Seis anos após depressão, Zormann festeja reviravolta: 'Feliz com tudo'
O ano era 2018, e Marcelo Zormann, uma das maiores promessas de sua geração, ainda patinava no ranking, tentando dar um salto para alcançar torneios Challengers. Fora de quadra, contudo, também havia algo de errado, e o paulista, então com 22 anos, foi diagnosticado com depressão e se afastou do circuito.
A volta ao circuito, em 2021, foi tímida, mas agora, seis anos depois de seu pior momento, Zormann vive uma fase bem diferente. Focado no circuito de duplas, alcançou o top 100, fez semifinais de ATPs 250 e mira conquistas maiores.
O maior sucesso, contudo, parece fora de quadra: Zormann está feliz. Aos 28, mais maduro e consciente de suas emoções, aprendeu a lidar com os momentos ruins e até fala sobre como enfrentar - e superar - um problema de saúde mental fez bem no longo prazo.
Conversamos durante o Challenger de Campinas, e a íntegra da conversa segue abaixo. Zormann falou sobre dificuldades financeiras e o quão duro é dar o salto dos Challengers para os ATPs; de seu sonho como tenista e do que falta para alcançar feitos maiores; da ajuda do técnico Franco Ferreiro; e de quanto seus patrocinadores fizeram diferença neste novo momento. Acima disso tudo, porém, o tenista de Lins (SP) falou sobre felicidade, e foi assim que começou a conversa.
Você está feliz?
Eu estou bem feliz. Muito feliz desde que eu voltei a jogar. Passei por certas dificuldades, acho que o desafio maior foi financeiro porque eu resolvi iniciar essa caminhada sozinho, poro conta própria, sem tentar ajuda da minha família ou pessoas próximas. Acabei precisando e ali, em um momento, meu pai acabou ajudando. Mas estou muito feliz, bem contente com tudo que venho conquistando. Por ter entendido bem mais a questão dos processos. Estar curtindo mais o circuito, as viagens e os torneios. Ficou um pouco mais fácil porque eu consegui passar rápido pelos Futures [M15 e M25] e chegar logo nos Challengers [torneios maiores, com premiação de US$ 50 a 125 mil] nas duplas. Já ajuda muito. Nos Challengers, a gente sabe o que esperar, tem um certo padrão. Future é muito mais duro. A cada semana você não sabe o que esperar, se vai ser bom, se vai ser ruim. Estar nesse nível Challenger ajuda muito mais.
E evoluindo no esporte...
Acho que não só tenisticamente falando, mas na minha vida no geral. Eu sempre dediquei minha vida inteira [ao tênis], então estar bem no tênis vai fazer com que eu esteja bem pessoalmente também. Ter passado pela depressão foi um processo que, no fim das contas, foi bom, sabe? Eu amadureci e aprendi muita coisa sobre mim mesmo e hoje entendo muito mais essas coisas. Estou vivendo muito mais tranquilamente. Claro.... Houve alguns momentos deste ano que, se fossem um pouco diferentes, eu já poderia estar 70-80 do mundo, mas acho que são detalhes que fazem parte e que só mostram que estou no caminho certo e que se não foi neste ano, com certeza vai ser no próximo. É seguir trabalhando, seguir nessa jornada. Estou me sentindo muito bem, estou muito feliz com tudo.
Você se afastou do circuito em 2018 e voltou em 2021, meio que timidamente, em um torneio em Verona, jogando com o Gabriel Sidney. Nessa época, você pensava o que para vida, o tênis, a carreira? O que tinha de expectativa?
Ali, eu estava decidido a voltar a jogar. Só tinha a questão financeira porque quando eu voltei, eu voltei por conta própria, com o que eu tinha guardado no tempo que eu fiquei fora, dando aula. Na semana anterior a esse torneio de Verona, eu estava em San Marino porque estavam o Rafa [Matos] e o [João] Menezes. Fui para lá meio que como treinador do Orlando [Luz]. Aí surgiu essa oportunidade. O Sidney tinha um convite para jogar dupla nesse Challenger de Verona porque ele jogava Interclubes por um time de Verona. Aí ele mandou mensagem para o Orlando, que já estava fechado [com outro parceiro], e o Orlando falou de mim. A gente deu sorte porque pegamos os outros wild cards [na estreia] e ganhamos o jogo ali, mas ali eu já tinha em mente voltar a jogar. Jogar os dois [simples e duplas], obviamente. Não fazia sentido só jogar dupla naquele momento. E ver no que ia dar! Meio que já sabia que o ranking de dupla ia distanciar, então eu já tinha na cabeça que assim que eu tivesse que escolher entre a dupla nos Challengers ou ficar entre Future e Challenger para jogar simples, eu já iria pegar esse caminho das duplas.
