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Tales Torraga

REPORTAGEM

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"Macacos": Como jornal argentino se desculpou por capa racista na Olimpíada

Capa do jornal argentino "Olé" em 31 de julho de 1996 - Reprodução Olé
Capa do jornal argentino "Olé" em 31 de julho de 1996 Imagem: Reprodução Olé

Colunista do UOL

03/08/2021 04h00Atualizada em 03/08/2021 11h30

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Em uma semifinal olímpica, há exatos 25 anos, o jornal argentino "Olé", especializado em esportes, estampou em sua manchete uma provocação à seleção brasileira de futebol: "Que venham os macacos".

O texto da capa com a óbvia alusão preconceituosa comemorava a vitória da Argentina sobre Portugal e afirmava que Brasil e Nigéria disputariam a segunda vaga na decisão da Olimpíada de Atlanta, realizada em 1996.

Então em seu terceiro mês de circulação, o "Olé" gerou um tenso conflito diplomático. O embaixador do Brasil na Argentina, Marcos Azambuja, enviou uma carta formal de protesto ao assessor de comunicação do presidente Carlos Menem, Raúl Delgado. Na carta, Azambuja reclamava das "insinuações raciais e depreciativas do jornal". O vice-ministro de Relações Exteriores da Argentina, André Cisneiros, dizia que o governo "estava consternado".

A repercussão assustou os editores do "Olé", que publicaram uma retratação no dia seguinte (uma quinta, 1º de agosto). O secretário de redação do jornal, Mariano Hamilton, disse que a manchete se referia aos brasileiros, e que "os argentinos costumavam chamá-los de macacos, uma coisa institucionalizada".

No editorial cujo título era "Sem intenção de faltar o respeito", o jornalista negava a existência de qualquer conteúdo racista no termo "macacos": "Não houve intenção de ofender. Aqui não há nenhum racista".

"A gozação e os jargões do futebol podem mudar como são entendidas as palavras segundo o contexto. Por isso, o Olé pede desculpas ao povo brasileiro", encerrava o editorial.

"Maior cagada"

Responsável por aquela capa, Hamilton seguiu no cargo e construiu uma respeitada carreira na imprensa argentina, sendo comentarista de grandes emissoras de TVs e autor de bem-sucedidos livros publicados pela editora Planeta, a maior do país.

O grave deslize, no entanto, o faz pedir desculpas até hoje. "Vi no dia seguinte e pensei: que cagada imensa. É a maior cagada da minha carreira. Se eu pensasse outra coisa, seria um estúpido", conta.

"Eu me arrependo, por isso fiz o editorial no dia seguinte pedindo desculpas. Deixei meu cargo à disposição da direção geral. Fiz o que tinha que ser feito. Sigo pagando por essa cagada, e está bem. Depois, claro, fiz umas capas extraordinárias. Mas hoje, tanto tempo depois, sigo pedindo desculpas."

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Mariano Hamilton, responsável pela infeliz capa do "Olé" em 1996
Imagem: Divulgação Editora Planeta

Chefe de redação do "Olé", o jornalista Leonardo Farinella também reconheceu a infelicidade daquela capa: "Foi um erro, um excesso de juventude. Buscávamos refletir o sentimento do torcedor, e ainda estávamos acertando o tom", disse em entrevista à agência de notícias AFP em 2005.

O "Olé" completou 25 anos no último dia 23 de maio e segue integrando o grupo empresarial "Clarín", o maior da Argentina no setor de comunicações.

"A postura de ir contra o Brasil tem a ver estritamente com ser pró-Argentina. Há uma rivalidade esportiva que respaldamos. O Olé quer que o Brasil perca. Apesar de o Brasil ter jogadores muito bons, muitos deles admirados por nós, considerados simpáticos, queremos que joguem mal", seguiu o jornalista na mesma entrevista de 2005.

"Creio que no Brasil o tema do racismo é muito mais sensível do que na Argentina, onde há xenofobia contra paraguaios, bolivianos, peruanos, uma situação que não apoiamos. Mas nós não nos consideramos racistas com os brasileiros", finalizava.

