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Paciaroni, parte III: entre Buda e Abel Ferreira, sem marketing pessoal
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Na primeira parte desta entrevista especial com Rafael Paciaroni, o técnico de Beatriz Haddad Maia falou sobre o início da parceria, como seu nome não era o preferido de muita gente e como fez a tenista ler comentários negativos em redes sociais para lidar com sua vaidade (leia aqui).
Na parte II, publicada ontem, o paulista de 36 anos fala sobre sua formação tenística, que inclui uma viagem à Inglaterra em busca de conhecimento, ressalta que nunca deixou de estudar, e mostra como hoje em dia busca na ciência, na tecnologia e na matemática detalhes que possam fazer a diferença a favor de Bia dentro de quadra (leia aqui).
No texto de hoje, trago a parte da entrevista em que conversamos mais sobre a personalidade de Paciaroni. Um papo, aliás, realizado em sua casa, que não tem TV - Rafael vê tudo que deseja por streaming, no celular ou no laptop. Um apartamento nada luxuoso, mas funcional, com livros e plantas que o treinador se orgulha de manter. E que, apesar de passar mais de 30 semanas por ano viajando, Paciaroni sente que precisa ter como base, não só para chamar de lar e manter uma conexão com seu país, mas por ser filho único e saber da responsabilidade com os pais.
Também falamos sobre gostos pessoais, vaidade, seu reconhecimento mundial e... Harry Potter, Senhor dos Anéis, Buda e Abel Ferreira. Vocês vão entender. Leiam!
No seu livro, na parte de agradecimentos, você cita uma frase de [Theodor W.] Adorno, que é "A necessidade de pensar é o que nos faz pensar." E é uma frase que é perfeita para o tênis. Você já falou de Kerouac...
Kerouac foi lá atrás. Tempos de juventude.
O que você lê hoje?
Cara, eu leio muita coisa. Aqui são os lidos (mostrando uma estante), e aqui são os que estou lendo e são os próximos a ler. Oscar Wilde é demais! Dostoevsky eu sou apaixonado. Acho demais! Eu gosto de literatura russa. O meu escritor preferido até hoje é esse aqui, Roberto Bolaño. Acho inacreditável, sou apaixonado, apaixonado. Neste assunto aqui... Se eu falei muito até agora, a gente vai entrar em... Desde literatura japonesa, igual a [Haruki] Murakami. Gosto de realismo mágico, García Márquez. Esse é um dos mais lindos que eu li, "Stoner", do John Williams. Maravilhoso. Um cara que morreu no ostracismo e foi descoberto depois de um tempo. Tem literatura portuguesa também, que eu achei lindo, por exemplo, esse "Tudo é Rio", da Carla Madeira. Fantástico. Ou "O peso do Pássaro Morto", da Aline Bei. Aí tem os clássicos, tipo, Chico Buarque, Machado de Assis. Aqui tem Camus também, que eu achava inacreditável. Tem até um quadro dele ali. Hermann Hesse, pra mim, em termos de introdução à literatura, foi fantástico pra mim. É um livro que pra todo mundo que não lê muito, eu costumo presentear com Hermann Hesse. Pra iniciação à literatura, eu acho fantástico. Agora, do que eu tô lendo... Eu tô lendo principalmente esses dois, "O Oráculo da Noite", do Sidarta Ribeiro, porque ele é neurocientista, e eu gosto muito dessa parte também. Tudo que é cérebro é incrível. E, ao mesmo tempo, tô lendo Jung. Esse livro do Jung aqui fez tão sentido, que fala sobre memórias finas e reflexões. Eu gosto de ler uma crônica no dia que eu tô um pouquinho mais cansado. Abro uma crônica ali, dou uma lida. Ou, se tiver muito cansado, aí vou pro cinema. Tenho bastante apreço por literatura.
Não estou vendo nada de autoajuda. Você não gosta?
Pouco. Ah, eu tenho uns aqui. Ficam mais em cima [na prateleira].
(vejo o livro na estante e pergunto) Você leu "O Silmarillion"?