Um trechinho do papo com o @mzormann sobre sua fase nas duplas, saúde mental, a capacidade de Franco Ferreiro y otras cositas más. #SaqueeVoleio pic.twitter.com/ewkeqLc8de
— Alexandre Cossenza (@saqueevoleio) October 19, 2024
Você joga dois torneios na Europa nesse ano, volta para o Brasil, faz um vice do o Daniel Dutra da Silva em um M15. Depois, tem uma final em Cancún e um título em Vic (Espanha), com o Oscar Gutierrez... Foi em algum desses momentos aí ou foi mais tarde que você parou e pensou "isso aqui está dando certo, dá para pensar em coisas maiores"?
Mais ou menos assim, até porque eu sempre estive muito próximo do Orlando e do Rafa também. Acho que nessa época, o rafa já estava top 100, talvez 70, por ali. Foi o ano que ele bateu 20 e poucos [Matos foi #26 do mundo em fevereiro de 2023]. Ele já me falava isso.
Que o seu nível estava perto?
Sim. Que eu podia chegar e tudo mais. Para trabalhar e fazer as coisas. Eu estava seguindo meu caminho. Fazendo o que tinha que fazer, jogando os torneios que tinha que jogar. Acho que 2022 foi quando eu consegui jogar mais torneios, fazer um calendário e uma quantidade maior de torneios. Eu jogo um Future no Rio, o Franco [Ferreiro, ex-tenista e atual técnico de Rafael Matos] foi com o pessoal da ADK [importante academia em Itajaí, SC]. Fo onde ele chegou a conversar comigo e falou que se eu fizesse as coisas, trabalhasse e tudo mais, eu teria grande chance de... Claro que não se pode dar nenhuma certeza, mas ele falou que eu seria top 100 com certeza. Para eu seguir essa caminho das duplas, que é, em teoria, mais fácil.
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Quero receberAí a gente já está falando de 4-5 anos depois do seu pior momento em termos de saúde mental e depressão, e eu acho importante deixar para quem vai ler isso e para quem lida com esse tipo de problema o seguinte: quando você volta para a profissão e volta a se sentir confortável em quadra, a depressão fica no passado totalmente ou é algo que você precisa sempre prestar atenção em alguns sinais que o corpo te dá e você tem que manter aquilo sempre sob controle? Quando você passa pelo pior momento, como se lida com isso no dia a dia?
Quando eu parei [2018], meu ranking de dupla estava muito bom, tipo 250, e era a época que eu estava em Rio Preto. E o Edvaldo [Barbosa, reconhecido treinador] e o Thiago Alves falavam "segue, seu ranking está bom", mas eu não queria mais nada. Voltando nisso... Quando eu voltei [a jogar], não. Hoje em dia e durante esse tempo, tem alguns momentos que sim, que... Eu falo que tenho recaídas, sabe? Mas Eu já aprendi a lidar. Eu meio que sei quando está para acontecer ou sei o que estou sentindo e consigo... Procuro ficar mais na minha e não... Eu tenho um pouco a questão de estar atrapalhando as pessoas, então não quero deixar o ambiente em que eu estou num baixo astral. Mas é bem menos frequente. Eu aprendi a lidar bem. Por jogar tênis e ter um mental bom... A terapia também me ajudou a entender muitas coisas, então quando acontece, eu sei identificar e sei mais ou menos como lidar. Antes, eu sentia e ficava meio que brigando comigo mesmo. Por que eu estava sentindo aquilo? Ou não? O primeiro passo é aceitar, sabe? Como qualquer problema. O primeiro passo é aceitar que você tem um problema para buscar soluções para ele. É onde eu consigo ter mais essa facilidade para lidar. Mas não é nada como eu tive em 2018 e 2019, quando eu comecei a terapia e comecei a entrar em assuntos e meio que mexer em coisas que estavam, talvez, guardadas. Eu fali que você começa a abrir uma caixa de Pandora. É mais ou menos por aí.
Como jornalista, estando em torneios, eu sempre sinto um ambiente mais leve entre duplistas. Realmente é assim? Há um peso menor durante o dia a dia? E se sim, onde é maior a diferença?
