Demo, Heide e um ouro que comove contra torcida hostil e trapaça de rivais
A campanha do tênis brasileiro nos Jogos Pan-Americanos Santiago 2023 já tem um punhado de histórias comoventes. Apenas neste sábado, o time verde e amarelo conquistou dois ouros e uma prata nas duplas e uma vaga olímpica nas simples para Laura Pigossi, que ainda vai disputar a medalha de ouro neste domingo.
Foi um dia inesquecível nas vitórias e nas derrotas. Para Laura, como já relatei, valeu um lugar em Paris. Além disso, a paulista viveu um novo e dourado capítulo de sua relação esportiva com Luisa Stefani, com quem conquistou, em Tóquio, a medalha mais emocionante do Brasil naqueles Jogos.
Gustavo Heide também viveu fortes emoções nas simples. Lutando por um lugar na final e a vaga olímpica, teve match point contra Facundo Díaz Acosta, mas viu o argentino virar e vencer. Uma derrota doída para um jovem de 21 anos que foi ao Chile com o objetivo específico de carimbar seu passaporte rumo à França no ano que vem. Mas tudo bem. Tudo bem? Sim, tudo bem.
Heide voltou à quadra central de Santiago horas depois, ao lado de Marcelo Demoliner, para a final de duplas. Aí, sim, a arena ferveu. Diante de uma infernal torcida chilena e de uma perigosa parceria formada por Alejandro Tabilo e Marcelo Tomás Barrios Vera (este tinha acabado de atropelar Thiago Monteiro na outra semi de simples), o paulista encontrou seu melhor tênis quando mais precisava, fazendo um match tie-break espetacular.
Pequeno comentário na transmissão de ontem sobre histórias que comovem no esporte e sobretudo a minha emoção ao ver o @mdemoliner89 estufar o peito pra comemorar um título pan-americano e coroar uma belíssima carreira com a medalha de ouro ?#TimeBrasil #Santiago2023 pic.twitter.com/zPk119dmXj
-- Alexandre Cossenza (@saqueevoleio) October 29, 2023
Uma vitória dramática por 6/1, 2/6 e 10/7 que não só deixou evidente o enorme potencial de Heide como coroou a bela carreira de Demoliner, que nunca havia disputado um Pan e foi um parceiro vibrante, consistente e que ajudou a guiar o companheiro mais jovem em um ambiente hostil. Um dos tenistas mais carismáticos, educados e respeitados do país, dono de uma trajetória que merece todo respeito do mundo. Um gaúcho de 34 anos que se encheu de orgulho na entrevista ao Canal Olímpico do Brasil para dizer "sou campeão pan-americano", com os olhos brilhando e cheios d'água. Um momento que emocionou este escriba, como dá para perceber no vídeo acima, no comentário que fiz pouco antes da final de duplas mistas.
Um ouro que veio no famoso "contra tudo e contra todos", diante de uma torcida que assoviava durante os saques, gritava no meio dos pontos e hostilizava os brasileiros. O público chileno, porém, nem foi o pior dos obstáculos. A medalha de ouro de mau comportamento vai para a desprezível postura da delegação chilena, que começou a informar seus tenistas sobre os códigos usados por Demo e Heide antes de cada saque no segundo set. Uma manobra suja que quebra toda e qualquer regra não-escrita sobre ética e respeito no tênis.
"O hostil que estava hoje, cara... Vou levar para o resto da vida a maneira como a gente suportou. Não sei se tu viu a briga que teve ali entre os brasileiros e os chilenos. O Jaime [Oncins, capitão brasileiro na Copa Davis] percebeu que no segundo set o treinador dos chilenos estava cantando todos os nossos sinais! Onde a gente ia jogar, onde a gente ia cruzar... Por isso que estava dando tudo errado [os chilenos venceram o set por 6/2]. Os caras sabiam o que a gente ia fazer, cara! E o Jaime percebeu isso. Eu só soube depois do jogo. Inacreditável a sujeira que foi. Os caras fizeram tudo para ganhar. Por isso, vai ficar para história. Dá um gostinho ainda maior porque os caras não nos ganharam sujando o jogo e com a torcida hostil, nos xingando atrás da quadra, assoviando, gritando entre os saques. Isso não tem preço! Não tem dinheiro que pague!", festejou Demoliner quando trocamos mensagens após a decisão de duplas mistas.
Uma bela e comovente história de contrastes. Um jovem em ascensão lidando pela primeira vez com uma atmosfera duríssima e, ainda assim, fazendo seu talento prevalecer, e um veterano, dono de uma bela carreira, orgulhoso por defender o país e conseguir subir ao pódio para ouvir o hino nacional.
Coisas que eu acho que acho:
- Não há certo ou errado nem melhor ou pior aqui. Não é questão de comparar o ouro dos homens à conquista das mulheres. O ponto é que eu, Alexandre, me emocionei mais com a vitória de Heide e Demoliner. E tudo bem se você, leitor, curtiu mais o ouro de Laura e Luisa. No quadro de medalhas, as duas vitórias têm o mesmo valor.
- Surpreendente, como resultado, foi mesmo a derrota de Thiago Monteiro, que viu Marcelo Tomás Barrios Vera fazer 6/3 e 6/1 com certa facilidade, dominando o segundo serviço do brasileiro e disparando winners de toda parte da quadra. Talvez o pouco tempo de descanso entre as quartas (no fim da rodada) e a semi (no começo da tarde) e as condições diferentes de jogo tenham afetado o cearense, mas o fato é que o chileno esteve em um nível muito alto e jogou muito à vontade a partida quase inteira.
- A vitória de Laura nas simples também teve um pouco de tudo. No fim, mostrou Pigossi em estado puro. Inteligente, raçuda e brilhante nos pontos decisivos. Do jeito que a gente se acostumou e gosta de ver (lembre aqui).
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