O que o "Olé" pensou

Além de publicar a retratação no dia seguinte, o "Olé" aproveitou o deslize para reforçar sua linha editorial, que "brincava com os limites entre o coloquial, o ordinário, a gozação e a ofensa", mas reconhecia que "ultrapassara uma fronteira sensível".

"Entendíamos que 'macaco' era uma palavra muito utilizada pela imprensa argentina", justificava Farinella. "Pensamos que não ia nos trazer dificuldades. O que não levamos em conta é que a imprensa brasileira tinha um outro conceito do nosso jornal e não esperavam que usássemos essa palavra. Assumimos o erro e nunca mais usamos este termo. Isso é o que acontece quando alguém vai com tudo: corre riscos e às vezes manda uma bola fora."

Aquela capa guardava uma outra referência de complicada compreensão fora da Argentina. Em 1982, o general Leopoldo Galtieri declarou a Guerra das Malvinas à Inglaterra com a infame frase "Que venga el principito, le presentaremos batalla" ("Que venha o pequeno príncipe, pois daremos batalha"), algo também implícito no "Que venham os macacos" (Afinal, havia uma batalha a seguir na final olímpica).

Preconceito reiterado

A alusão do "Olé" aos brasileiros não foi a primeira da imprensa argentina no final do século passado. Tais práticas, porém, são cada vez mais raras nos meios de comunicação do país vizinho. Praticamente desapareceram.

Em 1995, quando houve um conflito diplomático por causa da restrição à entrada de veículos argentinos no mercado brasileiro, o jornal "Ámbito Financiero" publicou uma charge de um negro defecando carros.

Em 1997, o jornal "Crônica", de Buenos Aires, chamou os brasileiros de "macacos" ao noticiar a vitória da seleção júnior de futebol da Argentina sobre o Brasil, por 2 a 0, no Mundial Sub-20, na Malásia.

A palavra foi publicada na primeira página de uma edição cuja tiragem beirava os 300 mil exemplares. "A comemoração louca dos nossos juvenis na Malásia, após derrotar a sub-20 dos macacos, que vinha fazendo dez gols por partida", afirmava o "Crônica" na legenda de uma foto dos atletas argentinos.

O embaixador do Brasil na Argentina, Marcos Azambuja, repetiu o que havia feito com o "Olé" e enviou uma carta à direção do jornal criticando a palavra "macacos", que considerava "racial, pejorativa, politicamente incorreta e inteiramente inaplicável".

O secretário de redação do "Crônica", Júlio de Puch, disse que a "expressão 'macacos' estava "institucionalizada como uma referência aos brasileiros", mas que não significava uma "provocação racista". O jornal não fez nenhum reparo à sua edição.

Embora a palavra para designar "macaco" em espanhol seja "mono", o termo "macaco" ou "macaquito" é uma alusão ao pensamento descrito há dois meses pelo presidente argentino, Alberto Fernández, que disse ao premiê da Espanha, em Buenos Aires, "que os mexicanos vieram dos indígenas, os brasileiros, da selva, e nós, argentinos, chegamos em barcos que vinham da Europa."

A metáfora racista, xenofóbica (e obviamente violenta e atrasada) aplicada por parte da população argentina estabelecia que "eles eram homo sapiens e os brasileiros, macacos, inferiores na escala evolutiva".

A origem dos "macaquitos"

O apelido de "macaquitos" dado pelos argentinos aos brasileiros surgiu na Guerra do Paraguai, na segunda metade do século 19, porque alguns batalhões de soldados brasileiros eram quase todos compostos por negros (quando o país ainda mantinha a escravidão).

Mas foi no futebol que o apelido pejorativo ganhou força. Nos primeiros confrontos entre as seleções de Argentina e Brasil, na primeira metade do século passado, torcedores argentinos imitavam macacos nas arquibancadas, o que chegou a causar a retirada do gramado dos jogadores brasileiros.

Em 1920, a seleção brasileira fez um amistoso na Argentina e foi recebida com uma charge racista assinada pelo jornalista uruguaio Antonio Palacio Zino, com ilustração do argentino Diógenes Taborda e publicada no jornal "A Crítica". A triste situação dos "macaquitos" desenhados foi retratada em novembro do ano passado no completo especial do UOL Esporte assinado por Ana Flávia Oliveira e Eliana Alves Cruz e acessado aqui.