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Walter Preidikman: de Rosario aos EUA, um mestre que não para de aprender

Nascido na Argentina e dono de uma carreira de respeito. Qualidades que aplicamos no dia a dia a muitos nomes do circuito mundial. A história de Walter Preidikman, contudo, não tem nada de típica - nem entre argentinos, nem entre treinadores.

O Gringo, apelido que ganhou no Brasil e carrega até hoje, saiu de Rosario, mergulhou no tênis no Guarujá, viajou o mundo pelo esporte e fez paradas em São Paulo, Houston, Arraial d'Ajuda, Itaipava e Los Angeles, entre outros lugares. Construiu e reconstruiu academias e, por que não, partes de sua vida.

Ao longo disso tudo, aprendeu muito com atletas e técnicos de renome, sim, mas também com seus pupilos. E mais: hoje, aos 60 anos e dono de uma reputação de respeito, orgulha-se de continuar aprendendo e evoluindo na profissão. É a história desse fascinante personagem que conto na entrevista que segue abaixo.

Como foi seu começo no tênis?

Meu pai sempre mexeu com petroquímica, e tinha aquele pólo na travessia de Santos para o Guarujá. Meu pai que ajudou a montar aquilo. Nós moramos no Guarujá no ano 74. Eu tinha 11 anos. Eu gostava de futebol, mas tinha um tio muito rico, que me deu de presente umas raquetes de tênis. Ele me deu uma raquete Dunlop, umas roupas da Fred Perry, e eu comecei a jogar tênis. Nós passamos seis meses no Guarujá e, quando voltei para a Argentina, já estava encantado com o tênis. No ano 77, nós voltamos para o Brasil, e eu comecei e jogar na Hebraica, em São Paulo. Fiz aula com o Marcelo Meyer, com o Salomão, pai da Roxane Vaisemberg... Tive uma carreira juvenil mediana. Joguei torneios internacionais, os clássicos, que todo mundo joga, e vim para os Estados Unidos para jogar os Satélites. Joguei os torneios na Flórida e, num deles, um treinador me viu jogar e perguntou se eu queria jogar pela Universidade de Houston, no Texas. Liguei para o meu pai, e ele disse: "Walter, você já gastou X e ganhou Y. A conta não fecha. Acho uma boa ideia." Quando eu cheguei lá em Houston, para visitar a universidade num feriado, o treinador me levou no alojamento dos esportistas. Na hora que ele abriu a porta do quarto, dei de cara com o Dácio Campos. Acabei ficando. Joguei a carreira universitária. O Dácio acabou mais cedo, foi jogar profissional na Europa, foi muito bem no circuito e largou a universidade. E ele falou: "Gringo, na hora que você se formar, eu quero que você seja meu coach".

E você se tornou técnico quando?

Eu conheço o Nick Bollettieri desde o ano 83. Eu tinha amigos na Flórida e tudo mais. Trabalhei com o Nick várias vezes. Eu ia e voltava. E numa dessas voltas, o Júlio Góes disse "Gringo, preciso de um coach." Então o meu primeiro jogador profissional foi um cara que estava perto dos 100 do mundo. Paralelo a isso, eu tinha juvenis em São Paulo que eram muito bons. O [Fernando] Meligeni era um deles. Com o Júlio Góes, ficamos uma temporada. Depois, o Dácio voltou e me pediu para ser coach dele. Eu treinei também o Eleutério Martins, o Paschoal Penetta, o José Amin Daher e tive uma equipe com alguns juvenis fortes, com o Meligeni, o Edison Raw, o Raul Ranzinger... Um monte de moleque que jogava bem. Nesse meio tempo, quem me procurou foi o Roberto Arguello, da Argentina.

Que era o ambidestro, né?

Esse era ambidestro. Sacava com a mão esquerda, mas batia o forehand com a direita. Jogava com as duas mãos dos dois lados, mas o forehand era como se fosse o do lado direito. Foi aí que eu conheci muito do tênis de altíssimo nível porque ele chegou a ser 30 e poucos do mundo.

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Você chegou cedo ao posto de treinador. Qual foi a primeira coisa que você aprendeu nessa posição?

