João Reis vira referência LGBT no tênis: 'Minha voz é importante agora'
Era para ser apenas um desejo público de feliz aniversário para o namorado, mas a postagem feita no dia 7 de dezembro por João Lucas Reis, o 11º mais bem colocado brasileiro no ranking mundial do tênis, pegou muita gente de surpresa. A maioria dos fãs da modalidade não sabia do relacionamento do pernambucano, e a repercussão foi muito além das expectativas do próprio atleta.
Do dia para a noite, João transformou-se no "primeiro tenista homem do mundo em atividade a assumir sua homossexualidade." Notícias sobre seu post no Instagram correram o planeta, preenchendo todo tipo de veículo jornalístico, do Pink News ao Daily Mail. Até o New York Times procurou o atleta.
Reis tornou-se uma referência mundial. Pioneiro para uns, inspiração e muito mais para outros. No meio disso tudo, precisava manter a cabeça no lugar e disputar um torneio importante: a Procopio Cup, em São Paulo, não dava pontos no ranking, mas premiava o campeão com um wild card - convite - para o Rio Open, um ATP 500, o mais importante torneio do circuito mundial na América do Sul.
Nesta segunda-feira, o brasileiro pode dizer que passou com notas máximas pela primeira semana de sua nova vida. Conquistou o título da Procopio Cup, ganhou o convite para disputar o qualifying do Rio Open, e fez tudo isso sem deixar que a fama recém-adquirida atrapalhasse seus objetivos. E foi depois disso tudo, na tarde de domingo, que conversamos rapidamente enquanto João se preparava para ir ao aeroporto, para falar sobre como viveu esses dias.
Conta um pouco da história e do timing desse post, João:
Eu saí do armário tem cinco anos. Foi quando eu comecei a contar para os meus pais, a minha família, meus treinadores, o pessoal do tênis também. Pra mim, sempre foi uma coisa natural depois disso. Eu namoro o Guilherme há dois anos, e sempre levei ele para os torneios. O pessoal dos torneios da América do Sul... Todo mundo já sabia, então para mim foi uma coisa natural. Nem pensei que [o post] ia tomar uma proporção tão grande. Foi só um post para o aniversário dele, e acabou que tomou essa proporção inteira. Muita gente me mandou mensagem me parabenizando, falando que me admira, falando que eu sou uma inspiração para muita gente, e eu fiquei muito feliz a semana inteira de receber essas mensagens. Por que agora? Foi meio natural. Como é uma coisa normal pra mim há um tempo já, acabei postando como já tinha postado Stories com ele também no dia dos namorados, e talvez o pessoal não tenha percebido. Mas enfim, é uma coisa que não escondo há muito tempo, tanto que levo ele para todos torneios que eu posso. Sempre quando a gente consegue ficar junto, ele está comigo, então foi meio que uma coisa natural. O bom é que a repercussão foi boa também. Muitas mensagens boas comparadas com as ruins, que foram nada.
Teve mensagem de ódio?
Teve. Sempre tem, mas se pegar no contexto geral, é 95% de mensagens boas, e 5% de ruins, então nem vejo direito. Fiquei muito feliz com a repercussão que teve.
E ele [Guilherme, o namorado], também recebeu?
Ele também recebeu muita mensagem de gente apoiando, mas acho que o foco foi mais eu mesmo. Ele ficou um pouco. Eu fiquei um pouco preocupado com ele também porque ele também não estava esperando aparecer em todas páginas de fofoca de tudo que é revista (risos). Foi uma coisa meio nova, mas a gente está lidando bem com isso.
Apareceu em tanto lugar assim? (risos)
Apareceu. Muita página de fora [do Brasil]. Tipo... teve um jornal da Holanda, tá ligado? Um cara holandês mandou assim "saiu aqui no jornal da minha cidade, uma cidade pequena." Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos... Por isso, teve muita gente mandando mensagem me parabenizando.
Já deu tempo de você entender e, de repente, abraçar esse papel novo, de exemplo, de alguém que está abrindo portas? Porque ainda que não seja novidade pra você, quem ficou sabendo agora está olhando para você assim, como um cara que está abrindo uma porta.
Pra ser sincero, estou tentando processar ainda porque foi uma semana muito louca. Foi uma semana em que eu recebi muitas mensagens, uma semana em que viralizou esse fato da minha vida, que para mim já era uma coisa normal, e ao mesmo tempo eu estava no meio de um torneio, muito focado em querer ganhar isso daqui... E sabe como é difícil manter a cabeça num torneio quando está tendo tipo um "escândalo" fora (risos)... Mas é uma coisa que eu preciso me preparar também. Eu sei que minha voz é importante agora nesse sentido. Eu vi em algumas matérias que sou a única pessoa que se assumiu enquanto estava jogando tênis, mas como falei: para mim, é uma coisa normal, não tenho problema nenhum em falar sobre isso, e espero que não atrapalhe a minha carreira. Uma das coisas que eu tinha medo antes era isso: perder patrocínios ou isso me impedir de desempenhar nos jogos, receber muito hate e essas coisas, mas por enquanto não estou recebendo nada [de ruim]. Só muitas mensagens de amor e carinho, e essa é a parte mais importante.
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Quero receberOlha, eu acho que pode acontecer o contrário, viu? Porque o tênis tem uma presença muito grande da comunidade LGBTQIAP+ entre os fãs. Acho que muito mais do que basquete, vôlei, outros esportes populares.
Para ser bem sincero, eu não sabia que existia essa comunidade inteira, mas vi esta semana que tem muita gente me apoiando e muita gente cuidando das minhas costas.
No vestiário, mudou alguma coisa?
No vestiário, não mudou nada. O pessoal sempre me tratou bem, mesmo depois. Para eles, é uma coisa normal. Todo mundo conhece meu namorado, todo mundo é amigo dele. Todos jogadores. Gente de fora, inclusive argentinos e todos.
E dentro de quadra, algum adversário já usou isso para te tirar do sério?
Não. Até hoje, isso nunca aconteceu. Em relação a minha homossexualidade, nunca aconteceu nada dentro de quadra.
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