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43 anos depois, o que prova armação nos 6 a 0 da Argentina no Peru em 1978?
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A Argentina recebe o Peru amanhã (14), às 20h30 (de Brasília), no Monumental de Núñez, em seu 11º compromisso nas Eliminatórias para o Qatar-2022. Os mais novos talvez não saibam, mas as duas seleções sul-americanas fizeram em 1978 um dos jogos mais suspeitos da história dos Mundiais.
Dá para afirmar que aquele jogo não foi suspeito, e sim armado para a Argentina eliminar o Brasil e chegar à final? Há provas? A coluna reproduz trechos do livro Copa Loca - As inacreditáveis histórias da Argentina nos Mundiais (editora Garoa Livros) que detalham aquele episódio.
Ditadura brutal
No decorrer do Mundial de 1978, a mão pesada da ditadura foi sentida não apenas fora de campo, com a brutalidade do regime deixando o clima carregado nas sedes e nos estádios, mas também dentro das quatro linhas, com a soturna influência dos generais entrando em ação num momento decisivo do torneio. Trata-se de assunto dos mais espinhosos, daqueles que jamais serão esgotados, mesmo depois de inúmeros depoimentos de quem participou, de um jeito ou de outro, daquela nebulosa passagem. Resta uma única certeza: a de que uma sombra permanente acompanha as memórias dos 6 a 0 da Argentina sobre o Peru em Rosário.
A decisão dos finalistas do Mundial aconteceu em 21 de junho de 1978. Todas as partidas estavam previstas para acontecer no mesmo horário, no início da tarde, para que nenhum time fosse beneficiado. No Grupo A, a Holanda bateu a Itália por 2 a 1 e se garantiu na final. Já no Grupo B, de Brasil e Argentina, a tabela sofreu uma inexplicável alteração: Brasil x Polônia às 16h45
e Argentina x Peru às 19h15. Convenientemente, portanto, os donos da casa entrariam em campo sabendo do resultado de que precisariam para avançar.
A seleção de Cláudio Coutinho venceu de forma indiscutível, 3 a 1. Para eliminar os brasileiros, a Argentina precisaria golear o Peru, que na primeira fase empatara com a Holanda em 0 a 0 e terminara em primeiro lugar de sua chave, por pelo menos quatro gols de diferença.
Acabaria fazendo seis - dois de Kempes, dois de Luque, um de Tarantini e um do Loco Houseman —ante um rival irreconhecível, vacilante e letárgico.
Vida facilitada
Como já se imaginava que o Brasil faria sua parte diante dos poloneses, os primeiros movimentos para facilitar a vida dos argentinos começaram dias antes da partida. Os relatos de integrantes da própria seleção peruana indicam que a federação do país já havia sido procurada por representantes do lado portenho a fim de encaminhar a classificação dos anfitriões.
Sinal claro disso foi a postura do técnico Marcos Calderón às vésperas da partida. Os líderes do elenco o procuraram para pedir que o goleiro Ramón Quiroga, nascido na própria cidade de Rosário e naturalizado peruano, ficasse no banco para que se evitasse qualquer suspeita acerca da conduta do selecionado andino. O treinador não apenas manteve Quiroga no time titular como ainda aproveitou atletas que ainda não haviam sido utilizados no torneio até aquele momento.
Um deles foi Raúl Gorriti, que entrou no lugar de José Velásquez, uma das referências da equipe, quando a Argentina vencia por 2 a 0. "Eu sempre jogava os 90 minutos. Aí o técnico me tira e logo saem os gols de que eles precisavam", relembra Velásquez, que é categórico ao dizer que parte de sua equipe recebeu dinheiro para perder. Segundo ele, seis atletas do elenco se venderam, sendo um deles o goleiro Quiroga. Outro teria sido o zagueiro Rodulfo Manzo, suspeito de trocar uma atuação a "medio pelo", sem o devido esforço, por uma vaguinha no futebol argentino. Na temporada seguinte, Manzo foi contemplado com uma transferência ao Vélez Sarsfield.
"Havia dinheiro e droga"
Os testemunhos alarmantes sobre aquela noite enigmática em Rosário não se limitam ao lado peruano. O atacante Oscar Ortiz, um dos titulares da campanha argentina, é um dos mais francos ao comentar as suspeitas em torno da partida. "Havia dinheiro e droga. E onde há dinheiro e droga, há doping e suborno", diz ele no documentário Verdad o mentira, que esmiúça toda a trama. Ortiz, que chegou a vestir a camisa do Grêmio nos anos 1970, afirma ainda que "alguns peruanos jogaram a sério, mas outros nem tanto".