Putz, isso aí é pegar na minha infância. Desde criança, eu gostava de ler. Fui crescendo junto com o Harry Potter. Eu tinha 9 anos, e o Harry Potter tinha 9. E aí chegou numa feira de literatura, assim, eu tinha 12-13 anos, e uma professora minha de literatura chegou e falou: "Cara, você não sabe? Você acha Harry Potter bom assim?" Ela chegou de um jeito doce? Mas pra época, pra mim, era minha maneira de literatura, né? Era muito mais agradável ler [Harry Potter] do que ler o que a gente tinha de obrigação em termos de preparação pra futuros vestibulares, etc. Sempre fui muito crítico a isso. E ela chegou numa feira de literatura e falou: "Cara, já ouviu falar de Tolkien? Já ouviu falar de Senhor dos Anéis? Não? Então para. Toma, você tem que ler isso aqui." E aí, pra mim, foi caminho sem volta. Naquela época, fiquei fissurado. Eu li os três, "Senhor dos Anéis" 1, 2 e 3, aí eu li "O Hobbit" inteiro e li o Silmarillion. A única coisa que eu não li foi que depois tem um que chama "Contos Inacabados", que é uma obra inacabada, e o filho [de Tolkien] organiza, mas aí ele explica: na verdade, ele não é um livro que tem início, meio e fim. Ele tem passagens que vão explicar sobretudo Hobbit e o Silmarillion, tá? E é legal porque agora na fase que tá na Amazon, que tá com a série do Senhor dos Anéis, é sobre o Silmarillion. A gente foi pra Austrália agora, e aí são dois voos de 15 horas intermináveis, ida e volta, e depois a gente voltou pra Dubai, mais quinze. Aí eu meti os três Senhor dos Anéis de novo.
Obviamente, tudo o que você lê agrega à pessoa que você é, mas o que disso você leva pra quadra direta ou indiretamente?
O desenvolvimento pessoal acho que traz compreensão. Acho que se eu fosse resumir com um tom de sensibilidade, eu diria isso. Sensibilidade, compreensão, empatia, entender que algumas coisas não acontecem na velocidade que você deseja por mais que você esteja se empenhando 200%, né? Não acontece na tua velocidade. É que eu penso assim, Alê: pra você ajudar alguém, e o nosso trabalho é isso, né? Eu tenho que me dedicar pra ajudar uma outra pessoa. É muito difícil ajudar alguém sem se ajudar, sabe? Sem se conhecer bem ou sem estar bem resolvido com você mesmo. Porque é bem difícil eu falar pra alguém pagar um determinado preço se eu não pago. E aí eu termino dizendo que eu acho que as pessoas passam muito tempo no externo, sabe? Olhando pro outro, pra vida do outro, para aquilo que o outro produziu, para aquilo que o outro fez, e eu tenho muito claro que um dos segredos - existem vários - mas um deles é pra dentro. A parte principal, pra mim, ela é pra dentro. Tudo que eu sou vem de dentro pra fora, né? Então acho que primeiro a gente tem que se conhecer, primeiro a gente tem que se fortalecer, pra gente conseguir ajudar realmente alguém. E a partir daí, sim. Pelos seus exemplos, pela suas manifestações diárias, pela maneira como você lida com a frustração, pela maneira como você coloca energia, pela maneira como você é mais ou menos empático, eu acho que você consegue inspirar alguém a fazer um pouco a mais todo dia. Então eu acho que tudo começa pra dentro e a partir daí a gente começa a valorizar coisas internas, né? No nosso país, profissionais que estão aqui, a gente começa a entender que a gente, como cultura brasileira, a gente olha muito pra fora, cara. Aí, se a gente vem para a nossa vida privada, a gente passa nosso cotidiano, nossa vida pessoal, olhando muito pra fora, muito pros outros. E aí que está a minha crítica às mídias sociais no geral, e é por isso que eu não tenho. Porque elas corroboraram pra isso, sabe? A gente passa mais tempo ainda do que a gente já naturalmente já passaria, né? Aí Nelson Rodrigues vai chamar de complexo de vira-lata, enfim, existem vários. Mas acho que corroborou mais ainda pra gente olhar mais ainda pra vida do outro, mais ainda pra valorizar coisas externas, e o que eu acho é que assim: coisa ruim tem aqui e tem lá, coisa boa tem aqui e tem lá. E eu acho que a literatura, amarrando com o desenvolvimento pessoal, eu acho que é uma das maneiras de você se amarrar. Isso não é de ego e etc. Pelo contrário. Luto todo dia contra todas as manifestações de vaidade, né? Igual a gente conversou antes ali. Não é que ninguém é zero vaidoso. Todo mundo é um pouco vaidoso ou muito vaidoso, e eu brigo muito pra que a gente fique em um nível baixo de vaidade, né? Subiu a vaidade, os resultados caem na hora. E a vida tenta te tornar uma pessoa vaidosa, né? Aí junta com a insegurança, que a gente conversou, é a fórmula bombástica: insegurança e vaidade.
Eu joguei seu nome no Twitter ontem à noite e três coisas me chamaram a atenção...
Isso aí é território desconhecido para mim.
Um deles te chamava de "Rafa Low Profile". Outro tweet dizia assim: "Bia e seu técnico, Buda Paciaroni." E três comentários para baixo, tinha um que dizia: "Bia encontrou seu Abel Ferreira."
Esse do Abel foi legal, hein? Eu acho o Abel genial! E Sidarta é incrível!
Abel e Buda, no sentido que são colocados ali, são personalidades distantes uma da outra, mas ambas fascinantes. Você está mais para Buda ou Abel Ferreira?
Putz, essa pergunta é muito boa e muito difícil de responder. Eu vou te dizer que depende do ambiente porque o ambiente exerce influência, né? O nosso papel enquanto Equipe Bia é criar sempre um ambiente vencedor. Desconfortável, que ela consiga estar sempre tendo que entregar mais, mas ao mesmo tempo de amparo quando necessário. Então é assim: o ambiente também me muda um pouco. Acho que eu aqui, no meu íntimo, eu tô mais pra uma coisa mais tranquila, mais pausada, mais cadenciada. Agora o Rafael no dia a dia muitas vezes flerta muito com o Abel Ferreira. Eu sou um cara com muita energia, sou um cara de trabalho muito duro, todo o dia desconforto, todo dia tem que ter muita entrega. Isso não é necessariamente tempo de quadra, mas de entrega mental, de fazer as coisas com qualidade máxima, de estar querendo aprender sempre. E eu tenho isso muito claro: se eu galguei um pouquinho dentro da minha carreira profissional, foi por saber que eu tinha que estar aprendendo sempre e correndo muito mais atrás do que os outros porque como eu não joguei tênis profissional, eu saí atrás. Acho que quando eu estiver na minha casinha, daqui alguns anos, vou querer ter uma vida muito mais tranquila e mais pacata, mais contato com a natureza, animais e etc. Eu acho que o Rafael vai flertar sempre com a tentativa do lado mais do Buda. Mas no dia a dia do trabalho, cara, eu admiro muito e gosto muito da entrega do Abel e também da gestão dele, né? Que também é um cara de certa maneira low profile quando vai falar de vida pessoal, etc. Mas é um cara muito enérgico, que briga muito pelo grupo dele e que, enfim, que tem uma gestão de grupo incrível - eu sou corintiano, hein?! - e acho o trabalho dele simplesmente fantástico, inspirador mesmo. O título do livro dele eu acho fantástico, né? É " Cabeça fria, coração quente." Então assim, até citaria isso com bastante cuidado, obviamente. Eu gosto muito de ter sempre a cabeça fria - ou tentar, não é sempre que eu consigo, mas? E aí eu falaria da cabeça fria usando a metáfora, o paralelo com o Buda, mas eu acho essencial ter o coração quente, porque cara, não tem como. A entrega diária te faz ter a energia necessária. Resumo, Alê: quando tem que dar um abraço, vamos dar um abraço, mas se tiver que dar um chute na canela, a gente dá um chute na canela e não tem problema nenhum. Não sei se essa analogia é boa pra uma reportagem, mas basicamente a gente tem que entregar aquilo que o ambiente pede. Então fico feliz com os exemplos do twitter e da pessoa, Alê. Obrigado.
Mais cedo, na conversa, você falou que já começou atrasado - entre aspas - no tênis. Você já sentiu algum tipo de preconceito no meio por não ter feito uma carreira profissional?
Eu não sei se eu consigo classificar como preconceito, mas acho que é um caminho natural assim, pra quem jogou e tem um nível de vivência que teve, achar num primeiro momento que quem não teve não vai ter a mesma preparação e o mesmo amparo. E de fato, cara, tem experiências que eu não vou viver. Aí eu vou responder: não senti porque eu fui galgando muito passo a passo, né? Então como eu fui conquistando o meu espaço mesmo, conforme eu fui conquistando, não tinha muito como confrontar aquilo, que era um espaço conquistado. De todas as relações que eu tive com, por exemplo, ex-jogadores profissionais brasileiros que hoje são treinadores, eu não senti. Talvez nos bastidores, depois, os caras, quando vão tomar uma cerveja, podem fazer um comentário, mas aí, enfim, é de cada um, e opinião todo mundo é livre pra ter. E o que eu aprendi, que eu acho que isso é muito importante, é que jogar é primeira pessoa. Jogar sou eu. Eu sinto, eu faço e etc. Ser treinador é terceira pessoa. Não é nada em mim, não é nada pra mim. É tudo no outro. Então, por exemplo, eu poderia ter algumas experiências. Vamos supor que eu fosse um ex-jogador e tivesse tido experiências que cabem pra mim, no meu jeito de pensar, no meu jeito de agir, em como eu sentia o jogo, mas que não necessariamente cabem pra Bia, né? E eu acho que aí também tem um outro paralelo. Como eu tenho menos esse viés da primeira pessoa, é mais fácil também eu passar mais tempo identificando o que a terceira pessoa precisa. E talvez alguns outros ex-jogadores possam ter a dificuldade de projetar isso na terceira pessoa e acabam se frustrando muito. Porque o cara fala: "Pô, eu que tinha dificuldade cheguei. Esse jogador, que é uma máquina, não consegue fazer o que eu fazia?" Agora claro, se o cara consegue ter a experiência da primeira pessoa e, ao longo do tempo, se desenvolve e aprende a ter a sensibilidade da terceira pessoa... Porque treinador é isso, você vive a vida do outro, você tem que entender a cabeça da Bia, não adianta você entender com a tua cabeça. Aí não tem pra ninguém. Aí são quando os caras chegam e viram o que viram. E aí dá pra citar vários exemplos, sei lá, como um Magnus Norman. Aí é golaço e não tenho como concorrer com isso e nunca vou concorrer. Aí vou tentar suprir e acho que é possível porque hoje, vivendo a experiência de estar lá no banco, só jogando torneio de primeira linha e etc., chega uma hora não tem como. Eu tenho um nível de conhecimento hoje sobre o esporte e sobre a Bia que não é desprezível.
Samba ou rock?
Uff! Essa é uma das mais difíceis!
É? Achei que você ia falar rock rápido.
Cara, adoro rock and roll, mas adoro samba. Adoro samba, gosto muito. Tem um quadrinho do Cartola aí atrás (mostrando quadros na parede). Do lado tem Morphine, que é uma banda de jazz rock. É incrível, não tem guitarra. A guitarra é um saxofone. Em cima deles, tem o Miles Davis. Sou apaixonado por jazz. E do lado ali tem Bob Dylan e Johnny Cash. Aqui no cantinho tem Joe Coltrane. Lá tem Vinícius de Moraes, que eu adoro bossa nova também. E lá tem Nina Simone. E o Belchior. Sou apaixonado! Putz, essa pergunta é muito dura. Não faça essa pergunta! Mas se você falar de um AC/DC, vou ficar maluco, adoro um show de rock. Cara, eu gosto de música. Pronto. Essa eu vou ficar em cima do muro.
Como é um domingo ideal sem tênis pra você?
Noooossa! Falam que o domingo tem a primeira e a segunda partes. A segunda é aquela que flerta já com a segunda-feira. Nada contra o programa do Faustão, mas quando eu era pequeno, começava a tocar o plim-plim, e eu ficava desesperado! Eu entrava em pânico.
Eu falo isso para a minha esposa. "Que merda, acabou o domingo." Bate uma sensação triste, o ânimo vai lá pra baixo porque - nada contra o Faustão - mas é o sinal do "tá acabando" do domingo.
Tem vários escritores falando sobre o domingo, né? Até um deles, que vem na cabeça agora, o Mia Couto, de Moçambique, que ele fala que o domingo não é um dia, é uma ausência de dia, né? E eu acho isso bonito. E aí tem uns que falam sobre a primeira metade do domingo e a segunda metade. Então, cara, um domingo perfeito seria um domingo em que eu acordaria devagar, teria um contato com a natureza, que eu gosto muito de planta. Então assim, fazer as coisas de devagar, planta, animal, um almoço familiar ou com amigos regado a boas bebidas, comida farta, e um terceiro momento, que é quando a gente entra na segunda metade do domingo. Aí, pra mim, precisa ser algo cultural, cara. Precisa ter música ou precisa ter cinema, ou putz, precisa ter literatura, mas?
Futebol não?
Sou corintiano. Já fui muito roxo. Hoje em dia, bem menos. Mas futebol também, cara. Mas já virei aquele torcedor mais do tipo que rodadas decisivas, eu tenho mais afinco, mas assim, assisto. Corinthians x Remo, estava lá, vendo o jogo. Mas por causa das viagens também, sabe? Como viajo muito, direto, eu perco jogo por causa de fuso horário. Não consigo acordar 2h da manhã pra ver Corinthians e não sei quem. A não ser que seja oitavas da Libertadores, aí eu eu acordo. Se não for, eu não consigo. Então o que eu falaria é futebol sim, mas se for a segunda rodada do Brasileiro, vai jogar Corinthians e sei lá quem, e eu tenho um programa, um filme, ou concerto, show, etc., eu vou no show. Agora, claro, chegou lá nas rodadas finais e etc., o futebol toma parte.
E uma sexta à noite?
Sexta à noite, uma roda de samba. Uma roda de samba, uma cerveja na mão, talvez uma caipirinha, mas uma sexta à noite... É que aí depende, né, Alê? Depende se tem treino no sábado de manhã ou não, que normalmente tem. Quando tem, posso até ir numa roda de samba, mas aí tem que começar cedo e acabar cedo - 22h tem que acabar, e eu tenho que dormir cedo porque eu sou aquele cara que se eu dormir um pouquinho mal, eu não produzo nada. Mas se não tiver treino e não tiver? Igual agora, né? Ela [Bia] tá na Alemanha, essa semana é a semana que eu não faço porque teve a Billie Jean King antes e aproveita pra ela ficar um pouco mais de tempo, com autonomia um pouquinho, que é importante. E aí sim, sexta feira normalmente seria um samba, cara.
Toda vez que eu pude, sexta-feira é uma boa roda de samba e um lugar com clima e energia muito boa, muito amistoso, uma cervejinha na mão e, se não tiver treino no dia seguinte nem nada, uma caipiroska.
Na primeira vez que eu perguntei sobre você, ouvi que você era caladão, não gostava de dar entrevista, mas acho que isso costuma ser o jeito da Diana [Gabanyi, assessora de imprensa de Bia Haddad] de dizer que talvez não vai rolar. Mas pelo que a gente já conversou, deu pra entender o seu perfil, que não é de fazer propaganda do seu trabalho. Mas é preciso perguntar: já caiu a ficha que você fez a número 12 do mundo?
Sim, 12 de simples e duplas ainda.
E você, obviamente, você tem muito mérito nisso...
É que eu sou um cara? Isso é uma característica minha. Eu sou pouco eufórico. Em grandes momentos, eu sou um cara mais contido, apesar de desfrutar daquilo, assim como em possíveis crises eu também não sou um cara que vou potencializar algo onde não existe, então eu sou um cara bastante comedido. Você até falou aí da pergunta da Diana... Eu gosto de falar, eu adoro conversar. Então se me chamar pra ir num boteco, eu vou adorar. Eu adoro conversar. É que eu tenho uma questão com marketing pessoal. Eu me incomodo muito com autopromoção. Eu acho que uma coisa é você alcançar aquilo pelo mérito, pelo esforço, pelos resultados etc. Então eu tenho noção e essa satisfação pessoal do caminho. Eu valorizo muito mais o caminho do que o resultado, então, como eu me dedico muito ao processo, eu sou muito apaixonado pelo processo e faço com muito amor, então eu me sinto muito realizado. Então pra mim o processo é muito mais bonito do que o fato de ter chegado a 12 - e pra mim ela vai muito mais adiante, é só uma questão de adaptação de nível agora, mais uma coisa natural dela - então pra mim é bastante natural. Eu me vejo exatamente isso, sem qualquer tipo de cuidado, de não querer parecer vaidoso ou qualquer coisa do tipo. É porque é a maneira como eu enxergo mesmo, eu me vejo exatamente igual, quando estava com o [Matheus] Pucinelli ou o João [Lucas Reis]. Talvez eu vá me orgulhar muito - não que eu não me orgulhe agora, claro que eu me orgulho - se de fato a gente conseguir reverter esse resultado da Bia, para um ambiente como um todo, sabe? Para que a gente tenha mais profissionais engajados, para que a gente tenha mais jogadores se dedicando, né? Ou seja, o que eu ficaria muito orgulhoso é se a gente conseguisse provocar um pouco o ambiente onde os médios se tornaram bons, onde os bons se tornaram ótimos, onde os ótimos se tornaram excepcionais. Porque o que eu carrego comigo é assim: eu sou um cara extremamente limitado, cheio de questões, como a maioria das pessoas, só que sempre sonhei muito e sempre acreditei muito. E trabalho muito duro todos os dias pra estar no desconforto, pra achar que tem algo que precisa ser feito melhor, então eu vou sentir muito orgulho se eu vir mais pessoas acreditando. Não só jogadores, mas treinadores.
Por exemplo, a Bia, quando a gente começou a trabalhar, ela falou: "Meu sonho é ser top 100." Quando a gente chegou no top 100, ela falava, mas não falava de boca cheia: "Meu sonho agora é ser 50 do mundo." E aí, quando ela chegou a 50 do mundo, aí eu falei: "Tá, e aí?" E ela se assim... E eu falei: "Não, vambora." Aí 40, aí 30. Isso é legal, sabe? Quando você consegue ver que a sua inspiração, de alguma forma, fez pessoas conseguirem romper barreiras, isso pra mim é a parte que eu mais me orgulho. Quando existe um rompimento de teto. Quando a pessoa se impõe um teto e rompe esse teto, né? E aí eu acho que se a gente tiver um mecanismo e um ambiente um pouquinho mais forte, mais aberto a trocar informação, com menos vaidade, sabe? Menos insegurança. Acho que eu vou me tornar tão orgulhoso quanto eu tenho da caminhada que a gente tá fazendo agora. Eu tenho bastante orgulho do caminho e do resultado, claro. Muito bacana, mas eu tenho muito orgulho do caminho.
Você foi indicado a técnico do ano da WTA no ano passado em um grupo que tinha os treinadores da Iga Swiatek, da Daria Kasatkina, da Caroline Garcia e da Coco Gauff. Como é que você processou essa notícia? Porque você está entre os cinco num grupo de, sei lá, uns 20-30 técnicos muito, muito bons.
Sim, renomados, né? Eu celebrei, claro, foi uma conquista, né? Não esperava. Fiquei surpreso, fiquei muito feliz. Não tem como não ficar. Esse tipo de reconhecimento que é o que eu te falo: não tenho Instagram, mas se eu tivesse e eu tivesse likes, pra mim não mudaria tanto, né? Assim como eu falo, assim como eu não me alimento dos elogios eu também não vou ficar valorizando críticas ou coisa do tipo, que são super bem vindas, né? Os dois. Então esse tipo de reconhecimento, que é uma coisa totalmente apolítica, que é totalmente fora, isso enche de orgulho, mas orgulho no sentido assim, de que isso aí é a caminhada e a gente tá no caminho certo, né? Seguir trabalhando mais duro. Não no sentido de que a gente não pode desfrutar, mas no sentido de que é importante saber que, cara, a gente sempre pode estar evoluindo.