Que eu entrei pela porta gigante da frente e que se eu não aprendesse muita coisa em pouco tempo, eu não me sustentaria naquele lugar. Eu estava treinando caras que estavam jogando grand slam! Era main draw de grand slam! Eu já comecei em Wimbledon!

Mas alguma coisa esses bons tenistas viram para quererem que você fosse técnico nesse nível. Que coisa era essa?

O que todo mundo fala é que a minha transmissão é muito fácil e muito objetiva. E também a minha força de trabalho, Alexandre. Eu sempre fui um animal na quadra de tênis. Meu treino tem hora para começar e não tem hora para acabar. E eu procuro tirar o melhor do cara. Eu também já falava várias línguas, conhecia muitos países, e no Brasil os treinadores que havia eram o Kirmayr, que jogava ainda, o Paulo Cleto e mais um ou dois. Caras que realmente eram treinadores, que viajavam o circuito e que conheciam as pessoas. E eu sempre tive uma relação muito forte com o Guillermo Vilas, que era uma referência minha. Ele sempre gostou muito de mim, me ensinou absurdos.

Quando vocês se conheceram?

A gente se conheceu na Argentina. Eu de moleque e ele já número 2 do mundo. Ele tinha muito carinho por mim, dizia que eu tinha muito potencial para ser um grande treinador e tudo isso. Então acho que viram em mim o "querer aprender". Eu vejo os caras de hoje em dia... Os caras estão treinadores 2-3 horinhas por dia. Eu sou treinador a minha vida inteira. Eu chegava em Wimbledon, pegava o primeiro transporte e ia embora no último. "Vai ter jogo do Edberg meia-noite? Vamos ver! Tem a possibilidade de jantar com não-sei-quem? Vamos lá." E eu, quando trabalhei com o Bollettieri, em 83, os profissionais me procuravam para eu dar drill para eles. Eu dei drill para o Yannick Noah, para o Jimmy Arias, para o Aron Krickstein, então a minha fama era "o Gringo é novo, mas já tem uma bagagem."

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Voltando à sua resposta sobre aprender muito em pouco tempo, como você conseguiu isso?

Conversando com caras que sabiam muito mais do que eu, observando e trazendo para o meu universo. Nessa época tinha muito sueco treinando e jogando bem. Edberg, Wilander, Nystrom, uma porrada. E eu via os treinos e conversava com os treinadores. E a proximidade com o Vilas me abriu portas para conhecer gente muito importante no tênis. "Importante" no nível de conhecer tênis. E eu sempre fui de querer conversar, falar, sempre fui muito bem relacionado. Entrar nesse mundo foi natural para mim. Não me espantava estar em Roland Garros, na Austrália, em qualquer torneio desses. Eu achava do cacete, mas era parte do meu dia a dia.

Qual é a maior dificuldade de um técnico? É passar informação? É lidar com a família do tenista?

Depende muito de época. Hoje em dia, o maior problema são os jogadores. O esporte parou de ser agregador. Hoje, o esporte é totalmente egoísta. Os meninos emburreceram por causa dessa merda de internet. Os caras não convivem! Você não tem amigos no circuito! A gente viajava e jogava futebol Brasil x Argentina em Paris com 11 contra 11. Hoje em dia, os caras não jantam juntos. O que acontece? Os moleques estão multifocados em nada. Eles têm muita informação e pouco conhecimento. Porque o conhecimento é pôr a informação em prática. Hoje em dia, os pais querem te falar o que você tem que fazer. Mas o maior desafio do treinador é o jogador acreditar fielmente em você. Não é o quanto você sabe. Isso é uma parte óbvia. Você não pode treinar alguém de alto nível sem ter o conhecimento. A gente, pela experiência, vislumbra 2-3 níveis na frente, e esses moleques não veem isso. Eles se limitam com o jogo de hoje. Eu estou vendo "se ele melhorar isso, isso e isso, vai acontecer isso", então como é que eu explico que ele tem que fazer o trabalho disso, disso e disso para chegar nisso? O Fininho, com 14 anos, me ligava e falava "Gringo, naquela hora, você falou que aquela bola era daquele jeito, mas por quê?" Ele não contestava. Ele questionava. O que isso faz? Eu virar um melhor treinador. Eu não posso te ensinar algo por imposição hierárquica. Eu tenho que te mostrar para você provar que eu estou certo. Eu tenho que ter suficiente conteúdo. Nesse momento, você começa a abrir um canal de comunicação em que você começa a entender como o jogador raciocina.

