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Aryna Sabalenka e um título de humildade, técnica e coragem
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Pouco mais de um ano atrás, Aryna Sabalenka festejava sua vitória na terceira rodada do Australian Open fazendo piada, na entrevista dentro de quadra, e lembrando que tinha feito "apenas" dez duplas faltas. O "apenas" não era ironia. Na rodada anterior, foram 19. Na estreia, 12. Dois dias depois, a bielorrussa foi eliminada do torneio com mais 15 duplas faltas na conta.
Foi um problema que afetou o jogo de Aryna durante boa parte da temporada 2022. No WTA 1000 de Toronto, já no segundo semestre, foram 34 duplas faltas em duas partidas (cinco sets jogados). Em San Jose, a coisa foi ainda pior: 43 em dois jogos. Era preciso fazer algo, e Sabalenka decidiu pedir ajuda. Foi humilde o bastante, algo nem tão comum na elite do tênis, para reconhecer que não encontraria uma solução por conta própria e buscou o auxílio de um especialista em biomecânica (um ramo que ainda encontra resistência e até preconceito por parte de técnicos da velha guarda do tênis).
Os resultados apareceram rápido, e Sabalenka alcançou as semifinais do US Open, algo impensável para quem vinha dando tantos pontos de graça para suas rivais. Em Nova York, em suas seis apresentações, fez 35 duplas faltas. Uma média de menos de três duplas faltas por set, o que significou um avanço e tanto. A evolução técnica era evidente.
Chegamos, então, a 2023, a temporada seguinte. Sabalenka inicia o ano disputando o WTA 500 de Adelaide 1 e conquista o título sem perder sets. A chave não era das mais fortes, mas seu tênis funcionava, e levantar um troféu nunca fez mal para a confiança de ninguém.
Veio o Australian Open, e as vitórias continuaram. Também contribuiu um detalhe técnico: as bolas do torneio deste ano perdem pressão mais rápido e pegam menos spin. São ideais para quem 1) joga com menos spin; e 2) ajudam quem joga de forma mais agressiva. Quando Rafael Nadal reclamou das bolas usadas em Melbourne, o australiano John Millman reforçou sobre o tema: "Nick Kyrgios, Hubert Hurkacz e Taylor Fritz serão muito perigosos neste AO." Millman citou três tenistas com grandes saques e jogos agressivos, as mesmas características que marcam o tênis de Sabalenka.
Pois Aryna continuou fazendo estrago. Bateu Martincova, Rogers, Mertens, Bencic, Vekic e Linette para chegar à final. Após uma dessas vitórias, recordou sua busca por ajuda com o saque.
"Eu pensava que era minha mentalidade, mas não era. Mudamos muitas coisas sobre como trabalhar o meu saque. No fim da temporada, quando comecei a trabalhar com a pessoa de biomecânica, ele me ajudou muito. Vimos muitos vídeos. Ele me mostrou o que não estava certo com meu saque. Estou muito feliz que isso tudo tenha acontecido. Antes, eu não estaria aberta a isso (esse tipo de ajuda). Eu diria ' quer saber, meu saque é bom, não quero mudar nada'. Na verdade, até quando meu saque entrava, ele não estava certo. Naquele momento, eu estava aberta a qualquer coisa. Aprendi muita coisa nova sobre o meu saque."
E aí veio a final contra Elena Rybakina, atual campeã de Wimbledon e também dona de um ótimo saque (foi quem mais disparou aces no Australian Open) e um jogo agressivo. E Rybakina saiu na frente, justamente com ótimos serviços e contando com cinco duplas faltas de Sabalenka - algumas delas em momentos delicados como um break point.
A bielorrussa, então, mostrou toda sua coragem. Continuou enchendo a mão na bola, parou de fazer duplas faltas e passou a comandar a maioria dos ralis diante de uma rival que já não conseguia nem ser tão agressiva nem tão precisa. A maré mudou. Sabalenka seguiu no ataque game após game, winner após winner, sufocando Rybakina, até chegar à vitória. Foram, ao todo, 51 bolas vencedoras e apenas 28 erros não forcados - números obscenos para quem joga com tão pouca margem de segurança e contra uma rival que também ataca o tempo inteiro.
Números que ajudam a contar a história de um título que começou com um raro (no tênis!) gesto de humildade, incluiu ajustes técnicos valiosos e terminou com uma postura corajosa. Parabéns, Aryna Sabalenka.
Coisas que eu acho que acho:
- De modo geral, o nível da final foi altíssimo. Os 82 winners e os 53 erros não forçados, em um duelo de tenistas que buscaram bolas vencedoras o tempo todo, são uma prova da qualidade do tênis mostrado por Sabalenka e Rybakina.
- Difícil julgar o quanto Rybakina tem de "culpa" por agredir menos a partir do segundo set. Sabalenka "achou" o saque da cazaque e, de repente, comandava os ralis até nos pontos de devolução. Qualquer tentativa de contra-ataque por parte de Rybakina era de alto risco. Ela optou por dar menos pontos de graça, mas acabou dando a chance de Sabalenka ganhar mais ritmo e confiança. Aconteceu assim mas também podia ter terminado com um punhado de erros da bielorrussa, como já vimos acontecer uma dezena de vezes.
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