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Tales Torraga

REPORTAGEM

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Por que Messi se recusou a vestir camisa do Boca na despedida de Riquelme

Colunista do UOL

26/06/2023 08h13

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A fresca semana de inverno começou com o coração quente em Buenos Aires.

Ao menos para a metade azul e ouro da capital argentina, que delirou com o jogo de despedida de Juan Román Riquelme na noite de ontem (25).

Na Bombonera superlotada até nas escadarias, o ídolo máximo da história do Boca Juniors reuniu craques do passado e do presente e levou a torcida à loucura reverenciando até mesmo as lendas que já morreram, como Diego Armando Maradona.

Em gesto dos mais elogiados, Riquelme vestiu a 10 do Boca com o nome de Maradona nas costas, revertendo a rusga que afastou ambos nos anos finais da vida de Diego, vítima de uma parada cardiorrespiratória fatal em 2020.

'Deixa de enrolar'

Lionel Messi, como era esperado, começou jogando e foi uma das estrelas da noite.

Sempre simpático e sem demonstrar cansaço pela jornada dupla, pois havia participado do jogo de despedida de Maxi Rodríguez no sábado, o capitão da seleção argentina ganhou da torcida uma ovação comparável à que foi oferecida a Riquelme.

Durante o tempo em que esteve em campo, cerca de uma hora, Messi ouviu cânticos da torcida do Boca pedindo para ele vestir a camisa do clube.

Na metade do segundo tempo, a Bombonera explodiu de verdade, gritando "Che Messi, dejate de joder, ponete la de Boca, que te queremos ver".

(Na tradução livre, "Messi, camarada, deixa de enrolar, põe a camisa do Boca que queremos ver".)

No campo, Lionel sorria e levava com bom humor a comoção popular.

Nas transmissões de rádio e TV (o jogo foi transmitido pela TV Pública e teve audiência divulgada de 20 milhões de telespectadores), os comentaristas pediam para o "público não ser maldoso e deixar Messi em paz".

O capitão não esteve nem perto de ceder à pressão popular —e quem já esteve na Bombonera, principalmente lotada, sabe que poucos estádios no mundo são capazes de pressionar tanto.

E por que Messi não levou adiante o pedido da torcida?

Primeiro, por sua óbvia identificação com o Newell's Old Boys. Na apaixonada Argentina, qualquer um que vista a camisa de um clube adversário corre o risco de ser hostilizado para sempre apenas por isso.

Pouco ídolos romperam esta questão. Um que pode ser destacado é, de novo, Maradona.

Lenda do Boca (embora revelado no Argentinos Juniors), ele vestiu sem titubear camisas do Independiente, Racing e San Lorenzo, equipes nas quais jamais jogou oficialmente (foi técnico do Racing, é verdade).

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Capa do "Olé" destaca despedida de Riquelme
Imagem: Reprodução

Banho com as chuteiras e loucura

(Tal rivalidade é tão acentuada que Pablo Aimar, craque do River Plate, preferiu ontem tomar banho sem tirar as chuteiras, apenas para não usar uma simples sandália azul e amarela que estava à sua disposição no vestiário do Boca.)

Há uma outra rixa que Messi preferiu evitar, a dos rosarinos (de Rosário) com os portenhos (da capital, Buenos Aires).

Se Messi vestisse a camisa do Boca, além da questão esportiva, sua dor de cabeça seria agravada com os conterrâneos.

Há uma histórica animosidade mútua entre os "provincianos" (do interior) e os "portenhos" (que vivem na capital), algo extremamente perceptível nos jogos do Campeonato Argentino.

Messi, levando na boa, seguiu com a camisa da seleção até sair da Bombonera, depois de toda a comemoração em torno de Riquelme.

Pelo que apurou a coluna, era exatamente este o combinado entre Lionel e a organização do jogo de despedida.

O próprio Román havia sugerido a Messi que ele ficasse o tempo todo com a roupa da seleção argentina —afinal, sua identificação histórica era justamente com a azul e branca, e com nenhum clube do país.

Vestido de azul e branco ou azul e ouro, Messi e Riquelme tiveram um encontro inesquecível, para virar um quadro na parede de um museu.

Os fanáticos argentinos dizem cada vez mais que eles sim vivem no "verdadeiro país do futebol".

E está cada vez mais difícil discordar.