Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Por que Maradona sempre culpou Carlos Menem por sua prisão com cocaína
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O ex-presidente argentino Carlos Menem, que morreu ontem (14) aos 90 anos, teve laços estreitos com o esporte no país, mas sua relação com Diego Armando Maradona foi meramente protocolar. Maradona sempre culpou o mandatário por sua prisão com cocaína em Buenos Aires em 1991.
Em 2018, o livro Copa Loca, escrito por mim e pelos jornalistas Celso de Campos Júnior e Giancarlo Lepiani, destrinchou o assunto. A coluna reproduz o respectivo trecho da obra (à venda aqui no site da editora, a Garoa Livros).
Maradona vivia um calvário. Em março de 1991, traços de cocaína haviam sido detectados na urina do astro do Napoli após uma partida contra o Bari. Diego recebera uma punição de quinze meses - mas, ao contrário de Caniggia, não admitiu o uso da droga.
Em sua autobiografia, anos depois, seguia sustentando que foi vítima de uma armação dos italianos. "Ese doping era la venganza, la vendetta contra mí. Porque a Argentina tinha eliminado a Itália e eles perderam muitos milhões. Depois daquela partida em Nápoles, Matarrese, que era presidente da Federação Italiana e havia nascido em Bari, não me olhou com raiva nem com amargura. Me miró como miran los mafiosos."
A narrativa de inocência caiu em descrédito quando Maradona, de volta a Buenos Aires para cumprir a suspensão, foi pego com cocaína em sua residência no bairro de Caballito. O escândalo explodiu em 26 de abril de 1991.
A El Gráfico revelou que o craque já vinha sendo monitorado pelos agentes da División Patrimonial de Narcotráfico, que levaram a cabo a operação policial e lavraram o dramático flagrante. Reproduzido nas páginas da revista, o suposto diálogo entre Maradona e o agente que o prendeu é digno de uma letra de tango.
- Perdiste, Diego, perdiste. ¿Cuánta blanca tenés?
- Dejá, no me matés... Podemos arreglar.
- Imposible volver atrás. Hay 200 personas en la calle.
Quando viu a multidão que, de fato, se aglomerava nas cercanias, Maradona ironizou. "¿Qué pasa, che, quién citó la conferencia de prensa? ¿Está la RAI [televisão italiana]?"
Na madrugada seguinte, Diego foi liberado após pagamento de fiança. A juíza do caso poupou-lhe do indiciamento por posse de entorpecentes, mas ordenou que ele se submetesse a um tratamento de reabilitação. O jogador colocou a culpa pelo episódio no presidente Carlos Menem, que teria armado a invasão policial - e avisado a mídia, por supuesto - para desviar o foco
dos inúmeros escândalos de seu governo.
De fato, com El Diez na jogada, o caso de Amira Yoma, ex-cunhada de Menem envolvida em uma escabrosa história de nepotismo e lavagem de dinheiro, acabou sendo colocado para escanteio nas manchetes dos jornais. Mesmo castigado física e psicologicamente, Maradona não se curvou - e, em setembro de 1992, ao término da suspensão imposta pela Federação Italiana, acertou com o Sevilla. Sua contratação havia sido uma imposição de Carlos Bilardo, ele mesmo levado a peso de ouro ao clube da Andaluzia para montar um esquadrão. Simeone e Davor Suker, entre outros, já estavam a bordo; entretanto, ninguém melhor do que Maradona para mostrar ao mundo do futebol que o Sevilla aspirava à glória.
A intrincada relação Maradona-Menem-Yomagate foi parar nas capas de revistas até do Brasil, como mostra a reprodução da IstoÉ da época, e tema de saborosas teses sobre os vínculos da política com a imprensa na Argentina. A melhor reflexão, disparada, é esta aqui, do intelectual Carlos Pagni.
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