Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
Capitão da primeira Copa da Argentina vive recluso para não brigar na rua
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
A Argentina decretou feriado nacional nesta terça-feira (20) para receber seus jogadores que acabam de ser campeões do mundo. Eufóricos desde a conquista de domingo, os vizinhos gritam aos quatro ventos que todos os 47 milhões de argentinos estarão hoje nas ruas festejando a Copa erguida no Qatar.
Um personagem célebre, porém, estará quieto em sua casa, como de costume. Considerado um dos melhores zagueiros da história do futebol, Daniel Passarella, capitão da Argentina na Copa do Mundo de 1978, conquistada na própria Argentina, vive recluso nos arredores da capital do país para não brigar na rua.
Isolado e hostilizado
O jeito mandão foi um aliado de Passarella na brilhante carreira como jogador. Trilhou também uma trajetória positiva como técnico, sendo campeão argentino com o River Plate e comandando as seleções de Argentina e Uruguai. Foi o treinador da Argentina na Copa do Mundo de 1998, por exemplo.
Passarella foi técnico do Corinthians em 2005 (confira abaixo), e no ano seguinte voltou ao River.
Comandou a equipe em 2006, eliminando inclusive o mesmo Corinthians da Libertadores daquele ano. Dedicou-se depois à política do clube de Núñez, e foi eleito presidente do River em 2009. Dois anos depois, com ele à frente da instituição, o clube caiu para a Série B da Argentina, o que gera uma pesada "condenação social" até hoje.
Passarella está com 69 anos. Desde o fim do seu mandato como presidente do River, em 2013, não trabalhou mais. E praticamente não sai de casa.
O ex-zagueiro mora em San Isidro, um dos principais destinos turísticos nas imediações de Buenos Aires. A calma que experimenta na região contrasta com a raiva que sente nas ruas toda vez que percorre a capital portenha — basta ele ser reconhecido para ouvir insultos pelo rebaixamento, o que o tira do sério e o faz sair na mão com os torcedores.
A coluna ouviu que até um de seus locais preferidos na capital, um lava-rápido perto do Monumental, onde gostava de lavar e exibir seus carrões, tem sido evitado por Passarella. Sua última aparição pública foi em dezembro de 2020, no velório de Alejandro Sabella, seu ajudante no Corinthians.
Até mesmo os históricos papos com antigos jornalistas de seus tempos de jogador e técnico deixaram de existir. Passarella foi procurado pela equipe de comunicação do River para gravar depoimento para o filme sobre o título argentino de 1975 (que acabou com uma fila de 18 anos sem título), e a resposta foi um sonoro "não".
A coluna ouviu também de Óscar Ruggeri — companheiro de Passarella na seleção e hoje comentarista da ESPN — a seguinte história: "Estava caminhando em Carmelo [Uruguai] e encontrei alguém sozinho sentado debaixo de uma árvore. Pensei que estava passando mal e cheguei perto, e quando vi melhor, percebi que era Passarella. Não acreditei. Ficamos a tarde inteira conversando. Isso aconteceu há uns três anos".
Em fevereiro de 2021, Passarella foi oferecido para ser técnico do Newell's Old Boys, mas sua pedida salarial assustou a diretoria, que preferiu então contratar o ex-goleiro Germán "Mono" Burgos.
Há quatro meses, a imprensa argentina quase toda repercutiu a versão de que ele sofria de uma doença degenerativa, algo que o ex-capitão argentino desmentiu por meio de uma nota oficial.
Risco de ser preso
Evitar brigas com torcedores não é o único motivo do isolamento de Passarella. Sua passagem pela presidência do River gerou acusações de fraudes como tráfico de ingressos. O processo se arrasta na justiça argentina desde 2016.
O intrincado esquema de repasse de ingressos do clube à torcida organizada fez um juiz chamar 21 pessoas para depor. De empregados a diretores do River. Passarella também foi convocado, mas não apareceu. Pior: perante o juiz, dirigentes atribuíram a ele a responsabilidade pelo esquema.
Carregado nos ombros da Argentina eufórica e vitoriosa na Copa de 1978, Daniel teve raríssimas aparições depois de deixar - pela porta dos fundos - a presidência do River. Veio ao Brasil para comentar a Copa do Mundo no SporTV. E só. Algo impensável para quem o conhece e sabe de seu apreço por holofotes e microfones.
No Corinthians, até bolada na cara
Apesar da qualidade do time que terminaria aquele Brasileiro de 2005 com o título, Passarella durou apenas dois meses e só 15 jogos, demitido depois de uma goleada por 5 a 1 para o São Paulo no Pacaembu.
O período curto foi suficiente, porém, para gerar uma miniatura da sua personalidade explosiva, com conflitos de relacionamento e decisões que prejudicaram o time dentro e fora de campo.
Autoritário ao extremo, exigia sempre a última palavra e a autoafirmação de que era o comandante da tropa. Tal falta de tato rendeu as famosas brigas com Roger e Fábio Costa, sacados do time titular com absoluto desprezo.
Um outro detalhe pouco conhecido diz bastante sobre o ambiente complicado daquele Corinthians.
Passarella terminava os treinos sempre fumando um cigarrinho e desafiando os jogadores para uma partida de fute-tênis. Quando a prática era aberta à imprensa, ele se controlava. Sozinho com o grupo, virava uma fera (ou uma criança?).
Sem jamais aceitar perder, Daniel urrava quando ficava atrás no placar. Os compatriotas Tevez e Sebá Domínguez eram dois dos adversários mais frequentes e logo perceberam que ''brincadeira'' era palavra que não existia.
A jogada preferida de Passarella era mandar a bola curta, perto da rede, e aproveitar a devolução improvisada para enfiar o pé — e soltar uma bomba na cara de quem estava no outro lado.
É claro que a ignorância numa simples ''brincadeira'' apodreceu de vez a relação com os jogadores. A maluquice de Passarella em tais disputas era tamanha que até treinando a seleção argentina ele machucou um jogador.
Daniel arrancou sangue do nariz de Hernán Crespo em plena preparação para a Copa do Mundo de 1998 - esta história está no livro "Él es Passarella'', do jornalista argentino Nicolás Distasio, obra de 528 páginas.
Em seus 15 jogos pelo Corinthians entre março e maio de 2005, o argentino teve sete vitórias, quatro empates e quatro derrotas. O substituto de Passarella foi Márcio Bittencourt. O Corinthians da MSI teria ainda o técnico Antônio Lopes no título daquele Brasileirão.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.