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Andy Murray: para sempre, um dos maiores no que mais importa

"Somos medidos por títulos e troféus, mas o que mais importa é: você está orgulhoso de como jogou? Você lutou por si mesmo? E lutou pelos outros?"

A sequência acima, narrada no vídeo de despedida de Wimbledon por Venus Williams e Roger Federer, mostra o quão difícil é medir a grandeza de alguém em sua modalidade. Vitórias e prêmios em dinheiro ficarão para sempre nas listas de recordes e estatísticas, e é relativamente fácil ranqueá-los, mas como avaliar o impacto de um atleta e um legado que transpõe as linhas de uma quadra? Em seus mais de 5.000 anos, a matemática ainda não produziu uma equação para encapsular o poder de um ser humano que dá exemplos e transforma vidas.

A carreira de Andy Murray é assim. Uma caminhada que conta uma história de caráter acima de tudo. O primeiro capítulo mostra um jovem talentoso que precisou entender seu lugar de destaque em um ambiente sedento por vitórias. A Grã-Bretanha não tinha um homem campeão de simples em Wimbledon havia mais de 70 anos - uma bigorna que aquele jovem escocês precisava carregar sem nada ter feito para herdar tamanho peso. Foi assediado e até maltratado pela imprensa local. Quando vencia, era britânico. Quando perdia, escocês. Pois Andy encarou, sem queixas ou desculpas, a missão de escalar o monte que fez um punhado de vítimas ao longo da história. Coisa de caráter mesmo.

Quis o destino que este escocês encarasse aquela subida diante de condições tenisticamente turbulentas. Durante sua ascensão, reinava Roger Federer, até hoje o maior campeão de Wimbledon em simples. Rafael Nadal derrubou o suíço e conquistou a grama duas vezes. Depois veio Novak Djokovic, que quebraria a maioria dos recordes dos dois antecessores. Assim, Andy perdeu as quatro primeiras finais de slam que disputou, inclusive a doída decisão de Wimbledon em 2012, quando fez um discurso emocionado e sob lágrimas. Durante tudo isso, jamais usou o trio de excepcionais contemporâneos como desculpa. Engoliu as derrotas e trabalhou para superá-los. Postura de quem tem caráter.

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Andy tanto trabalhou que os alcançou. Derrubou Roger na final olímpica em Londres 2012. Alguns meses depois, Bateu Novak Djokovic na decisão do US Open. Foi vice na Austrália em 2013. E, enfim, conquistou Wimbledon com mais uma vitória sobre Nole. Tornou-se número 2 do mundo. O primeiro britânico a vencer no All England Club nas simples desde 1936 (77 anos!). Era seu primeiro auge. Só que dores nas costas o frearam. Uma cirurgia fez-se necessária, e o bom momento foi interrompido. Hoje, 11 anos depois, Andy nunca usou aquela operação como desculpa ou para imaginar o quão diferente teria sido sua carreira a partir dali. Caráter.

Foram precisos alguns anos, mas Andy alcançou seus rivais outra vez. Conquistou a Copa Davis de 2015 carregando um continente nas costas. Participou em 11 dos 12 jogos vencidos pela Grã-Bretanha sobre EUA, França, Austrália, e Bélgica. No ano seguinte, voltou a reinar em Wimbledon e disparou rumo à liderança do ranking. De fevereiro de 2004 até fevereiro de 2022, só os Quatro Grandes ocuparam esse posto. Andy chegou lá e, mais uma vez, o corpo falhou. Veio a lesão no quadril e, de 2017 em diante, nada foi o mesmo em termos de tênis. Este já não tão jovem escocês, porém, mostrou muito mais do que vitórias nos últimos sete anos.

Rico, realizado, casado e com filhas. Cenário perfeito para uma aposentadoria em um humilde castelo em algum lugar das Highlands. Para este escocês, contudo, ainda não era hora de sair freeballing de kilt pelo quintal. Andy, agora Sir Andy Murray, queria mais. O amor pela profissão, pela competição, pelo tênis em si, fez com que ele ultrapassasse outras barreiras. Lutou contra o corpo e o tempo. Desafiou a medicina e todos que lhe disseram que tênis profissional não lhe pertencia mais. Foi ao limite e, com um quadril de metal, voltou a ser um dos 40 melhores do ranking. Até conquistou um título, vejam só! Um ATP 250 na Bélgica. Pequeno para o tamanho seu currículo. Enorme para um veterano apaixonado por competir que triunfava mais uma vez.

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Mas, voltando ao verso de Federer e Venus, importa mais como o jogo foi jogado, e no jogo da vida Andy Murray sempre foi campeão. Respeitou companheiros, público, árbitros e jornalistas. Deu exemplos. Leu as regras. Até Aprendeu a rir de si mesmo, habilidade que poucos desenvolvem em um esporte com vestiários transbordados de egos inchados. Desfez-se da carapaça que precisou vestir nos primeiros anos de circuito para que outros pudessem vê-lo e entendê-lo. Em vez de fingir ser outra pessoa diante de holofotes e microfones, abriu-se e permitiu que o planeta apreciasse um cidadão de voz grave e entediante, mas que tinha um amor tamanho extra large pelo tênis.

Se Andy lutou pelos outros? Assim como Venus, todos sabemos a resposta para a pergunta do vídeo. Murray foi defensor ferrenho da igualdade de premiação entre homens e mulheres. Corrigiu jornalistas que deixaram de citá-las em estatísticas importantes. Não, nunca foram palavras ao vento. Sir Andy quebrou paradigmas e contratou uma mulher para treiná-lo. Não aconteceu mais na elite do tênis masculino. Sim, caros leitores. Caráter faz diferença.

Nada mudou até o último dia. Andy foi a Paris, participou da abertura sob chuva e riu das piadas sobre como ele, o homem do quadril de metal, enferrujaria. O amor foi o mesmo. A luta foi a mesma, independentemente das limitações. Ele e Dan Evans salvaram cinco match points na primeira rodada e mais dois na segunda. Vitórias que fizeram valer o sacrifício. E se é mesmo verdade que ri melhor quem ri por último, Murray deixou o tênis com uma última piada. Um tweet com a frase "Nunca gostei mesmo de tênis."

Sem Sir Andy Murray, o tênis perde um de seus grandes. Perde brilho, coragem, humor e, acima de tudo, um grande humano, na mais abrangente definição da palavra. Um tipo de grandeza que não se mede em wikipedias, Hawk-Eyes ou livescores, mas em caráter e qualidades que 50 títulos de slam não seriam capazes de comprar. Por tudo isso, Andy Murray coloca seu nome entre os maiores de seu esporte. Para sempre.

Opinião

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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