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REPORTAGEM

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Algoz de Medina e fã do Brasil; o japonês que pode fazer história na WSL

Kanoa Igarashi nas Olimpíadas de Tóquio 2020 - REUTERS/Lisi Niesner
Kanoa Igarashi nas Olimpíadas de Tóquio 2020 Imagem: REUTERS/Lisi Niesner

Colunista do UOL

07/09/2022 13h14

"Às vezes te odeio por quase um segundo... depois te amo mais..."

A frase da canção dos Paralamas do Sucesso, foi a primeira conexão que me veio a mente quando pensei na relação entre a torcida brasileira e Kanoa Igarashi, único japonês presente no WSL Finals, a decisão do mundial de surfe da temporada 2022.

A raiva da galera com ele foi tão rápida que talvez você nem ligue o nome à pessoa.

Eu explico.

Aconteceu na estreia do surfe em Jogos Olímpicos... no ano passado, na praia de Tsurigazaki, no Japão.

Kanoa foi o cara que tirou Gabriel Medina da final olímpica, e evitou uma dobradinha verde e amarela com ouro e prata.

A vitória foi polêmica sim... mas ao invés de responsabilizar os juízes, parte dos fãs se voltou equivocadamente contra ele.

Se Saquarema estivesse no calendário do tour em 2021, não sei qual seria a reação de parte da galera. Mas como diz a música... o sentimento passou rápido. Um ano depois, Kanoa teve um encontro quente com os fãs brazucas... mas de carinho.

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Kanoa Igarashi, durante etapa da temporada 2022 da WSL
Imagem: WSL

Kanoa nasceu no Japão, cresceu nos Estados Unidos, morou em Portugal... e como um bom surfista, ganhou o mundo.

Está na elite da WSL desde 2016, venceu só uma etapa, em Bali (Indonésia)... e foi o último a se classificar para o evento decisivo.

Será o primeiro a cair na água em Trestles, justamente contra... Italo Ferreira... uma reedição da final da Tóquio 2021, quando ficou com a medalha de prata.

Ciente da missão complicadíssima para chegar ao título, já que terá que surfar ao menos 5 baterias no mesmo dia, ele mantém a tradicional calma oriental. Sabe como batalhou para estar entre os 5 melhores... e que apesar do longo caminho, pode sonhar em levantar a taça tão sonhada e desejada desde os tempos que começou a surfar.

Direto da Califórnia, Kanos Igarashi falou com o 'Surfe 360'.

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Kanoa Igarashi
Imagem: WSL

É possível comparar a importância entre estar pela primeira vez nas finais da WSL e ganhar a medalha de prata nos Jogos Olímpicos do seu país?

Acredito que sim, ambas estão na mesma página, ser campeão mundial é tão importante quanto a conquista olímpica.., ambas muito poderosas. O título mundial seria um sonho para mim desde de criança. Essa é uma diferença, os Jogos Olímpicos não faziam parte do meu imaginário, já que foi um coisa nova e não é possível ter um objetivo que não existia. Ou seja, pensando no 'Kanoa do passado', e fazê-lo orgulhoso, a taça da WSL está numa parte diferente do meu coração... mas a Olimpíada também está lá, é pra sempre, algo que pude mostra a meus avós.

Filipe e Italo já disputaram as finais da WSL no ano passado. Você acha que eles se beneficiarão sabendo o formato do evento?

Provavelmente. Devem ter uma vantagem, eles conhecem o sentimento de estar no top 5 e todo o ambiente. Eu queria ter feito parte em 2021, imagino como foi a energia e me preparei demais para esse ano. A minha frustração foi tão grande que nem assisti o evento... e até hoje não vi, espero tentar conferir um replay para sentir a vibração.

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Kanoa Igarashi, medalha de prata nos Jogos Tóquio-2021
Imagem: GettyImages

Para ser campeão, você terá que entrar no mar várias vezes no mesmo dia. Cansaço e problemas físicos podem ser um fator complicador?

Não. Cansaço e físico não me preocupam, o problema vai ser mesmo as pessoas contra quem vou competir (risos)... é o top 5, os melhores do mundo. É muito duro ter vencer 5 baterias em um dia. Se você pensar em probabilidades e chances, é algo bem complicado de fazer.. uma já é. Serão 5 disputas na sequencia e vai ficando cada vez mais duro. Cada bateria é uma decisão... essa é a parte mais difícil. Em relação ao físico, estarei preparado.

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Kanoa Igarashi compete no US Open of Surfing
Imagem: WSL

Você conhece Trestles muito bem. Você gosta de ondas de alta performance? O que você pode dizer sobre as condições?

Cresci surfando aquela onda. Me ajudou muito no jeito que é minha performance hoje. Olhando minhas rasgadas, meus aéreos... foram moldados em Lowers. Morando em Huntington (outra praia da Califórnia), me fez conhecer muitas ondas de qualidade na região... uma delas foi lá, onde meus pais me levavam quase todos os dias durante o verão. Ao longo dos anos, me "cansei" de pegar onda lá, disse a mim mesmo que não voltaria lá até me tornar um top 5. Essa hora chegou, estou pronto... e nos últimos dias foi muito divertido, várias memórias voltaram e tive o mesmo prazer do 'Kanoa adolescente'.

Você tem ideia da importância da sua popularidade para o crescimento do surfe no Japão? Você acredita que estar entre os 5 melhores do mundo influenciará muitas pessoas do outro lado do mundo?

Espero que sim. Gosto deste efeito... de inspirar. Não só no Japão, mas em toda a Ásia. Vemos muitos bons atletas do continente no beisebol, no futebol... por que não surfando? Tem sempre aquela ideia do tipo "nossa estatura não é grande o suficiente", ou "não temos a pegada dos americanos, brasileiros e australianos". Parecem desculpas, mas é como estar sozinho no deserto, entre os 5, o que pode levar o título. Não é porque abri as portas que já está feito... não existe desculpas. Eu sou 100% japonês e me esforço demais para melhorar... não acordei um dia como um atleta do top 5, não nasci para isso. Tomara que consiga provar que é possível, é o principal caminho para inspirar alguém... não falando, mas fazendo.

Estive em Saquarema e vi que a torcida gosta de você e te respeita muito. Como é sua relação com os surfistas brasileiros no tour?

Os fãs brasileiros são demais. Eu tenho muito carinho e amo o Brasil... amo a cultura brasileira. Por isso mesmo que gosto muito da companhia do Gabriel (Medina), Filipe (Toledo), Miguel Pupo e do Italo (Ferreira). Sinto uma ligação não apenas pelo surfe, mas também por causa da vibe do Brasil... do carioca... amo essa energia da praia, todo mundo muito feliz. De ir na praia com açai, com picanha... e queijo coalho, uma mistura. Por isso... no tour, sinto que eu e os brasileiros temos uma ligação diferente, mais próxima... somos uma família. E para os fãs daí... bom... é claro que vão sempre torcer para os brasileiros, mas se conseguem torcer pra mim em segundo lugar... tá bom (risos). Só quero dar um show pra todo mundo que estiver assistindo. E... quero ser campeão do mundo, para mim, para minha família e meu país.

por @thiago_blum / @surf360_

agradecimento: Gabriel Gontijo / WSL