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Como foi a conturbada relação entre Messi e Sampaoli na seleção argentina
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Que loucura. Foi em 2017, seis anos atrás, mas parece que foi em outra vida em que estivemos, aqui no UOL, cobrindo de perto os primeiros passos de Jorge Sampaoli na seleção argentina, comandando ninguém menos que Lionel Messi.
Mantendo o blog "Patadas y Gambetas", estivemos juntos no Centenário (sua estreia oficial, contra o Uruguai), no Monumental (diante da Venezuela) e na Bombonera (ante o Peru) em uma sufocante reta final de Eliminatórias.
Foram três jogos e três empates: 0 a 0, 1 a 1 e 0 a 0. Uma sequência nada Sampaoli para o torcedor flamenguista que espera um time agressivo como os que acompanhou no Santos e Atlético-MG.
Voltando àquele outubro de 2017: a salvação argentina veio só na última rodada, em Quito, contra os reservas do Equador. A seleção ganhou por 3 a 1, três gols de Messi, e ficou com a terceira das quatro vagas diretas para a Copa do Mundo de 2018, na Rússia, atrás de Brasil e Uruguai.
Desde o começo, era claro o brutal choque de estilo do elétrico Sampaoli com os jurássicos dirigentes da AFA.
E, o que é pior: também com os jogadores.
Mais de uma vez, ouvimos reservadamente dos atletas que o treinador era alguém que tinha um conhecimento tático indiscutível, mas de também indiscutível dificuldade na hora de transmiti-los.
A seleção era então ironicamente tratada na Argentina como o "clube dos amigos de Messi", que muitos jornalistas locais garantiam existir.
Ficou para a história que os veteranos (Messi, Mascherano, Di María, Agüero, Higuaín, Biglia...) daquele grupo tripudiaram de Sampaoli em plena Copa. Só falavam com ele para submetê-lo aos seus caprichos, e não para serem orientados.
Rumor até de briga física
Eliminada nas oitavas de final pela França, a Argentina disputou a Copa de 2018 dividindo suas atenções entre os gramados e os "incêndios" numa das mais loucas presenças suas em Mundiais.
E a bagunça veio de cima. O técnico Jorge Sampaoli e o auxiliar Sebastián Beccacece se desentenderam, e a tensão entre ambos obviamente interferiu na equipe que teve Messi como um apático capitão, naquela que foi sua pior participação em Copas.
Quem trouxe mais detalhes sobre a desavença geral com Sampaoli foi Ángel Di María.
"Às vezes, Sampaoli dizia uma coisa e Beccacece, outra. Não havia boa comunicação entre eles", comentou ao canal de TV TyC Sports, da Argentina, em agosto de 2021.
Circularam versões na imprensa argentina de que ambos saíram na mão no vestiário, na frente dos jogadores, depois de perder por 3 a 0 para a Croácia, algo que até hoje ninguém confirmou publicamente.
"Em alguns momentos parecia que eles estavam brigados entre si, porque um comia sempre antes que o outro. Aconteceram muitas coisas aí no meio que, como jogador que trabalha com ambos, nos afeta um pouco. Parece que não, mas afeta bastante. Por isso foi um Mundial em que sinceramente tudo foi me desanimando por tudo o que aconteceu", detalhou Ángel.
Di María reconheceu que os líderes do grupo, Messi e Mascherano, interpelaram Sampaoli na Rússia para tentar mudar o rumo da situação.
"Conversamos com ele sim, a partir daí as coisas melhoraram, mas já não vinham bem, e quando não vêm bem, é impossível que se transforme da melhor maneira de uma hora para a outra."
Fúria e loucura
A primeira fase da Argentina de Sampaoli e Messi em 2018 foi tão ruim que a seleção nem sequer conseguir ganhar da estreante Islândia (1 a 1, com Messi perdendo pênalti).
