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Tales Torraga

REPORTAGEM

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Após 32 anos, Branco supera a 'água batizada' da Argentina na Copa de 1990

Branco posa com o troféu do tetra: ex-lateral da Seleção venceu a Covid-19 - CBF
Branco posa com o troféu do tetra: ex-lateral da Seleção venceu a Covid-19 Imagem: CBF

Colunista do UOL

12/10/2022 04h00Atualizada em 14/10/2022 17h03

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Claudio Ibrahim Vaz Leal, o Branco, é um homem realizado. Lateral esquerdo do tetra da seleção brasileira, em 1994, e sobrevivente a uma dramática internação por covid-19, ele hoje está com 58 anos e segue no futebol, trabalhando como coordenador das categorias de base masculinas da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Em entrevista publicada pelo jornal argentino "La Nación", ele colocou um ponto final em uma famosa trapaça.

No Brasil x Argentina da Copa do Mundo de 1990, Branco declarou que recebeu dos adversários uma água com sonífero, assunto que detalhamos abaixo. O "La Nación" questionou o ex-lateral sobre o episódio, mas Branco preferiu não comentar. O diário descreve então: "Branco se desculpa, mas esclarece que ficou no passado. Está convencido de que não vale a pena".

Anteontem (12), publicamos o trecho acima como uma declaração de Branco ao "La Nación". Através da assessoria da CBF, o ex-lateral esclareceu à coluna que não fez comentários públicos a respeito do episódio, o que registramos nesta atualização.

"Não vou ser tonto e justificar aquela derrota com o engano dos galões. A Argentina ganhou justamente, pelas genialidades de Maradona, e porque contava com um jogador diferente como o Caniggia", era outro declaração do "La Nación" atribuída a Branco, sem situar a data.

Segundo a assessoria da CBF nesta sexta (14), este trecho "é de uma entrevista antiga, da época em que aconteceu o caso, que o 'La Nación' recuperou".

A coluna solicitou uma entrevista com Branco sobre a "água batizada", mas sua assessoria respondeu que "ele não fala mais sobre esse episódio".

Por fim, a serenidade de Branco surpreendeu o "La Nación", que encerrou seu texto com uma definição precisa do ex-jogador da seleção brasileira: "Um bom homem, vítima de uma trapaça".

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Branco, lateral do tetra, conversa com jogadores das categorias de base na CBF
Imagem: Divulgação/CBF

Resquícios da confusão

Branco cruzou com a Argentina em situações posteriores àquela de 1990. O próprio "La Nación" resgatou que em 1994, nos Estados Unidos, o elenco argentino encontrou a delegação brasileira em um aeroporto, e que Branco foi tirar satisfação com o massagista Galindez, o Miguel Di Lorenzo, em um dos banheiros, berrando que tinha sido envenenado por ele.

Anos mais tarde, em encontro casual com o então técnico argentino Carlos Bilardo, Branco fez o mesmo, descarregando sua bronca perguntando: "O que você quis fazer comigo, desgraçado?".

Quem convive com os argentinos sabe que muitos deles são tão gozadores quanto os brasileiros —vem daí muito da rixa alimentada mutuamente. Em amistoso de veteranos realizado em Buenos Aires em 2009, Branco se encontrou com Ruggeri, Goycochea e Basualdo, integrantes daquela Argentina da Copa de 1990. O trio passou a tirar sarro de Branco, perseguindo-o com um galão de água. O ex-lateral entrou na brincadeira: "Água má, água má", dizia.

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Branco bebeu água batizada durante o confronto Brasil e Argentina na Copa de 1990
Imagem: Reprodução

Como foi

A vitória da Argentina sobre o Brasil foi tema de um episódio do documentário do UOL sobre a Copa do Mundo de 1990, disponível no canal do UOL Esporte no YouTube.

A face visível daquela partida das oitavas de final é a genialidade de Maradona enfileirando marcadores e deixando Caniggia na cara do gol de Taffarel, mas aquele resultado teve também um lado obscuro —e bem mais nefasto.

Branco era o encarregado de cobrar as faltas para o Brasil, e fazia calor em Turim. "Estava uns 40 graus", relembrou Maradona em entrevista ao programa Mar Del Fondo, do canal TyC Sports, em 2004. Aos 39 minutos da etapa inicial, uma falta de Ricardo Rocha sobre Troglio deixou o argentino no piso.

Entraram então os auxiliares com várias garrafas de águas em recipientes de cores diferentes. E Branco, rodeado de argentinos, bebeu um pouco de uma garrafa verde, com o logotipo da marca de isotônicos Gatorade. Todos os argentinos tomaram água de garrafas transparentes.

"Vascooo, desse não, desse não, do outro!", gritou Maradona a Olarticoechea. Foi esse chamado que alertou o grupo: nem todos sabiam o que estava acontecendo. O próprio Diego detalhou tudo na entrevista de 2004: "Eu dizia, beba, beba, Valdito... E depois veio Branco, que tomou toda a água. Justamente o Branco, que batia as faltas e caía", contou, gargalhando.

"Depois do jogo, estavam os dois ônibus juntos, e Branco me olhava pela janela e me apontava o dedo, me culpando, e respondia com gestos de que não tinha nada a ver com aquilo. Branco jogava na Itália e tínhamos boa relação. Depois disso não conversamos mais."

Maradona revelou, inclusive, qual foi a substância usada para drogar o brasileiro.

"Alguém picou Rohypnol na água e complicou tudo", ria, citando o tranquilizante de uso psiquiátrico.

De acordo com o jornal "Clarín", esse "alguém" foi o massagista Miguel de Lorenzo, mais conhecido como Galíndez, sob ordens de Carlos Bilardo —que, afinal, também era médico e sabia dos meandros necessários para tirar os adversários de combate.

Depois da confissão de Maradona, ocorrida 14 anos depois da partida, a imprensa argentina voltou a ouvir vários outros personagens presentes ao Delle Alpi. A revista Ventitrés publicou a seguinte entrevista com Bilardo:

- Maradona contou sobre o caso da garrafa com tranquilizante que deram a Branco. Ele revelou uma trapaça que envolve você.

- Mas ele não disse quem foi.

- E quem foi, Bilardo?

- Não sei, não sei... Não digo que não tenha acontecido, hein?

- Você não nega, e era o responsável pelo grupo...

- Sim, mas te digo que não sei.

A história acima faz parte do livro "Copa Loca - As inacreditáveis histórias da Argentina nos Mundiais", publicado no Brasil pela editora Garoa Livros.