Acho que o que acontece um pouco é que você também tem que ter um pouco de jogo de cintura de se dar bem com outras pessoas. Não adianta nada o cara ser muito bom, mas chegar na quadra e não fazer o parceiro se sentir bem a ponto de competir bem. Acho que na dupla também rola um pouco essa questão de "pode ser que semana que vem ou mies que vem esse cara vá ser o meu parceiro". Você não pode ficar queimado no circuito. Claro que tem toda competição e todo mundo entra para ganhar, mas nas simples você meio que não depende de ninguém. Claro que querendo ou não você também precisa dos jogadores para treinar - para ter uma boa convivência! - é difícil alguém ter sucesso se não tem uma boa convivência no seu ambiente de trabalho. Mas na dupla é um pouco mais leve por isso. Na semana que vem, você pode estar jogando com aquela pessoa. Até mesmo quando você rompe com um parceiro. É tentar deixar as coisas mais leves mesmo.
Você está viajando com técnico?
Eu estou treinando na ADK, lá em Itajaí, e estou basicamente com o Franco porque quando estou lá, é ele que me passa os treinos, e a gente está sempre conversando durante os torneios. Mas tenho viajado pouco com treinador. Querendo ou não, é caro, né? E eu também divido ele com o Rafa. O Rafa chegou primeiro também, né? Ele acaba viajando mais com o Rafa, o que é normal por questões de custo e tudo mais. A ideia é assim que eu aproximar, chegar ali e estiver jogando mais torneios com o Rafa, isso vai acabar sendo natural e vamos ficar mais tempo juntos também [Hoje, Matos é o #36 do mundo, enquanto Zormann é o #97, então nem sempre Zormann consegue disputar os ATPs de que o gaúcho participa].
Pode acontecer de você viajar algumas semanas com a Ingrid [Magossi, treinadora, atualmente trabalhando na Hípica, em Campinas, e também namorada de Zormann] como sua técnica?
Sim. É que ela também tem o trabalho dela, né? Mas agora, por exemplo, aqui em Campinas, onde ela trabalha, ela está comigo. Ela tem os afazeres dela, mas ela vai tirar férias e vai a três torneios comigo, então acaba que ela vai fazer esses dois papéis assim. Ela gosta muito de tênis, gosta muito de acompanhar e com certeza ela pode agregar dos dois lados.
Antes de ir adiante, é bom deixar claro: ela tem curso de treinador, ela tem qualificação. Não é uma namorada formada em business que você pegou pra dar um treino aqui...
(risos de ambos) Sim, sim. Ela já é treinadora há uns 6-8 anos. Foi chamada pelo Peniza, que é capitão da Billie Jean King Cup. Ele tem feito meio que uma mentoria com vários treinadores para o tênis feminino. Ela passou e vai passar mais uma semana em Itajaí, com as meninas de 14-16. Tem um programa bem legal que ele está fazendo ali, junto com a CBT. Ele chamou alguns treinadores, e ela foi uma dessas pessoas.
Vocês já namoravam nessa época que você se afastou do circuito. O quanto é importante você ter ao lado um técnico, que pode te dar um treino, conhece o esporte, mas também não só gosta de você além do atleta e entende e passou junto com você esses momentos mais difíceis?
Muito importante porque... Exatamente, ela passou todo período que eu tive de depressão e parada... Eu estava com ela. É muito bom porque eu me sinto confortável para me abrir e falar sobre qualquer coisa. Às vezes, faz a diferença você ter alguém para chegar a falar, e não vai ter nenhum julgamento. Ou uma pessoa que te entende. Para ela, talvez seja um pouco difícil saber como é ou como foi a realidade [da depressão] por mais que tenha passado muito tempo comigo, mas às vezes é só ter uma pessoa com quem você pode compartilhar, estar dividindo com ela... Faz toda a diferença.
Para terminar: você já jogou um ATP 500 no Rio, passou o quali com o João Fonseca e quase ganha aquela primeira rodada; você tem duas semis de ATP com o Romboli; jogou Roland Garros com o Orlandinho, pegou Bopanna e Ebden na primeira rodada; e seu melhor ranking é 92. Hoje, qual é teu objetivo máximo? O seu sonho no tênis.
É ganhar um grand slam e... Bater top 10 vai acontecer automaticamente se eu ganhar um grand slam. Então acho que meu sonho mesmo não é nem tanto a questão do ranking. É ganhar um grand slam.
Mais do que ser número 1 do mundo?
Se tivesse que escolher entre um e outro, sim: ganhar um grand slam.
O que você precisa agora para dar esse salto? Você está indo bem em quase todos os Challengers, mas é preciso quebrar essa barreira para chegar aos ATPs, que é o primeiro grande problema, né?