Dupla funesta e bombardeio
Os que não estavam dispostos a fazer corpo mole seriam intimidados pela presença de duas figuras funestas e extremamente poderosas. Faltando poucos minutos para o jogo, o general Videla e o então secretário de Estado americano, Henry Kissinger, bateram à porta do vestiário peruano. Diante dos atletas, Videla leu uma mensagem atribuída ao ditador do Peru, Francisco Morales Bermúdez, sobre a "irmandade argentino-peruana". "Deram a desculpa de que foram lá para desejar sorte ao nosso time, mas foi uma maneira de nos pressionar e de conversar com os que estavam vendidos", garante Velásquez. "Senti vergonha. Aquele jogo não foi normal, e os preparativos foram uma bagunça", confirmou o atacante Juan Carlos Oblitas.
A passagem de Videla e Kissinger pelo vestiário é detalhada também em Fuimos campeones, livro do jornalista argentino Ricardo Gotta que mergulha de cabeça em todas as incógnitas, contradições e mentiras que cercam aquele Mundial. De acordo com seu relato, uma bomba foi detonada na casa de Juan Alemann, o ministro da Fazenda, exatamente no momento em que o time de Menotti marcava o quarto gol, o tento que garantia a vaga na final.
Apesar de integrar o governo militar, Alemann era contra a realização da Copa em função da gastança desenfreada. Se um ministro era alvo de uma retaliação desse tipo, imaginar o que foi feito contra os integrantes da resistência aos militares causa arrepios.
Passados dez dias do encerramento da Copa, o governo militar baixou um decreto concedendo uma "linha de crédito extraordinária não reembolsável" ao Peru. O regalo era generoso: 50 milhões de dólares. A junta liderada por Videla também mandou entregar um carregamento de 35.000 toneladas de trigo aos peruanos. Os jogadores, porém, foram recebidos em meio a hostilidades
na volta a Lima.
Novas peças do quebra-cabeças de Argentina x Peru foram aparecendo com o passar dos anos. Três décadas depois da duvidosa goleada, surgiu uma versão do expediente usado pela ditadura para garantir o resultado desejado. De acordo com o filho de um dos líderes do cartel de Cali, o almirante Carlos Lacoste, homem-forte da organização do Mundial, foi um dos operadores do suborno e usou a organização criminosa colombiana como intermediária para fazer chegar o dinheiro à Federação Peruana de Futebol.
As lembranças daquela partida e o papel dos militares seguem dividindo tanto os argentinos como os peruanos. Enquanto Velásquez, Oblitas e Ortiz, entre outros, admitem que algo cheirava mal em Rosário,Luque, por exemplo, defende sua equipe: "O que a ditadura fazia era atroz, mas dentro de campo eu tabelava com o Kempes e o Bertoni, não com a junta". O Flaco Menotti também garante que seu time era capaz de golear os peruanos sem qualquer auxílio externo. "Jogamos vários amistosos com o Peru antes da Copa e bailamos em todos eles, tanto na Bombonera como em Lima", lembrou.
Acreditando ou não na interferência do regime na partida de Rosário, muitos campeões mundiais admitem que o assunto incomoda até hoje. O depoimento do meia Ricardo Villa, um dos atletas mais esclarecidos daquele grupo, é visceral. "Nos usaram para ocultar os 30.000 desaparecidos da ditadura. Me sinto enganado e assumo minha responsabilidade individual. Eu era um
boludo que não enxergava além do campo", reconheceu.
Osvaldo Ardiles, que depois da Copa faria história ao lado de Villa no Tottenham, da Inglaterra, resume bem o sentimento dentro do elenco campeão: "Dói saber que fomos um elemento de distração".
Títulos (e avós espancadas)
Com o Brasil fora do páreo - a seleção de Coutinho voltou para casa com o terceiro lugar e o inútil título de "campeão moral" -, a Argentina retornava a uma Buenos Aires eufórica para a final com a Holanda. Ironicamente, os holandeses, junto com os franceses, estavam entre os principais opositores da realização daquela Copa na Argentina. A seleção laranja cogitou até um boicote ao torneio, e os jornalistas holandeses eram os críticos mais ferrenhos dos abusos do regime. E por pouco a vice-campeã de 1974 não aprontou para cima dos anfitriões num Monumental completamente abarrotado.
A decisão, disputada em 25 de junho, foi nervosa e pouco brilhante. A Argentina abriu o placar com Kempes, aos 38 do primeiro tempo, e tinha a partida controlada até o finzinho, quando Nanninga empatou. Faltavam oito minutos para o título chegar, e o general Videla assistia a tudo da tribuna de honra, incapaz de esconder a preocupação. Na prorrogação, entretanto, Kempes e Bertoni marcaram e garantiram o primeiro mundial dos argentinos.
No livro A vergonha de todos, o jornalista Pablo Llonto relata que vários presos políticos foram levados às ruas pelas mãos de seus torturadores e acabaram sendo forçados a participar dos festejos pela inédita conquista. Mais grotesco que isso, só a comemoração pelo título argentino no Mundial Sub-20 de 1979, que incluiu torcedores espancando as avós da Praça de Maio.
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