora fica claro - tentava encontrar uma maneira de não pagar. Abu Dhabi, na figura de algum xeque (shake ou jake?) de bolsos fundos, assinaria um cheque gordo para ter a Davis por lá por cinco anos. O negócio, felizmente, não foi adiante.

2022: Irrelevância diante da Copa do Mundo

Nada é tão ruim que não possa piorar, e a frase feita se fez verdade no ano passado, quando a fase final da Copa Davis coincidiu com a Copa do Mundo. Se a ITF e o Kosmos pensavam lá atrás numa sede única justamente para vender uma competição internacional de tênis espalhando-se no futebol, foi justamente a competição da FIFA que enterrou de vez a Davis.

Tentaram quatro sedes desta vez (cada vez mais longe da ideia inicial) e levaram as finais para Málaga. Por quê? Ora, quando jogar em um grande mercado fracassa, a organização corre atrás de subsídios de todo tipo, prática que o tênis brasileiro conhece muito bem. No fim, o Canadá foi campeão, mas quase ninguém viu.

A organização da Davis ainda tentou a velha estratégia de divulgar um número bacana pra ver se disfarça o fiasco, mas não colou. Segundo eles, o público total foi de 113.268 na fase de grupos que antecede o mata-mata. Parece muito maaaas atenção para a conta abaixo. Fica fácil entender que tivemos, na verdade, pouco mais de 2.300 pessoas por confronto. É muito pouco para uma competição que já colocou mais de 15 mil pessoas em finais e, vez por outra, entupia ginásios pelo mundo em fases intermediárias (lembras de quando o Ibirapuera lotou para ver um playoff entre Brasil e Espanha em 2014?!). Um playoff!

2023: o fim da parceria

Neste 12 de janeiro, o grupo Kosmos anunciou oficialmente o fim da parceria com a ITF. O que vai ser da Davis? Ninguém sabe ao exato. E a BJK Cup, que também mudou de formato? Ninguém falou nada sobre o evento.

A ITF apenas se manifestou para confirmar o anunciado pelo Kosmos e ressaltar que vai operar por conta própria a edição de 2023 da Davis, com o mata-mata novamente em Málaga, na Espanha, em novembro. Vai ter que se virar.

O nome disso? Karma, com K de Kosmos.

Coisas que eu acho que acho:

- Levantei a plaquinha: "Eu já sabia". Não só sabia, como escrevi aqui no blog e no Twitter algumas vezes. As justificativas para a mudança de formato não faziam sentido. Melhor de três atrairia mais jogadores da elite? Bobagem. A elite vinha deixando de jogar a Davis por causa da idade. Além disso, Nadal, Federer, Wawrinka, Djokovic e Murray já tinham sido campeões da competição antes de 2019, por isso tiravam o evento de seus calendários.

- Um evento de uma semana, com apenas uma sede, concentraria o foco do mundo naquele lugar? Bobagem. Com mais de um confronto acontecendo ao mesmo tempo, quem já via a Davis pela TV teve os mesmos dilemas de antes. E com uma desvantagem: todos jogos no mesmo lugar significa um mesmo fuso horário. Antes, era possível ver Brasil x Argentina e, mais tarde, Rússia x Espanha, por exemplo.

- A ITF acreditava mesmo que levaria milhares de pessoas para uma mesma sede como a Copa do Mundo de futebol? Claramente, Piqué e a entidade deram um passo maior do que a perna. Tênis não tem essa bola toda. Nem mesmo concentrando essas sedes na Europa foi possível juntar tanta gente nas finais. Além do fiasco de público, os poderosos privaram vários países não-europeus (como Brasil e Argentina, por exemplo) de verem mais jogadores de nome em seus países com mais frequência.

- Som de hoje no meu Galaxy Buds Pro: Montonía, da colombiana Shakira, porque trechos da letra são deliciosamente deliciosos: "Yo sabía que esto pasaría // Tú en lo tuyo y haciendo lo mismo // Siempre buscando protagonismo" é meu trecho preferido.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL