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Cinco lições que Bia e seu time deram a todos nós durante Roland Garros
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Força mental. Resiliência. Capacidade de lidar com adversidades. Potência física. Se juntarmos todas as publicações dos últimos dias sobre Beatriz Haddad Maia (inclusive as desta coluna), teremos um dicionário rápido de autoajuda. Faz sentido. Dentro de quadra, a paulista de 27 anos deu seguidas demonstrações de por que é uma grande atleta e, enquanto o fazia, "furou a bolha" do tênis e encantou um país, chamando até a atenção de gente que ignora a modalidade desde que Gustavo Kuerten pendurou as raquetes.
A parte não-tão-óbvia dessas duas semanas mágicas em Roland Garros foi contada nas entrevistas - a maioria delas, fora de quadra. E quem se dispôs a ouvir o que Bia tinha (e tem!) a dizer pôde entender que a atual número 14 do mundo deu lições que servem para todos nós. Vejamos algumas delas:
1. A importância da primeira do plural
Questionada por um jornalista estrangeiro sobre o uso de "nós" em suas respostas, como "nós aprendemos", "nós jogamos" ou "nós vivemos um sonho", Bia explicou assim:
"Quando digo 'nós' é por causa do meu time. Quando ganhamos partidas grandes, sempre digo 'nós' também. Nos momentos bons, nos momentos duros, estamos sempre juntos, eles sempre me apoiam. Passamos mais tempos juntos do que passo com minha família. São, com certeza, bons profissionais. São bons seres humanos. Eles têm valores que eu admiro. Aprendo muito com eles. Acho que todos deram 100%. Trabalhamos muito para estar aqui neste momento, então estou muito orgulhosa deles também. Eles são jovens, também nunca estiveram nesta situação e têm o mesmo sonho. Vamos com tudo, com 100% de energia e tenho a sorte de tê-los à minha volta."
Que fique claro: Bia sabe que não fez nada sozinha e deixa claro, sempre que pode, a importância de sua equipe. Faz diferença.
2. Caráter como ser humano faz diferença
Ao comentar a importância de seu time, Bia revelou uma parte importante da relação com sua equipe de trabalho.
"A gente sempre trabalhou com uma essência de valores humanos. O Rafa [Paciaroni] fala comigo que até o Toni Nadal cobrava muito do próprio sobrinho o caráter competitivo, ter o caráter de ser humano porque dentro da quadra você é aquilo que você é fora da quadra."
Não por acaso, a paulista tratou com educação e respeito todos que fizeram perguntas e buscaram saber mais sobre sua personalidade, sua história e, claro, as características que lhe permitiram ir tão longe no torneio.
3. Consciência do ambiente
A declaração abaixo, que dispensa explicações, vem da última coletiva, já depois de sua eliminação do torneio. Diz um bocado sobre quem é Beatriz Haddad Maia e porque ela merece a torcida de tanta gente.
"Eu sou uma pessoa privilegiada, vivo daquilo que eu amo, que é o esporte. É uma honra gigantesca. Eu sei quantas pessoas no Brasil sofrem, quantas pessoas têm que acordar às 3h, 4h da manhã, deixar o filho e ir atrás de comida, trabalhar e voltar. Toda a violência, tudo que a gente vive no nosso país. Tudo aquilo que eu sei que é difícil, que o momento é duro, me traz um pouco de consciência também para os momentos duros de um jogo. Eu sei que quando a gente está falando de momentos duros, de match point, a gente está falando de um sonho, e quando a gente fala de dificuldade na vida das pessoas, a gente está falando de vida, de saúde. Esse lado do Brasil me dá muita força, me faz enxergar o tênis com um olhar um pouco mais humano e não tentar valorizar tanto um ponto, um game, um set de tênis. Pra mim, é um prazer enorme estar representando todo mundo. Vou seguir tentando fazer o meu melhor para, de alguma forma, ajudar, inspirar pessoas. Meu maior sonho não é levantar um troféu, é ajudar pessoas por meio do tênis."
4. Saber ouvir e buscar conhecimento sempre
Fernando Meligeni foi muito feliz no Pelas Quadras pós-semifinal quando destacou que Bia e seu técnico, Rafael Paciaroni, estão sempre em busca de conhecimento e não fecham as portas a ninguém.
"Um técnico que está com uma top 10 e que se aconselha. Ele liga, eu converso com ele, e sei que ele fala com várias pessoas. Então ele abre a portinha de um lugar que é muito difícil de abrir. E é um cara que está com um olho desse tamanho. Então o técnico que está aí assistindo a gente e acha que é dono do jogador... Que tal olhar? Esse é o ponto número um. Ponto número dois, o atleta: a Bia escuta também. Tem jogador aí, juvenil, que está achando e andando assim, na ponta do pé, com salto.... Se a Bia escuta, se o Guga escutava, que tal você escutar também? Fazer tênis é muito difícil, mas é muito simples. O simples é: não se chega sozinho, não se faz tenista sozinho, mas em grupo. Argentina é exemplo, Espanha é exemplo, França é exemplo, Austrália é exemplo. Todo mundo junto. E aqui a gente ainda teima em separatismo. Obrigado, Paciaroni. Obrigado, Bia, porque vocês estão dando um exemplo absurdo."
5. Bônus: desconforto no dia a dia em busca de evolução
Não foi algo comentado durante Roland Garros, mas trago aqui um trecho que considero importante da entrevista que fiz com Rafael Paciaroni há pouco mais de um mês. Fala sobre o nível de exigência no dia a dia de treinos para que seja possível competir sob circunstâncias complicadas - justamente os momentos em que Bia mais brilhou em Paris.
"Temos que evoluir. 'A Swiatek chegou lá com um eletrodo na cabeça. O que ela tá fazendo? A gente tem que ir atrás.' E não é ir atrás. É chegar no momento que a gente vai fazer o que ela não está fazendo ainda. Esse é o nosso papel se a gente quer pegar o lugar dela um dia. A gente tem que andar a 120 km/h. Se a gente andar a 160 km/h, pode bater e acabar tudo. E pode cair mesmo porque passamos do ponto. E se andar a 80 km/h, a gente não está fazendo o que tem que fazer. Tem que se expor, sim. Hoje, a gente está trabalhando muito bem no geral, no dia a dia, ela está jogando um nível de tênis incrível no dia a dia, e no jogo ela ainda não está conseguindo performar da maneira como tem sido o dia a dia. Isso ainda é do timing dela. Não tenho a menor dúvida que ela vai voar mais alto. Quando? Se é esta semana? Se vai levar um ano? O que eu quero dela agora é que todo dia ela esteja no desconforto máximo, e que ela consiga performar no desconforto."
Coisas que eu acho que acho:
- Aquela turminha que chega no fim (eles sabem quem são) do torneio para sair na foto do título mostrou mais uma vez que tem pé-gelado.
- Sobre a cobertura televisiva: inexplicável a ESPN não escalar sua dupla principal para um dos jogos mais importantes do torneio (Bia x Ons Jabeur). Diante da concorrência do SporTV, que tinha um belo time escalado, parece que quem faz a escala no grupo Disney não anda lá tão preocupado com os números de audiência (ou com a qualidade do que chega ao consumidor). No mínimo, faltou sensibilidade para entender a dimensão da ocasião, coisa que até a TV Globo, que não é muito chegada à modalidade, percebeu.
- Sobre o item 3 do texto acima: tem muito valor o conhecimento que Bia demonstra sobre seu país e seu povo. O tenista que, por exemplo, reclama numa rede social que o hotel oficial fica a uma hora do complexo onde se joga um torneio certamente nunca precisou pegar um ônibus em dia de greve de metrô, e isso diz muito sobre a bolha em que muitos atletas talentosos brasileiros são forjados e paparicados. É o tipo de post de alguém que nunca foi orientado (ou nunca quis ouvir uma orientação) sobre como trabalhar sua imagem em público. Quem entende seus privilégios como Bia já parte de um patamar muito acima.
- Como afirmei no Fim de Papo de ontem (e reforcei no primeiro parágrafo deste texto), Bia furou a bolha do tênis. Foi curioso (e delicioso) receber mensagens de amigos que não costumam ver tênis, mas pararam para ver e conhecer a tenista nos últimos dias. Um amigo rubro-negro inclusive destacou durante Bia x Iga: "Fazia tempo que não sabia o que era torcer para um azarão". Concordei com um sorriso, evidentemente.
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