E quando um jogador te ensina algo?

Eu te dou um exemplo. Eu estava com o Karue Sell aqui o ano retrasado. Eu estava ensinando o inside out para ele e falava "Alemão, essa bola você dá mais para cima." E ele falava "Gringo, se eu estou com os dois pés dentro da quadra, eu não dou pra cima nem fodendo. Eu dou pra baixo." E ele ganhava os pontos assim. Como é que eu não vou aceitar? (risos) Ele me mostrou que o jeito dele era melhor. O que acontece? Eu aprendi isso para os próximos. Eu até hoje falo: estou aprendendo a ser treinador. Eu também trabalhei com muito juvenil muito bom na Bollettieri. O Agassi, o Courier esteve lá várias vezes, o Martin Blackman, um monte de gente. Eu fui para o Bollettieri várias vezes entre 1983 e 87-88.

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Quando você voltou e foi parar na Bahia?

Eu dava aula para gente de muita grana em São Paulo quando recebi um convite de um maluco porque eu falava três línguas e dava aula na casa de um milionário. Ele falou: "eu tenho dois filhos que moram na Suíça, uma propriedade em Porto Seguro e eles vêm passar férias no Brasil. Quero te contratar para dar aula para eles por três meses." Eu não queria e falei um preço para ele me mandar à merda. Eu pedi US$ 10 mil por mês, que era uma fortuna nos anos 1980. Ele falou: "US$ 30 mil eu não pago, mas pago US$ 25 mil". Pronto. Cheguei em Congonhas, voamos no avião particular dele até Porto Seguro. Em Porto Seguro, um helicóptero me pega na pista e me leva até a quadra de tênis. Ele tinha um quilômetro de praia em Arraial D'Ajuda. É o João Hansen, dono do grupo Tigre, de tubos e conexões Tigre. Aí eu me apaixonei pela Bahia. Meu contrato era para jogar uma hora de tênis com cada um por dia. O moleque caiu de moto, quebrou o pé e não pôde jogar os três meses. E a filha não gostava de tênis. E fiquei na Bahia de barriga pra cima.

Depois, você também foi a Salvador...

Em 87, eu assinei um dos maiores contratos de treinador de tênis no Brasil para dirigir a equipe do Clube Bahiano de Tênis, em Salvador. Era um patrocínio da Cresauto Veículos, Paes Mendonça e Banco Econômico. O banco era dono da Nordeste Linhas Aéreas, então eu tinha voo de graça todo fim de semana para Porto Seguro. E sempre tive casa, terra, minhas coisas lá. Em Salvador, tinha uma estrutura monstra e eu fiz, na época, 4-5 campeões brasileiros, só que o clube tinha uma peculiaridade. Tinha a chapa do futebol e a chapa do tênis. O ano que o tênis perdia a eleição, os caras quebravam as quadras e faziam campo de futebol. Aí acabou meu contrato, voltei para São Paulo e depois de um tempo larguei o tênis completamente e montei uma confecção. Ganhei um monte de dinheiro com confecção e, depois de um tempo, meu sonho era voltar a morar na Bahia. Voltei a Arraial D'Ajuda e não fazia nada ligado ao esporte até que o Vilas me pede para fazer um trabalho de 15 dias com ele porque ele queria jogar o circuito Master. E ele falou "Gringo, você tem que voltar para o tênis porque você é muito bom." Arraial D'Ajuda tinha, na época, três jogadores e uma quadra. Eu comecei um trabalho e deixei 16 quadras e 200 jogadores.

E quando Itaipava entrou na sua vida?

