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A peça que faltava veio na apoteose de Djokovic

Joelhos no saibro de Roland-Garros. Lágrimas. As mãos tremendo. O sinal da cruz. Dedos apontados para os céus. A festa com a equipe. O abraço na filha. A mão no peito em cima do pódio. O beijo na medalha. Os muitos beijos na medalha.

Descritas assim e lidas numa tela de smartphone, podem soar como clichê as cenas que marcaram a final do torneio masculino de tênis em Paris 2024. Era preciso ver e, consequentemente, sentir para entender a grandeza do momento em que Novak Djokovic, em sua quinta participação nos Jogos, tornou-se campeão olímpico.

Sim, há algo de especial em cada cada torneio olímpico, cada modalidade, cada hino nacional que é tocado em cada arena. São competições que acontecem só uma vez em quatro anos e, para muitas modalidades, são os eventos mais importantes de um ciclo.

O tênis é diferente. Inversamente diferente. Há quatro grandes torneios por ano. Quando um gênio deixa de vencer um desses, tem outra chance dois meses depois. E depois. E depois. As oportunidades continuam aparecendo. Ganha-se muito dinheiro. Há pontos valiosíssimos em jogo.

Por isso, quando um atleta da grandeza de Djokovic, que alcançou quase todos os grandes feitos possíveis no esporte, valoriza - e faz mais do que isso: prioriza - os Jogos Olímpicos, transforma um momento quase banal, repetido quatro vezes por ano, em uma cena que merece sala própria, escurecida e com Dolby Atmos no museu d'Orsay.

Novak já poderia ter sido campeão olímpico. Fez uma final antecipada com Nadal em Pequim 2008 e perdeu por 6/4 no terceiro set, culpa de um smash que ainda hoje sobrevive na memória coletiva de seus fãs. Em Londres 2012, esbarrou em um imbatível Andy Murray nas semifinais. No Rio, em 2016, teve uma ingrata estreia contra um inspirado Juan Martín del Potro. E, em Tóquio, sucumbiu aos nervos na semifinal contra Alexander Zverev.

Sob o olhar de hoje, 16 anos depois daquele smash, parece que os deuses guardaram este ouro para uma espécie de apoteose tenística. Tinha que ser depois de vencer todos os slams e ultrapassar os números de Roger Federer e Rafael Nadal. Tinha que ser depois de quebrar o recorde de permanência no topo do ranking. Tinha que ser no que era sua provável última grande chance para conquistar a medalha. Tinha que ser contra o grande tenista do momento, o atual campeão de Roland Garros e Wimbledon, o mesmo que lhe aplicou inapeláveis 3 sets a 0 na grama do All England Club três semanas antes.

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E foi assim que Novak Djokovic tirou da alma, aos 37 anos, uma atuação soberba. Foi brilhante nos dois tie-breaks, mas também salvou de maneira memorável todos os oito break points que enfrentou no primeiro set. Sacou como não conseguiu em Wimbledon (83% de aproveitamento de primeiro serviço no segundo set), devolveu como sempre e movimentou-se com a jovialidade que tanto precisava para encarar a potência de Alcaraz (minha análise completa do jogo em áudio foi distribuída aos apoiadores do blog neste domingo).

Não, Djokovic não fala em se aposentar (disse até que pretende competir em Los Angeles 2028!), mas suas entrevistas pós-jogo revelavam um Novak mais leve, livre de um peso que talvez carregasse por pressão própria, um desejo desses que só os grandes mantêm como combustível ao longo dos anos. O que será daqui para a frente? Difícil dizer, mas o Djokovic que falava após o pódio era um Djokovic com cara de missão cumprida. A peça que faltava já não falta mais.

Coisas que eu acho que acho:

- O quanto significava o ouro para Alcaraz? Veja a entrevista acima com Alex Corretja e entenda. Imagens fortes e comoventes.

- Uma frase interessante de Djokovic após o título: "Estou sempre dizendo a mim mesmo que sou suficiente. Porque posso ser muito crítico. Não sei. É uma das maiores batalhas internas que continuo lutando comigo mesmo. Sinto que não fiz o bastante na minha vida dentro e fora da quadra. Então [o ouro olímpico] é uma grande lição para mim. Sou super grato à benção de conquistar uma medalha de ouro histórica para o meu país. Para completar o [career] golden slam. Para completar todos os recordes."

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- Djokovic completou o career golden slam, ou seja, tem no currículo os quatro slams e o ouro olímpico em simples. Até hoje, só Andre Agassi e Rafael Nadal haviam conseguido o feito entre os homens.

- Também foi bonito ver a Itália conquistar o ouro nas duplas femininas, com Jasmine Paolini e Sara Errani. Errani, aliás, completou um career golden slam nas duplas. Na década passada, de 2012 a 2014, venceu todos os slams na modalidade ao lado de Roberta Vinci. Agora, dez anos depois do último título, completa o feito em Paris.

- Nadal e Alcaraz juntos? Entraram para a história. Escrevi aqui.

- Sobre Andy Murray e sua grandeza que fará falta, escrevi aqui.

- Qinwen Zheng, que eliminou Iga Swiatek nas semifinais, conquistou o ouro ao vencer Donna Vekic na decisão. Este torneio olímpico é mais um daqueles que terminam e passam uma sensação de "podia ter sido a Bia", mas isso é um papo mais longo para outro post.

- Não gosto nem de tentar fazer previsões desse tipo, mas não vou me surpreender se Carlos Alcaraz tiver um momento de queda daqui até o fim da temporada. O espanhol teve uma sequência pesada de jogos, ganhando Roland Garros, Wimbledon e indo tão longe nas Olimpíadas (e terminou o torneio jogando com a coxa direita enfaixada, o que não é um bom sinal). Mais do que isso: terá que lidar nas próximas semanas com a dor de perder um ouro olímpico. O desgaste físico e mental cedo ou tarde vai trazer consequências.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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