É, a gente fala que tem uma areia movediça no ranking. Eu tô numa delas, que é sair de 100 para 70 mais ou menos. É tão perto e tão longe assim. Você citou esse resultados e tudo mais... Em Roland Garros mesmo, a gente esteve a um jogo de fazer terceira rodada porque a segunda foi WO. A terceira rodada era um bait jogo, que eram dois caras que estão no nosso nível de ranking [Zormann e Orlandinho perderam em três sets para Bopanna e Ebden, cabeças de chave 2; na terceira rodada, enfrentariam Balaji e Reyes-Varela, 65º e 59º do ranking atualmente]. São esse detalhes assim. As duas semis com o Romboli foram dois jogos que, de repente, poderíamos ter saído com um título em uma semana. Teve outra semana também com um pouco de azar porque o Romboli acabou machucando durante um jogo... Acho que é seguir no caminho que estou. Está faltando esse detalhe de, um jogo ou outro, que faz muita diferença num ATP ou num slam. Com esse resultado de Roland Garros, eu poderia estar já 70-80. É seguir trabalhando. Eu acredito muito no Franco, no trabalho dele. O Rafa é um exemplo de alguém que ele pegou do zero, por assim dizer, e colocou ali, está top 30 consolidado agora, há 2-3 anos ali. Mas também pela capacidade e sabedoria de tênis que ele tem. É impressionante. Assistir a um jogo do lado dele é uma experiência diferente. Poucos... tô até dando muita moral pra ele
(Risos de ambos)...
Não é porque ele é meu treinador, não, mas você sentar do lado dele e assistir a um jogo, com ele comentando e falando sobre o jogo... Ele tem uma visão muito diferente, muito clara do que está acontecendo no jogo. É impressionante. Em 90% das vezes, se ele falar uma jogada, é batata. É difícil chegar lá a reproduzir, mas ele tem uma visão e uma maneira de trabalhar que é muito boa. Eu acredito muito nas coisas que ele fala para fazer. Eu acredito que é isso. Eu tenho entendido mais coisas na questão de confiar em mim mesmo, em acreditar que eu sou melhor que esses caras, que eu tenho nível para subir e estar ali. E também encontrei uma... Eu estava com uma pressa de dar esse próximo passo. Não que eu não queira, mas é mais uma certa pressão um pouco desnecessária, talvez querendo demais. Acho que consegui encontrar um pouco dessa tranquilidade, e isso tem me ajudado bastante. Talvez esse processo vá ser mais rápido agora. Espero que seja.
Para entrar num slam, qual a soma [de rankings] que precisa hoje em dia?
Está cada vez mais duro. Está fechando em 130, 131, 132 [número que significa a soma do ranking dos dois tenistas]. Antigamente, até 150 entrava, mas a premiação está aumentando bastante nas duplas, então os caras que estão 50-60-70 de simples estão jogando todos. A premiação é muito boa [duplas que perderam na primeira rodada do US Open, por exemplo, embolsaram US$ 25 mil]. O cara basicamente paga já a semana de custos dele. E aí ele vai tirar meio que livre o que ele ganhar nas simples. E, querendo ou não, é um grand slam.
Como é que está sua matemática financeira hoje? Você consegue se sustentar só com prize money de duplas?
Mais ou menos. A entrada em Roland Garros ajudou muito [Zormann e Orlandinho dividiram ? 17.500 pela participação no torneio]. Não sei exatamente, mas talvez foi um terço ou metade de todo prize money do ano. Mas estou conseguindo me manter, ainda mais que depois do Rio Open, entrou a EQI, que vem me ajudando com patrocínio mensal. E aí, faz 1-2 meses, estou com a Soderling. Estou recebendo material e um valor mensal, então ajuda demais. Faz total diferença. É um valor que eu sei que tenho garantido e posso investir em outras coisas. Logo que entrou a Soderling, eu estava buscando um psicólogo do esporte e não dava para encaixar no orçamento. Quando fechou, na hora eu mandei uma mensagem e a gente começou a trabalhar.
Você foi atrás dos patrocinadores ou eles te procuraram?
No Rio estava o pessoal da EQI com o Rafa [Matos] e tudo mais. Acabei indo bem. Já conhecia os caras, já tinha ido numa clínica para eles e tudo mais. E aí o Marcello Donato, que é agente do Rafa, meio que falou com os caras. O Franco também tem uma ótima proximidade com eles. Os caras também já me conheciam, e acabei entrando para o time da EQI. E a Soderling também. O Lello [Donato] conhecia Bill, que é o cara da Soderling, num evento em São Carlos. E eu já tinha conhecido o Bill na Suécia. Aí acabou casando e foi muito bom.
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