Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Fosso entre técnicos brasileiros e argentinos é cada vez mais preocupante
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O colega Rodolfo Rodrigues cantou a bola aqui no UOL Esporte anteontem. Dos 16 times das oitavas de final da Libertadores da América 2022, nada menos que a metade é treinada por argentinos, enquanto o único técnico brasileiro é Felipão, no Athletico-PR.
A soma mudou com a saída do interino Julio Vaccari no Vélez Sarsfield e a entrada do uruguaio "Cacique" Medina, mas o placar continua surreal. Estamos simplesmente diante de um novo 7 a 1 — desta vez na quantidade de técnicos argentinos em comparação com os brasileiros na Libertadores.
O abismo se vê também nas seleções.
Dos dez países das Eliminatórias Sul-Americanas, seis agora têm treinadores argentinos, e Tite é o único representante do Brasil. A lista de técnicos argentinos: Lionel Scaloni (Argentina), o recém-assumido Eduardo Berizzo (Chile), Ricardo Gareca (Peru), Gustavo Alfaro (Equador), Guillermo Barros Schelotto (Paraguai) e José Pekerman (Venezuela).
A questão deixou de ser a qualidade para aplacar também a quantidade.
Somando clubes e seleções, há apenas dois brasileiros trabalhando hoje na elite do continente (Tite e Felipão). E nada menos que 13 argentinos ocupando os mesmos postos.
Argentina decola, Brasil empaca
A discrepância é ainda mais dramática ao se olhar para a idade dos treinadores. Enquanto o Brasil aposta apenas em técnicos consagrados como Felipão (73 anos) e Tite (61), a Argentina prova que sua formação é constante e fornece profissionais de diferentes gerações.
Técnicos jovens que acabaram de completar 40 anos? Há Sebastián Battaglia (41), Lionel Scaloni (44), Marcelo Gallardo (46), Juan Pablo Vojvoda (47) e Guillermo Barros Schelotto (49).
Mais rodados, acima dos 50? Estão trabalhando Eduardo Berizzo (52), Turco Mohamed (52), Daniel Garnero (53, do Libertad) e Gustavo Alfaro (59).
Há espaço também para os veteranos como Ricardo Zielinski (62), Ricardo Gareca (64), Julio Cesar Falcioni (65) e José Pékerman (72), provando que a Argentina não olha a idade na hora de esperar qualidade.
Outro forte exemplo do quanto a formação argentina é plural?
O ex-volante Fernando Gago, técnico do Racing, que acabou de completar 36 anos. Quando Felipão conquistou o penta com o Brasil em 2002, Gago sequer havia estreado como jogador (em 2004 pelo Boca).
Vale olhar também para o caso de Javier Mascherano, de 37 anos, que recusou propostas de times grandes argentinos para comandar a seleção sub-20 em seu país.
País dos técnicos
Quem lê a coluna sabe que sempre refletimos sobre a quantidade de técnicos argentinos na elite e a ausência de exemplos brasileiros.
Como os argentinos costumam brincar, o Brasil "pode ser a terra dos jogadores, mas a Argentina é o país dos técnicos de futebol".
De fato, o interesse do país vizinho em seguir a carreira é incomparavelmente maior. E sem falar no gosto por aventuras.
Gago, por exemplo, deixou para trás a vida de luxo vivida em Roma, Madri e Buenos Aires sem pensar duas vezes antes de enfrentar o calor de janeiro na modesta sede do Aldosivi, onde estreou como técnico.
Hernán Crespo é outro bom personagem. Depois de tanta badalação em Milão, Londres e Núñez, fez o mesmo que Gago, mas no Defensa y Justicia, de Florencio Varela, subúrbio de Buenos Aires.
Não se vê, nos grandes ex-jogadores brasileiros, a mesma aptidão para treinar um time e encarar este futebol "minuto a minuto" das redes sociais.
