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Tales Torraga

REPORTAGEM

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Como foi a despedida de Gallardo no River vista de dentro do Monumental

Marcelo Gallardo de despede do River no Monumental de Núñez - CARP Twitter
Marcelo Gallardo de despede do River no Monumental de Núñez Imagem: CARP Twitter

Colunista do UOL

17/10/2022 07h42

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Marcelo Gallardo fez ontem (16) seu último jogo em casa comandando o River Plate. No Monumental de Núñez, o gigante portenho perdeu por 2 a 1 para o Rosario Central de Carlitos Tevez e se despediu também da briga pelo título do Campeonato Argentino.

Falta apenas mais uma rodada para o fim do campeonato, e o River jogará fora, contra o Racing, que briga com o Boca para ser campeão.

A emotiva noite de domingo já faz parte da história. Foi a despedida de Gallardo perante o seu público depois de incríveis oito anos e meio de um trabalho elogiado pelo mundo inteiro.

A coluna traz agora o depoimento de Daniel Saavedra. Argentino de 59 anos, ele mora em San Isidro, pertinho do Monumental, e conta ao Brasil como foi a emoção vivida pelas cerca de 80.000 pessoas.

"Venho ao Monumental desde 1972, quando o estádio ainda nem tinha o formato de hoje. E qual o formato de hoje? Se for para falar do ânimo dos torcedores, é um formato que mistura angústia e felicidade.

Geralmente, dormimos e depois sonhamos. Desta vez, vamos perceber que estávamos sonhando e agora vamos dormir assim que terminar o jogo e chegarmos em casa.

Falta muito para o jogo, ainda. O domingo na Argentina foi de Dia das Mães. O ritual de sempre: almoçar com a velha e tirar uma siesta. Mas hoje sem siesta. Vamos ao Monumental e a esta tristeza de perceber que tudo está acabando.

Sim, está acabando, mas se este for o efeito colateral de todas as alegrias que vivemos com Gallardo, tudo bem. Falam tanto de modernidade líquida, de tempo que passa voando...

Este homem conseguiu reverter até a humanidade. Oito anos e meio. No mesmo clube de futebol. É surreal.

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Daniel Saavedra (esq.) com seu vizinho a caminho do Monumental de Núñez
Imagem: Arquivo pessoal

E o que acontece neste domingo é uma mudança de perfil no público. Há mais idosos e idosas, pequenos e pequenas. O evento é para todas e todos. Todas as gerações. Agora são 16 horas, o jogo começa só às 20h30, mas o público já se junta nas avenidas ao redor do Monumental. Há cartazes e há faixas, há um 'Obrigado, Napoleão [apelido de Gallardo]', que resume o espírito da tarde.

As pessoas estão mais quietas. Não há ambiente de jogo de futebol.

A sensação persiste na chegada da noite. Faz frio na zona norte de Buenos Aires. O termômetro do celular marca 14 graus, mas venta e as pessoas andam mais próximas uma das outras. Quando entro, na arquibancada Belgrano alta, na mesma posição das câmeras de TV, percebo que é bem provável que o estádio vá ficar superlotado.

É o que acontece, perto das 20h. Quando o River entra em campo, meia hora depois, não cabe mais ninguém e há certo tumulto em um setor, a Sívori baixa, por conta da quantidade de gente. Soubemos depois que ninguém ficou ferido, nenhum tumulto com a polícia. Nada.

Além do perfil variado, uma coisa em comum que tivemos ontem e não é habitual nos jogos do River: gente cabisbaixa chorando muito. Até o garoto que veio comigo passava o tempo todo enxugando os olhos.

Não era clima de jogo, tudo bem, mas tampouco de velório. Estava mais para uma peça de teatro, daquelas bem estupendas, com o público em êxtase.

Não dizem que o Monumental é o 'Teatro Colón' do futebol? É esta a sensação.

O jogo em si é patético. Este River está claramente devastado emocionalmente com a saída de Gallardo, alguém que transcende o esporte em si. Mesmo com chance de ser campeão, o time não rende. E o Central de Tevez tampouco. Faz cera ainda no começo do jogo. Ainda assim, abre 2 a 0 no segundo tempo, o River desconta, o árbitro se atrapalha, e quando percebemos, acabou.

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Festa no Monumental de Núñez para a despedida de Gallardo
Imagem: Arquivo pessoal

Acabou o jogo. Começou a despedida.

O vídeo que mostram no telão com os melhores momentos desses oito anos reforça a sensação. Éramos muito felizes e, sim, sabíamos demais. Ninguém na história do esporte deste país gerou o ambiente que este homem absorve agora.

Nem quero olhar para o lado. Agora quem está chorando sou eu, com meus 59 anos.

Só chorei outras duas vezes por futebol. Com a Argentina campeã do mundo em 1978 e com o River campeão da Libertadores em cima do Boca em 2018.

O grito pedindo para Gallardo seguir no River sai tímido, como se a voz saísse realmente rouca depois de tanto gritar campeão. Vem Quintero e lê uma carta ao Napoleão, depois Gallardo toma a palavra, diz que logo "vamos voltar a nos ver", que "ele agradece demais por tudo, foi uma lindíssima história".

A saída do estádio é em silêncio profundo. Um silêncio que poucas vezes senti. Mas não um silêncio triste, pesado, e sim reflexivo, daqueles parecidos com os das primeiras horas da manhã. Ninguém fala, não há música, só a sola do calçado tocando o piso.

Do nada, ao lado da multidão, um louco desses desvairados passa de carro com a narração do gol de Quintero, aquele gol, que nos deu a maior alegria e pôs a maior tristeza da vida deles, desses 'bosteros' para sempre de joelhos perante Napoleão.

Parece filme. Do silêncio profundo ao grito primitivo. Todos berram o gol e se abraçam. É o nosso 'beliscar para acreditar'.

Dizem neste país que 'nada é para sempre'. Mentira. Gallardo é eterno. Ele é do River. E do River não se vai. Jamais."