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Tales Torraga

REPORTAGEM

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Em relato histórico, filha de Maradona narra luta do astro contra a cocaína

Dalma Maradona e Diego Maradona - Reprodução/Instagram
Dalma Maradona e Diego Maradona Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

19/03/2023 04h00

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Foi realmente histórico. Durante quase uma hora, Dalma, a filha mais velha de Diego Maradona, detalhou todo o drama vivido pela família com a dependência química do lendário camisa 10 argentino.

Em meio a muito choro também do apresentador, o famoso ator Gastón Pauls, a entrevista foi levada ao ar pela Crónica TV na noite de sexta-feira (17) na abertura da terceira temporada do "Seres Libres" ("Seres Livres"), programa que aborda as histórias de sofrimento marcadas pelo vício em drogas.

"Esta é a entrevista que me deixa mais nervoso", explicou Gastón, sendo tranquilizado pela própria Dalma. "Há algo muito emotivo no meio. Nesses dias eu estive falando com Diego e pedindo ajuda para conduzir a entrevista."

Hoje com 35 anos e mãe de duas filhas, Azul (1 ano) e Roma (4), Dalma explicou que não carrega mágoas pelo que viveu em casa, até pelo esforço de Diego para poupá-la de cenas mais pesadas.

"Quando era criança e ouvia a palavra cocaína, ficava nervosa", contou Dalma. "Não sabia o que fazer, e agora o que mais quero é tê-la longe, na minha vida e na vida das pessoas que se relacionam comigo. Não me dá curiosidade prová-la. É a história da minha vida, eu o vi [Diego] sofrer e lutar contra isso, com todas as suas armas."

"Eu lembro mais do que meu pai falava sobre a droga em si do que de cenas dele alterado."

O momento que a deixou mais emocionada foi o seguinte relato:

"Um caso que ele conta é que uma vez ele estava no banheiro, consumindo, e eu tinha três ou quatro anos, e fiquei batendo na porta até que ele deixasse tudo para sair e falar comigo. Ele me dizia: 'você me salvava desta maneira'".

"Sem saber o que ele estava fazendo, até que ele não falasse comigo ou não saía dali."

"Outra que lembro foi uma campanha contra as drogas, em que ele falava de quando começou a consumir e como era a sua vida com a droga. Eu era muito pequena, tinha seis ou sete anos, perguntei aos meus pais se eu podia ver a entrevista, minha mãe disse que não, que não era para mim, e meu pai disse que sim, que iria sair em todos os lugares, que ela poderia ler, e se era assim, eu poderia perfeitamente estar com ele ali."

"Nunca estive em uma situação de dizer 'putz, que feio'. Eu não tinha momentos feios com ele. Ele se cuidava demais para não prejudicar nem a mim e nem a minha irmã. Minha mãe também me cuidava. O que sim lembro era ver algum vídeo ou outro e perceber que ele não estava bem."

dal - Reprodução TV - Reprodução TV
Filha de Maradona chora ao contar luta do pai contra as drogas
Imagem: Reprodução TV

Sem aceitar críticas alheias

"Eu o critiquei mais que o necessário, me dei conta fazendo a minha peça de teatro ["A Filha de Deus"]. Não me lembro de nenhuma vez que ele não foi a um aniversário meu, por exemplo. Ele me dizia: 'Dalma é a que me acomoda, a que me xinga, ela me olha e sei que preciso estar bem'. Sinto muitas vezes que foi este meu papel com ele."

"Senti que eu o defendi muito, mas não sinto como uma carga, para nada. Sigo fazendo isso. Com seus erros e suas falhas, a cada dia o admiro mais. Que ninguém venha criticá-lo."

"Quando ele esteve internado e disseram que ele estava morto, eu tinha 15 anos e disse que era mentira. Aí assumi um papel e disse a ele que Gianinna [irmã mais nova] precisava dele."

O apresentador Gastón Pauls narrou um episódio com uma recaída sua, em que Maradona lhe ofereceu total apoio para se restabelecer. "Meu pai tinha morrido e Diego, ali, estava desempenhando uma função realmente paterna."

dal - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Dalma Maradona publicou uma foto em que, bebê, brinca ao lado do pai, Diego Maradona
Imagem: Reprodução/Instagram

Quebra de confiança com psicólogos

"Foi muito feio quando ele [Diego] começou a ir ao psicólogo e publicaram todos os diálogos", contou Dalma, revelando tal questão pela primeira vez.

"A partir daí, muitas vezes lhe custava pedir ajuda, a ajuda que ele precisava. Às vezes minha mãe conseguia ajudá-lo, às vezes não. Ele não tinha um lugar seguro onde pudesse falar sem que ninguém soubesse."

"Quando decidi fazer terapia, ele me explicou o que tinha acontecido com ele, dizendo que, mesmo assim, ele me acompanharia."

"Via meu pai como uma criança. Já grande, quando aparecia uma bola, a cara dele se iluminava. Nem em um garoto vi nada igual. Uma criança eterna. Ele sempre quis proteger essa criança."

"Há saída [da cocaína]. Ele sempre me dizia: 'foi Dalma quem me tirou da droga'. Com isso, não tenho que explicar nada a ninguém", disse, emocionada.

"Nunca trocaria de pai, mesmo com tudo o que me implicou ser sua filha. Não acho que ele mudaria alguma coisa em ser quem foi, as coisas que aconteceram, inclusive a droga, sabendo que pode se sair, com muito amor e esforço, de verdade, eu o vi lutar com tudo o que tinha."

O final foi particularmente tocante:

"Se há uma criança de seis, sete, oito anos, batendo na porta de um banheiro, com seu pai aí dentro, eu diria a ela: 'Fique aí e bata na porta porque isso que você está fazendo serve para ajudá-lo, para melhorá-lo. Se você pode ajudar a outra pessoa, faça isso, como tentei fazer".

Maradona morreu em novembro de 2020, vítima de uma parada cardiorrespiratória, 25 dias depois de completar 60 anos.

Sua luta contra a cocaína atravessou décadas. Começou em 1982, em Barcelona, e durou, segundo seu relato, até 2004.