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Tales Torraga

REPORTAGEM

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Técnicos argentinos vivem auge com final do Mundial de Clubes e tri da Copa

Ramón Díaz, técnico do Al Hilal, durante a partida contra o Flamengo, pelo Mundial - Marcio Machado/Getty
Ramón Díaz, técnico do Al Hilal, durante a partida contra o Flamengo, pelo Mundial Imagem: Marcio Machado/Getty

Colunista do UOL

11/02/2023 04h00

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Campeã da Copa do Mundo há menos de dois meses no Qatar, a Argentina tem hoje (11) diante de si uma rara chance de dizer que seus técnicos são os melhores do planeta tanto em seleções quanto em clubes.

No comando do Al-Hilal, que eliminou o Flamengo na semifinal, o badalado Ramón Díaz, de 63 anos, vai tentar às 16h (de Brasília) a façanha de superar também o Real Madrid para conquistar o Mundial de Clubes que está sendo disputado no Marrocos.

A dobradinha argentina nos mundiais não seria inédita.

Em 1986, Carlos Bilardo (com a seleção argentina no México) e Héctor Veira (técnico do River Plate que ganhou a Intercontinental em Tóquio) também levaram o país vizinho ao topo do futebol do planeta.

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Lionel Scaloni, técnico da Argentina na conquista da Copa do Mundo 2022
Imagem: REUTERS/Hannah Mckay

As razões

Como brincam em Buenos Aires, o Brasil "pode ser a terra dos jogadores, mas a Argentina é o país dos técnicos de futebol".

De fato, o interesse do país vizinho em seguir a carreira de treinador é imenso, bem como o gosto por aventuras.

Um exemplo vem de Fernando Gago. Técnico do Racing com apenas 36 anos, ele já é um dos principais treinadores do país, assegurando uma renovação constante e competente no futebol local.

E não é o único.

Leandro Stillitano (Independiente, 40 anos), Martín Demichelis (River, 42) e Hugo Ibarra (Boca, 48) também começam agora a carreira, e com as portas escancaradas nos clubes grandes do país.

É claro que a qualidade e o volume se misturam. A quantidade de treinadores argentinos ao redor do mundo é de fato enorme, com cerca de 15 mil técnicos licenciados.

Nas últimas edições da Libertadores da América, os argentinos chegaram a comandar até 14 dos 32 clubes (44%) da fase de grupos.

Entre as seleções, há o impressionante dado de nada menos que sete das dez equipes sul-americanas terem técnicos argentinos.

A lista tem Lionel Scaloni (Argentina), Néstor Lorenzo (Colômbia), Eduardo Berizzo (Chile), Guillermo Barros Schelotto (Paraguai), Gustavo Costa (Bolívia) e José Pékerman (Venezuela).

Ricardo Gareca (Peru) e Gustavo Alfaro (Equador) deixaram seus cargos recentemente, e a seleção equatoriana têm tudo para contratar justamente um argentino para o seu lugar. Sebastián Beccacece e o próprio Gareca são os candidatos mais fortes.

Um levantamento do Centro Internacional de Estudos do Futebol, na Suíça, há dois anos, revelou que a Argentina era o país com mais treinadores em todo o mundo —eram 68 técnicos ativos, em 22 ligas.

A formação argentina é concorrida e tradicional: o curso para ser técnico no país existe desde 1963, e o diploma é exigido desde 1994.

Quem estudou qualquer assunto no país sabe da tradicional paixão argentina por conhecimento, gerando boas escolas e professores obsessivos, de tão exigentes que são.

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D'Alessandro fez curso de técnico na Argentina
Imagem: Reprodução: Instagram/scinternacional

Ex-jogadores aos montes

No futebol não é diferente. Os três anos de cursos são transcorridos sem dramas e com interesse cada vez maior, pois as aulas se desdobram a temas cotidianos como psicologia e neurociência.

Lucas Pratto, Loco Abreu e Andrés D'Alessandro, para ficar só em três exemplos bem conhecidos no Brasil, já encararam a dose de aulas e estão aptos a ser técnicos.

Basta ter interesse: qualquer candidato, inclusive do Brasil, pode estudar à distância no campus virtual da ATFA (Associação de Técnicos do Futebol Argentino).

A mescla da tradição do ensino e interesse dos alunos impede qualquer "furada de fila". Mesmo estrelas nos campos suam nos campi, e é engraçado perceber que os dois volantes da Argentina na Copa do Mundo do Brasil de 2014, Gago e Mascherano, já iniciaram suas carreiras de técnico. Javier hoje trabalha na seleção argentina sub-20.

Outra brincadeira bastante repetida na Argentina é o "aluno comer o livro como o jogador come a bola", ilustrando a raça necessária para lidar com a alta dose de estudos.

Em cenários assim, o QI ("Quem Indica") não existe — quem quer ver um argentino bravo é falar disso, por brincadeira que seja.

O portenho em especial se vê não raramente como um referente mundial de intelecto, e é difícil tirar-lhe a razão, principalmente quando o papo se encaminha para os cinco prêmios Nobel conquistados pelo país entre 1936 e 1984 (e todos com larga atuação na mesma universidade, a UBA, de Buenos Aires).

Uma das explicações para este aspecto é o investimento em educação nas décadas passadas. A dimensão do país, claro, contribui. A população argentina hoje é de cerca de 47 milhões.

A prioridade na educação ficou para trás, como mostram as datas dos prêmios Nobel, mas a base é forte e exigente, integral e multicultural.

Quem encara com afinco os estudos em Buenos Aires termina com uma bagagem rica e uma formação que muitas vezes não deixa nada a desejar à europeia.

Tudo isso somado ajuda a entender por que os técnicos argentinos podem, neste sábado, olhar para si como os donos dos dois títulos mundiais em jogo no futebol.

E mesmo com o descanso de profissionais de ponta como Marcelo Bielsa, Marcelo Gallardo e Mauricio Pochettino.

"Depois que perdemos para a Arábia [na estreia da Copa], juramos entre nós [da comissão técnica] que até o final do Mundial só iríamos sair do escritório para comer e dormir", comentou nesta semana, à TV TyC Sports, o ex-zagueiro Roberto Ayala, assistente de Lionel Scaloni.

Fica difícil desmerecer as conquistas de quem se empenha tanto assim.