Veio depois uma arrasadora derrota por 3 a 0 para a Croácia e uma milagrosa vitória por 2 a 1 nos minutos finais diante da Nigéria. Nas oitavas, contra a França, o cenário era perfeito para Messi, Di María e companhia.
Maioria da torcida, um ambiente sul-americano e a chance de responder a todos os questionamentos. Entretanto, quem foi ver o argentino testemunhou o brilho do outro lado. Com atuação de gala de Kylian Mbappé, a França derrotou a Argentina por 4 a 3, em Kazan, e avançou às quartas.
A Argentina, por outro lado, apresentou os velhos problemas, com um time bagunçado e sem a menor criatividade.
A equipe de Sampaoli até equilibrou as ações na base da raça e de lances individuais. Di Maria, com um golaço, e Mercado, em uma bola desviada, chegaram a colocar a azul e branca à frente.
Apenas um susto. A França dominou boa parte da partida, cresceu quando acuada e assegurou a classificação com três gols e um grande segundo tempo. Nem mesmo o tento de Agüero nos acréscimos foi capaz de impedir a eliminação argentina.
A sequência está bem fresca na memória: a França bateu Uruguai, Bélgica e Croácia para ser campeã do mundo.
E a Argentina mandou Sampaoli embora, efetivou Lionel Scaloni, um de seus assistentes, e saiu da fila de 36 anos com a Copa do Mundo do Qatar, no ano passado.
Aval inicial
Escolhido para comandar Messi na Copa do Mundo da Rússia, Sampaoli chegou à seleção com a chancela do próprio craque.
Acredita-se que as conversas entre Sampaoli, Messi e Mascherano tenham começado antes mesmo que o antecessor "Patón" Bauza recebesse o bilhete azul naquele 2017.
O lobby de Messi neutralizou as críticas de diversas personalidades importantes do futebol argentino, a começar pelo ferino Diego Armando Maradona.
"Sampaoli não conhece mais do que Bauza. Se você joga uma bola para Sampaoli, ele te devolve com a mão", disparou, algo repetido no país até hoje.
"O que ele ganhou? É muita fumaça para pouco fogo", concordava Carlos Bilardo.
César Luis Menotti, treinador campeão do mundo em 1978, dizia gostar da proposta de jogo, mas afirmava que Sampaoli chegara à seleção "de maneira obscura, o que não era bom".
O próprio Bauza alfinetou publicamente o sucessor pelas tratativas de bastidores que o levariam ao cargo:
"Eu sabia havia vários meses que ele vinha falando com alguns dirigentes. Não me parece ético, mas a ética sempre perde no futebol".
Sampaoli não se abateu com as controvérsias. Acostumado a se reinventar, buscou ouvir outros técnicos e se disse aberto às suas ideias dentro do projeto de recuperação da equipe nacional.
Nesse aspecto, era uma cópia do "Loco" Bielsa, talvez sua maior referência. O "Loco", por sinal, era um dos poucos defensores de Sampaoli na Argentina.
Num congresso organizado pela CBF, fez um elogio que deve ter mexido com Jorge:
"Sampaoli não é meu discípulo. Primeiro, porque esse termo não combina com o que penso. E segundo, porque acho que ele é melhor que eu".
Só que mesmo sua obsessão não impediu um dos grandes desastres da história da seleção argentina.
No último amistoso antes da convocação para a Copa, a Argentina —desfalcada de Messi, machucado— foi colocada na roda pela Espanha em Madri: 6 a 1.
A avalanche de críticas na imprensa argentina (onde Sampaoli foi chamado, entre outras coisas, de "cagão", "papudo" e "vendehumo", gíria para o sujeito que "fala muito e pouco faz") se seguiu a um diagnóstico preocupante do ex-atacante Jorge Valdano, antecipando tudo aquilo que viria a ocorrer na Rússia:
"O clima na seleção é o mais negativo desde 1958", observava, lembrando de outro 6 a 1, que tirou a Argentina daquela Copa logo na primeira fase, diante da Tchecoslováquia.
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