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Polêmica em Cincinnati escancara necessidade de replay no tênis

Primeiro, aos fatos: oitavas de final do Masters 1000 de Cincinnati, e o britânico Jack Draper tem match point contra o canadense Félix Auger-Aliassime. Draper sobe à rede e faz contato com a bola. Depois de tocar na raquete, a bola toca no chão e, então, novamente na raquete de Draper. A bola ainda resvala na fita e morre do outro lado. Game, set, match, Draper.

Auger-Aliassime começa a contestar, afirmando que o árbitro de cadeira, o americano Greg Allensworth, deveria ter visto que a bola quicou na quadra de Draper após tocar na raquete do britânico. O juizão responde que não viu esse quique. Draper, por sua vez, diz que estava olhando para Auger-Aliassime na hora do golpe e, portanto, não sabe dizer se houve o tal quique ou não. O canadense rebate: "Não importa para onde estava olhando. Você já jogou o bastante para saber, quando bate na bola, onde ela vai."

Auger-Aliassime chama o supervisor, que, pela regra, não pode mudar a decisão de um árbitro de cadeira. Ainda assim, Draper pergunta o que o supervisor viu, e o oficial responde que estava atrás da quadra e era impossível saber. Ainda assim, Jack diz: "Félix, se ele me disser agora que a bola tocou no chão, e que ele viu na TV, eu jogo o ponto de novo." O supervisor não dá essa garantia, e o jogo termina assim.

Agora, às questões quicando por aí: há muitas camadas e pontos interessantes a debater sobre o que aconteceu, suas repercussões e como o circuito pode mudar depois de uma polêmica assim. Logo, é preciso calma para lidar com essa cebola.

Draper mentiu para ganhar o jogo? Não que seja menos grave, mas talvez seja a parte com menos repercussões nesse caso. Sei que o britânico já está sendo condenado nas redes sociais, e o argumento de Auger-Aliassime faz sentido: quem joga há tanto tempo tem (ou deveria ter) uma noção boa sobre aonde a bola vai após o contato com a raquete. Eu prefiro dar a Jack o benefício da dúvida, ainda que ele tenha olhado para o árbitro logo após o fim do ponto. Acho que o único motivo para esse olhada seria uma dúvida sobre o que seria marcado. Ainda assim, uma dúvida não é prova de que ele mentiu ou deu o famoso migué.

É uma falha grave do árbitro? Falha, sim. Fica evidente no replay em câmera lenta que ele errou. Importante? Claro. Foi o match point, afinal. Imperdoável? Nem tanto, já que o quique da bola na quadra só é 100% visível em câmera lenta e, mesmo assim, visto da câmera lateral, colocada no nível da quadra. Em velocidade normal, mesmo nesta câmera, não dá para ter 100% de certeza desse quique. Para um árbitro de cadeira, em um ângulo desfavorável para esse tipo de chamada, não é tão simples. Allensworth marcou o que acreditou ter visto, e isso é o que se pede de um oficial. Não há motivo para crer que ele agiu de má fé.

Por que o Hawk-Eye Live não é usado para decidir esse tipo de lance? Cincinnati não usa juízes de linha. É o Hawk-Eye que faz todas as chamadas de bola boa ou fora. Logo, se o sistema rastreia as bolas e pode determinar ONDE elas quicam, certamente a tecnologia poderia determinar também SE uma bola quicou, certo? Por que não o faz? Esse é um mistério que os defensores incondicionais do Hawk-Eye evitam comentar.

Por que não usar replays em vídeo? Obviamente, os pedidos dos jogadores por essa tecnologia (que já foi testada!) vão aumentar depois desse incidente em Cincinnati. Funcionaria como meio VAR, meio Hawk-Eye. Os tenistas teriam desafios e pediriam a análise do replay. Não seria infalível, evidentemente, porque ainda dependeria de interpretação humana (outro dia um famoso ex-árbitro, para justificar a não marcação de um pênalti, quase disse que o toque da bola - caindo na vertical - sobre o braço esticado de um jogador foi culpa da bola!), mas daria uma solução para o caso de Draper, por exemplo. Ninguém vai falar isso oficialmente, mas talvez seja caro manter um conjunto de câmeras ultramodernas para algo que seria usado apenas uma ou duas vezes em cada partida - e olhe lá.

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US Open investe: o slam americano deste ano terá replays em vídeo em oito quadras (Ashe, Armstrong, Grandstand e Quadras 17, 5, 7, 11 e 12). Será possível usá-lo para decidir casos de dois quiques (not up), toque na rede (ou na bola, com o corpo), hindrance (interferências diversas) e outros. Ano passado, foram apenas cinco quadras com o recurso.

Coisas que eu acho que acho:

- Allensworth deve estar vivendo seu inferno astral. Em duas semanas, esteve envolvido em três grandes polêmicas. Os outros dois foram a desclassificação de Denis Shapovalov, que ofendeu um torcedor; e o defeito do Hawk-Eye na partida entre Fritz e Nakashima, também em Cincy. Os três episódios tiveram grande repercussão.

- Para que não haja dúvidas: quando escrevo que o Hawk-Eye não é infalível (longe disso) e que replays em vídeo não serão uma solução definitiva, não quero dizer que não são recursos úteis e até necessários. Porém, não podem ser tratados como inquestionáveis.

- À medida em que o tênis adota mais tecnologia, e árbitros humanos tomam menos decisões, a tendência é que form-se uma geração de árbitros mais dependente desses recursos, e isso não é necessariamente bom. É como pegar um jovem de 20 anos que aprendeu a dirigir em um sedã com alerta de ponto cego, alerta de tráfego traseiro, controle de cruzeiro adaptativo, câmera 360º e auxiliar de estacionamento e, de repente, dizer que ele precisa sair de Chevette pela Marginal Tietê.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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