Em um congresso internacional de tênis, tinha um pessoal conversando com o Fininho. Eles disseram "somos de Itaipava, temos quatro meninos que jogam bem tênis, só que não tem treinador." Eles queriam saber se o Fininho tinha alguém para recomendar. Aí ele diz "esse aqui do meu lado. Foi meu treinador, conhece muito o tênis. Conversa com ele." Um dia, me ligaram e fizeram uma proposta. Eu não dei bola. Alguns meses depois, o cara me liga de volta e pergunta se eu pensei na proposta. Peguei o avião, fui para o Rio de Janeiro, passei o fim e semana em Itaipava, gostei do que estava vendo e falei para minha mulher: "Nega, nós vamos mudar para Itaipava."

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Mas o que você viu de tão bom em Itaipava para largar Arraial?

Eu vi uma possibilidade de voltar para o tênis de competição, com meninos que jogavam muito bem, e eu dava muitas clínicas com o Dácio. Dei mais de 60 clínicas com o Dácio Campos, só que me trazer da Bahia era uma puta mão de obra. Em Itaipava, era uma mão na roda. E tinha o Hotel Bomtempo, que a gente fazia as clínicas lá. E em Itaipava eu dava treino para esses meninos, o negócio estava indo relativamente bem. Eu tinha um puta esquema lá, de motorista, cozinheira, os meninos dormiam lá... E aí veio a enchente de 2011. Eu perdi tudo lá. Não tinha muito o que fazer. Aí a Confederação Brasileira me cedeu um espaço que estava abandonado no Rio de Janeiro. Era o Hotel Atlântico Sul. Peguei o espaço, reformei, fiz tudo aquilo lá [que passou a ser a academia Tennis Route]. Trouxe algumas pessoas para trabalhar comigo e, depois de um tempo, me enchi o saco e vendi. E aqui estou na Califórnia.

E agora, como estão as coisas?

Eu sou diretor do La Cañada Country Club. Chegou um monte de jogadores de alto nível juvenil, também treinei alguns profissionais, mas eles me pedem para viajar no circuito. O profissional eu atendo não como coach, mas como consultor. Vem cá, passa uma semana, um mês, traz o coach, trabalho junto, mas não me pede para viajar. Estou aqui, recebo jogador. Já recebi do Brasil a Lu Stefani, a Gabi Cé, a Carol Meligeni, a Ingrid, a Paula, a Duda Piai, a Pedretti... De homem, já veio João Menezes, o Matheus Alves, o Lindell, o Wilson Leite... Eles passam uma temporadinha e vão embora. Do Brasil, recebo gente por semana, por mês, por temporada, fora os jogadores que tenho aqui. E tenho viajado com frequência para dar clínicas para jogadores e professores e palestras para pais, jogadores e professores em diversos lugares nos Estados Unidos e no Brasil.

Qual é a maior diferença para o treinador que trabalha aí?

No Brasil, eu vejo jogos na internet e vejo treinador babando ovo de jogador porque tem dinheiro por trás. Aqui nos EUA, se a gente dá o pé na bunda de um jogador, faz fila. Aqui, na hora que você se estabelece como treinador, você não tem que puxar saco de jogador. Aqui é my way or the highway. E não tem essa viagem de tênis profissional. Eu treinos os melhores jogadores da Califórnia, meninas de 12 e 14, e nenhuma fala em profissional. Zero. Já tenho contato com universidades. Michigan State, Harvard, West Chapel, Wake Forest, Stanford... Esse é o meu esquema hoje em dia. Aqui eles valorizam um cara com a história como a minha. Existe um respeito.

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E você continua aprendendo?

Claro! Eu vejo o seguinte: no clube tem um senhor de 76 anos que aprendeu a dar aula no YouTube. Ele trabalhou numa gráfica, e quando ele perdeu o emprego, foi dar aula de tênis. Ele dá aula para crianças de 5 a 10 anos. As coisas que eu aprendo com esse cara só de olhar... Como fala para uma criança, o amor que ele desperta pelo jogo... Um cara que nunca foi na esquina jogando tênis! Estou sempre olhando inclusive para ver o que não fazer. Eu conheço tênis? Eu acho que conheço alguma coisa de tênis. Mas o tênis é muito maior. O tênis não tem fim.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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