Mas você nunca para pra pensar no quanto isso te valoriza financeiramente?
Isso eu escuto todo dia.
Longe de sugerir algo, mas se amanhã acontecer de você não estar mais com a Bia, quanto a mais você vai estar valendo "no mercado", digamos assim, em comparação com dois anos atrás.
Sendo muito objetivo, eu perco dinheiro, com certeza. Hoje, eu perco dinheiro. Se eu fosse pensar no produto, mas não gosto de pensar assim. Mas se eu fosse pensar no produto, eu perco dinheiro, com certeza. Hoje eu tenho um patrocínio, além do projeto da RTB que dá todo o subsídio e nos ajuda muito no processo nosso de viajar e se dedicar, eu tenho o patrocínio da Prudential, que é uma seguradora, é internacional. Por isso que eu tô todo o jogo lá, não mostro a cabeleira, tô com um boné deles. Então eles patrocinam a Bia e patrocinam a mim. Isso é muito importante. Poder viajar e saber que você tem um seguro de vida. O Butori [Luiz Butori, atual empresário de Bia Haddad], ele e muitos outros amigos batem em mim e falam: "Cara, putz, você perde muita oportunidade de negócio, de dinheiro, por causa de exposição. Imagina com o Instagram hoje, se você fosse lá se projetar, etc., não sei o quê." Super concordo, mas eu não quero, não é o que me move. Eu não sou um cara ganancioso financeiramente. Nada contra quem é. As pessoas precisam de dinheiro pra viver, sim. Mas as coisas caminham numa velocidade que me traz uma tranquilidade e desenvolvimento pessoal. Então, cara, fico muito feliz de hoje representar, por exemplo a Prudential, faço isso com o maior carinho e espero que a gente continue por bons tempos, bons voos, mas pra mim tem um limite. Eu falei: "Vocês querem, eu tô com vocês 200%. Me usem da maneira como for, de dia-a-dia, de estar com a exposição, de estar lá e conversar e mostrar trabalho. Agora não esperem de mim uma publicação no Instagram." O máximo que eu consegui fazer até hoje é um LinkedIn porque é um pouco diferente. Eu vejo uma ferramenta um pouco mais profissional e, mesmo assim, tenho muita dificuldade. Até porque, Alê, eu acho que ainda estou numa fase muito de aprender e talvez tenha algo pra compartilhar, mas ainda me vejo muito mais numa fase ainda de aprender.
Você ainda não fez palestra em empresa ou coisas do tipo?
Não. Eu já recebi uns convites, mas até agora estou esquivando. Recebi um hoje até, para participar de um congresso, de um amigo que vai organizar, mas cara...
Se alguém ouvir metade - um terço! - do que você falou pra mim, você recebe cinquenta convites!
Obrigado, mas ainda falei pra ele: "Vamos conversar com calma, mas eu ainda tô numa fase ainda que eu preciso trabalhar, cara. Eu preciso ir quietinho lá pro meu dia-a-dia e fazer a Bia melhorar o processo dela cada vez mais e enfim, talvez num outro momento, tenha mais tempo e deva corroborar de outras maneiras. Agora, por enquanto, eu me vejo assim: "Ó, tem um treinador meu aqui, tem como ir lá ver o jogador?" "Pô, vamos!" Ou "Ó, tem uma tecnologia que a gente tá desenvolvendo, você tem uma hora e meia pra olhar e fazer críticas?" "Claro." Quando a gente está em torneio, o Tiago Monteiro me pede direto: "Vem, fica aqui com o meu treinador, assiste ao treino e etc. Direto. Se eu não tô com a Bia na quadra, eu vou lá."
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O Especial Paciaroni terá sua quarta e última parte publicada na sexta-feira (depois de amanhã!). Nela, relatarei a parte de nossa conversa que foca no trabalho com Bia Haddad. Paciaroni fala de sua influência sobre o comportamento e a mentalidade da tenista, do conservadorismo de Bia, do que ela precisa melhorar imediatamente e de seus sonhos para a parceria.
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