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Tales Torraga

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Dá para comparar com Ramon? Como foi começo do técnico Scaloni na Argentina

Lionel Scaloni, técnico da Argentina na conquista da Copa do Mundo 2022 - REUTERS/Hannah Mckay
Lionel Scaloni, técnico da Argentina na conquista da Copa do Mundo 2022 Imagem: REUTERS/Hannah Mckay

Colunista do UOL

25/03/2023 04h00

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A estreia de Ramon Menezes hoje (25) às 19h na seleção brasileira automaticamente "soou o despertador", como falam em Buenos Aires.

Dá para compará-lo com Lionel Scaloni, atual campeão da Copa do Mundo e, nos números, o maior técnico da história da seleção argentina, badalada pela classe universal de seus treinadores?

Não, não dá, e não é menosprezar Ramon ou quem quer que seja.

Afinal, falar de Scaloni é falar do melhor técnico do mundo de 2022, segundo a Fifa.

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Scaloni foi campeão na Copa do Mundo 2022
Imagem: GettyImages

Aluno de Sampaoli

O ano era 2018.

Eliminada pela França ainda nas oitavas de final da Copa do Mundo da Rússia, a seleção argentina parecia à beira do colapso.

O então técnico Jorge Sampaoli rompera relações com o assistente Sebastián Beccacece ainda durante a Copa.

Depois do Mundial, vieram as demissões.

Primeiro, a de Beccacece, que pediu para sair, e depois a de Sampaoli, dispensado pela AFA (Associação Argentina de Futebol), mesmo com contrato até a Copa do Mundo de 2022.

Para se livrar dele, a associação desembolsou o equivalente a R$ 7,75 milhões. E o escolhido para seu lugar foi um interino desconhecido até para os argentinos.

Lionel Scaloni, então com 40 anos, era um dos assistentes de Sampaoli e aceitou o cargo, mesmo com forte rejeição no país, que tradicionalmente preza pela continuidade ou dissolução total nas comissões técnicas.

É raro demais que alguém siga quando os demais saem.

Scaloni não se abalou e fortaleceu suas "costas quentes".

Foi rodeado de assistentes com grande vivência na seleção argentina, como os históricos ex-jogadores Pablo Aimar, Walter Samuel e Roberto Ayala.

Cinco anos depois, pode-se afirmar que Scaloni vingou demais, mesmo em sua primeira experiência como treinador principal.

Balançou depois de perder para o Brasil e ser eliminado na Copa América de 2019, mas contou com um bom arranque nas Eliminatórias de 2020 para seguir no cargo, porque a imprensa argentina aproveitou cada deslize para clamar por "medalhões" do talhe de Diego Simeone, Ricardo Gareca e Marcelo Gallardo.

A AFA, bem discretamente, estudou a troca por alguém mais gabaritado, mas Scaloni recebeu um voto de confiança e não desperdiçou.

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Lionel Scaloni recebe o troféu de melhor técnico no Fifa The Best
Imagem: FRANCK FIFE / AFP

Nunca antes na história

Revertendo a pressão, Scaloni emplacou uma série invicta que chegou a 36 jogos (a maior da história da Argentina), foi campeão da Copa América de 2021, batendo o Brasil em pleno Maracanã, e levantou o primeiro título mundial argentino em 36 anos, conquistando também, ufa!, a histórica, épica e surreal Copa do Mundo do Qatar.

(Como se precisasse de algo mais, somou, ainda, o troféu da Finalíssima Uefa-Conmebol, contra a Itália, campeã da Eurocopa, em Wembley, em junho.)

Criaram até um apelido para sua seleção, a "Scaloneta", transporte coletivo semelhante a uma van.

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Lionel Scaloni, técnico da seleção argentina, em coletiva de imprensa nesta terça-feira (29).
Imagem: JUAN MABROMATA/AFP

Por que ele?

Uma das perguntas mais repetidas por quem não acompanha a seleção argentina em detalhes é a escolha por Scaloni, um novato desconhecido, enquanto os treinadores do país são destaque no mundo todo.

Para citar só três exemplos, Diego Simeone, Marcelo "Loco" Bielsa e Mauricio Pochettino marcam presença constante nas grandes ligas europeias, sem falar dos expoentes na América do Sul, como Gallardo (no River Plate), Gareca (no Peru), José Pékerman (na Colômbia) e tantos outros.

O primeiro motivo que fez a AFA apostar em Scaloni foi o financeiro. La plata habla.

Técnico em formação, em sua primeira experiência como treinador principal, ele custou pouco aos cofres da entidade.

Ao renovar seu contrato, em 2020, seu salário por temporada era estimado em US$ 500 mil (cerca de R$ 2,62 milhões), segundo o jornal francês "L'Equipe". Tite, por exemplo, recebia na seleção brasileira US$ 3,9 milhões por ano (R$ 20,46 milhões), de acordo com a publicação.

O contrato de Scaloni foi renovado no mês passado, agora valendo até a Copa de 2026.

O jornal "Clarín" estimou que seu novo compromisso lhe destina US$ 2,6 milhões por temporada (R$ 13,64 milhões), ainda distante do citado valor de Tite e do técnico com maior salário da Copa, o alemão Hansi Flick, com US$ 6,6 milhões (R$ 34,63 milhões).

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Lionel Scaloni, técnico da Argentina, abraça Messi após vitória sobre a Holanda
Imagem: Carl Recine/Reuters

Ganhou o grupo

O bom ambiente gerado por Scaloni também foi determinante ao apostar em sua continuidade.

Muito próximo aos jogadores —era atleta, por exemplo, na primeira Copa disputada por Lionel Messi, em 2006 —, Scaloni é considerado como um treinador extremamente aplicado em todas as facetas do seu ofício.

Tem capacidade para armar equipes, fazer alterações de uma partida para outra, mexer com competência durante o próprio jogo e conseguir fazer tudo sem ferir o complicado ego dos jogadores argentinos, tradicionalmente traídos pelos nervos na seleção que se caracteriza pela paixão e pelas explosões emocionais.

Chamado de "Égua" em sua época de jogador —dava coices como um combativo lateral direito —, Scaloni mostrou que evoluiu e não precisa dar patadas para ser respeitado.

E isso em um dos cargos mais penosos do futebol mundial, aquele que, para muitos, esgotou Alejandro Sabella e Edgardo "Patón" Bauza, que depois da seleção passaram a conviver com graves problemas de saúde.

Quem não teve problemas foiMessi. A sua melhor Copa de todos os tempos foi sinal do bom ambiente da seleção e da coesão que existe ao seu redor.

Foi sob o comando de Scaloni que Messi, um dos maiores gênios da história do futebol, alcançou seu melhor rendimento no principal evento do planeta. E isso diz muito.