O volume de treinadores argentinos é de fato enorme, e o país já soma mais de 15 mil técnicos licenciados. Levantamento do Centro Internacional de Estudos do Futebol, na Suíça, revelou há dois anos que a Argentina era então o país com mais treinadores em todo o mundo - 68 técnicos ativos, em 22 ligas. O Brasil? Só 16 (23,5% da Argentina).
A elite hoje dá um panorama preciso da eficiência do alcance vizinho. Na Europa, impossível não mencionar Mauricio Pochettino e Diego Simeone (Atlético de Madri). No Brasil, até outro dia, Jorge Sampaoli e Eduardo Coudet.
A formação argentina é concorrida e tradicional: o curso para ser técnico existe desde 1963, e o diploma é exigido desde 1994. Quem estudou qualquer assunto no país sabe da tradicional paixão argentina por conhecimento, gerando boas escolas e professores obsessivos, de tão exigentes que são.
No futebol não é diferente. Os três anos de cursos são transcorridos sem dramas e com interesse cada vez maior, pois as aulas se desdobram a temas cotidianos como psicologia e neurociência. Lucas Pratto, Loco Abreu e Andrés D'Alessandro, para ficar só em três exemplos bem conhecidos no Brasil, já encararam a dose de aulas e estão aptos a ser técnicos.
Basta ter interesse: qualquer candidato, inclusive do Brasil, pode estudar à distância no campus virtual da ATFA (Associação de Técnicos do Futebol Argentino). A mescla da tradição do ensino e interesse dos alunos impede qualquer "furada de fila". Mesmo estrelas nos campos suam nos campus.
Outra brincadeira bastante repetida na Argentina é o "aluno comer o livro como o jogador come a bola", ilustrando a raça necessária para lidar com a alta dose de estudos. Em cenários assim, o QI ("Quem Indica") não existe - quem quer ver um argentino bravo é falar disso, por brincadeira que seja.
O portenho em especial se vê não raramente como um referente mundial de intelecto, e é difícil tirar-lhe a razão, principalmente quando o papo se encaminha para os cinco prêmios Nobel conquistados pelo país entre 1936 e 1984 (e todos com larga atuação na mesma universidade, a UBA, de Buenos Aires).
Uma das explicações para este aspecto é o investimento em educação nas décadas passadas. A dimensão do país, claro, contribui. A população argentina hoje é de cerca de 45 milhões (e 211 milhões de brasileiros). A prioridade na educação ficou para trás, como mostram as datas dos prêmios Nobel, mas a base é forte e exigente, integral e multicultural. Quem encara com afinco os estudos em Buenos Aires termina com uma bagagem rica e uma formação que muitas vezes que não deixa nada a desejar à europeia.
Voltando aos técnicos, já caducou usar o idioma como desculpa (o que responder a quem insiste nisso em pleno 2022?).
Pochettino está na França, Bielsa era referência na Inglaterra, Schelotto e Almeyda andaram muito bem nos Estados Unidos. Relacionar o espanhol ao sucesso está obsoleto.
E o Brasil nisso tudo? Com a palavra, outro colega, Julio Gomes.
"O Brasil não forma cidadãos, o Brasil não consegue formar pessoas, como é que ele vai formar técnicos? O Brasil não tem escola de técnico de futebol, isso começou a ficar claro para os dirigentes."
Técnicos argentinos nas Eliminatórias Sul-Americanas e oitavas da Liberta:
Marcelo Gallardo (River Plate)
Ricardo Zielinski (Estudiantes)
Turco Mohamed (Atlético-MG)
Juan Pablo Vojvoda (Fortaleza)
Sebastián Battaglia (Boca Juniors)
Julio César Falcioni (Colón)
Daniel Garnero (Libertad)
Lionel Scaloni (seleção argentina)
Ricardo Gareca (Peru)
Guillermo Barros Schelotto (Paraguai)
José Pékerman (Venezuela)
Eduardo Berizzo (Chile)
Gustavo Alfaro (Equador)
Técnicos brasileiros nas Eliminatórias Sul-Americanas e oitavas da Liberta:
Felipão (Athletico-PR)
Tite (seleção brasileira)
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