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A louca história de Haydée Matosas, torcedora que mudou o futebol argentino
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O Dia das Mulheres é especialmente reflexivo hoje (8) na Argentina, país que luta como nunca neste "8M", como chama, para reverter seu grave histórico de violência de gênero.
No esporte, a data serve para trazer personagens marcantes do passado, como Haydée Matosas, torcedora-símbolo do futebol argentino e do River Plate.
Ela ficou famosa como "Gorda Matosas", mas, registro feito, a coluna usará seu nome para combater o péssimo hábito de falar sobre o corpo dos outros.
Tão fanática pelo River, suas cinzas foram espalhadas em 1996 no Monumental de Núñez, onde viveu as tarde e noites mais emocionantes da sua vida.
Para saber mais sobre ela, vale conhecer o perfil publicado pelo jornal argentino "Olé" em 1999:
Nasceu na Espanha e mudou a Argentina
Em 1996, ela torcia pelo River pela última vez. Nascida na Espanha como Haydée Luján Martínez, seu nome e sua vida mudaram para sempre no dia em que Roberto Matosas [zagueiro e volante do River] lhe deu sua camisa
Cruzou o gramado. Se aproximou até a arquibancada com a camisa na mão. Buscou uma senhora e, ao vê-la, a deu. Ela, feliz, agarrou forte, sem saber que a partir daquele momento mudaria de nome.
Em um 16 de abril de 1964, estreava Roberto Matosas. Ao ser substituído, lembrou-se da promessa que havia feito na semana a uma torcedora, conhecida naquele tempo como Haydée. Assim, começaram a chamá-la de 'Gorda Matosas', porque o troféu do qual se fez dona passou a ser parte do uniforme que vestiria a cada visita ao Monumental.
Haydée Luján Martínez nasceu na cidade espanhola de Granada, em 1933. Chegou à Argentina quando tinha nove meses junto com seus pais, que cinco anos depois morreram em acidente automobilístico.
Um fato anterior a esta tragédia a marcaria por toda a vida.
Seu pai a levou para assistir ao River no velho estádio, e ela começou a ver o futebol como uma paixão e ao River como um verdadeiro amor.
Haydée se converteu em mito. Como tal, há partes de sua história que perduram como lenda. Seu casamento falido, por exemplo.
Dias antes da boda, brigou com o noivo, um engenheiro, porque ele não a deixou colocar a faixa vermelha no vestido. Também se diz que o verdadeiro motivo foi outro: ela, na verdade, o enganava. Com o River, é claro, a quem deu toda sua vida.
Seus primos de Villa Devoto a criaram. Depois, viveu sozinha em La Plata. Era dona de um táxi, mas sua principal fonte de renda era a venda de bilhetes de loteria. A carteira de clientes ia do River à AFA, onde aparecia religiosamente às quartas e sextas.
Não conversava com quem era do Boca
Na sede da Associação, tinha seu bunker dos anos 1960 em diante. Ali espalhava seus quilos e sua voz rouca de tantos gritos e descuidos físicos. "Um dia fui retirar um documento com meu filho, que tinha três anos'', lembrou o ex-árbitro Juan Carlos Biscay.
"Ela se dava bem comigo porque sabia que Matías, meu outro filho, era das inferiores do River. Apareceu para nos cumprimentar, e quando a criança falou que era torcedor do Boca, ela começou a nos bater com a carteira.''
Uma situação parecida viveu o atacante Da Silva, ex-River, ao assinar com o Boca. Na AFA, Haydée se enfureceu.
Apenas chegava o domingo, Haydée se transformava. Começava seus preparativos em casa, tomava um táxi ou ônibus até Núñez e chegava ao seu segundo lar. O gorrinho com a legenda "River Campeón'', um apito e a camisa número seis de Matosas a faziam única no meio da multidão.
Eram tempos em que poucas mulheres frequentavam os estádios. Depois de Matosas, elas ganharam confiança e passaram a marcar presença em todos os setores.
Durante sua juventude, se via pendurada em alguma barra na arquibancada. "Em jogo contra o Quilmes, de visitante, a torcida deles começou a cantar que a 'Gorda estava nervosa'. Parada num cano, ela baixou as calças e mostrou a todos sua calcinha com as cores do River'', conta o ex-jogador Daniel Onega.
A pior palavra para ela era Boca. Não a nomeava, preferia usar outros termos como, por exemplo, 'porcos'. Se alguém identificado com o rival lhe dirigia a palavra, ela respondia: "A você não tenho por que falar, você é bostero [apelido depreciativo dos torcedores do Boca]''.
Longe de qualquer delicadeza, para Matosas não interessavam os bons modos.
"Tinha muita força. Um dia a vi brigar contra dois caras em um ponto de ônibus de Barrancas de Belgrano. Me impressionou como ela batida. A um lhe quebrou a boca", contou Alberto Haliasz, fotógrafo do River.
Foi uma santa? Claro que não, tinha suas coisas. Em diferentes oportunidades mostrou um lado xenófobo e chocante por sua prepotência.
"Insultou vários companheiros meus durante uma gira pela Bolívia em 1973. Saí para defendê-los e desde então não falei mais com ela. Não gostava das suas atitudes. Depois ela quis fazer as pazes, mas recusei'', ponderou Beto Alonso, histórico camisa 10 do River.
Café, muito açúcar e muito cigarro se contrapunham ao tratamento que fazia para controlar a diabetes. ''Gritava ao entrar nos consultórios da AFA em busca de um doutor ou de um enfermeiro. Era muito parca para solucionar seus problemas de saúde'', relembra Oscar Bazán, um dos médicos do lugar.
Onde ia River, Haydée estava presente. Sua última viagem foi a Santiago, em 1996, para ver a semifinal da Libertadores ante a Universidad de Chile.
Se instalou no Hyatt. Nessa oportunidade, o ''Olé'' lhe perguntou quem havia bancado. "Trabalho muito e ninguém vai me tirar a alegria de ver o River em todos os lugares'', respondeu.
Nesta noite, foi ao estádio e terminou de piorar sua doença pulmonar. Em 26 de junho, o River saía campeão da América enquanto a internavam em La Plata.
Uma semana depois, 4 de julho, falecia. "Mereço ir ao céu, mas primeiro vou passar pelo purgatório. Igual, Deus, que é argentino e galinha [apelido depreciativo do torcedor do River], me vai desculpar'', repetia sempre.
Não se sabe para onde foi. A única certeza é que ficou no River como mito e como símbolo. Seu último desejo resume sua vida. Pediu ser cremada para que suas cinzas fossem espalhadas pelo gramado do Monumental.
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